Frequente no noticiário do Paraná nos anos 70 e 80, a palavra ‘voçoroca’ está voltando ao vocabulário do meio rural, na esteira do recrudescimento da erosão dos solos agrícolas no estado.
Voçoroca, segundo o dicionário Michaelis, é uma “depressão no solo, geralmente de grande profundidade, resultante de erosão subterrânea que atinge o lençol freático; buracão”. As voçorocas de 40 anos atrás assustavam não só por parecerem um buraco sem fundo, que não parava de crescer, mas porque, na prática, eram monstros engolidores de solos e nutrientes.
Pois a causa da voçoroca – a erosão contínua dos solos pela enxurrada – está dando dor de cabeça de novo. Na base do problema, o entendimento de alguns agricultores de que a semeadura direta é a mesma coisa que fazer plantio direto (sistema de cultivo sobre a palhada da cultura anterior, sem revolvimento do solo, associado à rotação de culturas). Segundo pesquisadores de solos, essa crença equivocada de que apenas a semeadura direta resolve todos os problemas teria levado à negligência de outras práticas fundamentais, como o terraceamento agrícola – plantio em platôs nivelados, no sentido inverso ao declive dos terrenos.
“Muitas propriedades tiraram os terraços para manobrar melhor com as máquinas e para não perder áreas de plantio. E como muitos acham que o plantio direto acaba compactando o solo, eles entram com escarificador e com grade. Daí o solo fica exposto, desestruturado e sem palha. Com isso, a erosão voltou com toda força no estado”, lamenta Graziela Barbosa, engenheira agrícola coordenadora da área de solos do Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR).
Segundo um estudo de 2014 a 2018 liderado pela Embrapa em quatro microbacias hidrográficas do Norte e do Oeste do Paraná (uma em Rolândia, uma em Cambé e duas em Toledo), a erosão tem aumentado ano a ano, inclusive com a ocorrência de voçorocas e a formação de sulcos no solo.
Apenas nas lavouras temporárias, como soja, milho e trigo, o Paraná já perde US$ 242 milhões por ano (cerca de R$ 1 bilhão) em nutrientes levados pela erosão, segundo o economista Tiago Telles, pesquisador do IAPAR. “E nessa conta está só aquilo que é perdido com alguns macronutrientes. Nem foram calculados os custos com reposição de fertilizantes, hora-máquina, mão de obra e replantio quando a enxurrada leva tudo”, diz Telles.
O economista destaca ainda outros dois prejuízos importantes. A perda de produtividade, pelo empobrecimento do solo, e o dano maior, além da porteira. “O maior custo não é nem para o produtor, mas para toda a sociedade. O solo e os insumos que se perdem vão parar nos rios, gerando um efeito cascata. O desassoreamento dos lagos das usinas tem um custo muito elevado, assim como o tratamento de água para retirar esses elementos externos”.
Em várias regiões do Paraná, ao equívoco de escarificar e gradear o solo, práticas inimigas do plantio direto, soma-se o descuido com a rotação de culturas. “Pelo menos a cada três anos, em um terço da área, seria importante colocar milho no verão, em vez da soja. E no inverno, em vez de plantar milho safrinha, colocar um outro cereal. Mas o produtor não quer deixar de plantar soja nem milho safrinha. E sem a rotação de culturas, que melhora a estrutura do solo de forma perene, a raiz da soja fica na superfície e qualquer veranico faz perder produtividade”, destaca Graziela Barbosa.
Para os pesquisadores, é fato consumado que o uso inadequado ou parcial do sistema de Plantio Direto, associado à repetição dos plantios trigo/soja e milho safrinha/soja, leva à produção insuficiente de palha e de raízes, acentuando os processos erosivos. “O problema, que por um tempo havia sido equacionado no estado, tornando-o exemplo positivo para o Brasil e o mundo, está de volta e, nestes últimos quatro anos, contabilizamos perdas expressivas de água e de solo”, ressalta o pesquisador da Embrapa Henrique Debiasi.
Compactação
Para Júlio Franchini, também da Embrapa Soja, a consorciação de milho com braquiária, e não a escarificação, é o primeiro passo para minimizar os efeitos da compactação do solo.
Dados da Embrapa, do Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural do Paraná (Emater/PR) e da cooperativa Cocamar demonstraram que áreas do Paraná cultivadas há vários anos com a sucessão milho 2ª safra-soja apresentaram, em média, 20 milímetros por hora de infiltração de água. Por outro lado, áreas cultivadas com milho consorciado com braquiária resultaram em valor de infiltração 6,5 vezes maior, equivalente a 130 milímetros/hora.
“Ao introduzir a braquiária no sistema produtivo, há aumento de palhada na superfície do solo e as raízes da braquiária funcionam como descompactadoras, o que melhora a infiltração de água”, destaca o pesquisador.
A pesquisa mostra que sistemas diversificados também são mais lucrativos. Propriedades assistidas pela cooperativa Cocamar, em Maringá (PR), que implantaram na 2ª safra 70% da área com milho e 30% com braquiária solteira tiveram uma vantagem de R$ 280,00 por hectare/ano, comparando-se com o sistema que não usou a braquiária. “Ao introduzir uma cultura de cobertura, o produtor produz menos milho devido à menor área, mas a produtividade da soja e do milho é maior, por isso, só tem vantagens ao longo prazo”, explica Debiasi.
Para contra-atacar a erosão, desde 2016 funciona no Paraná o programa Prosolo, que reúne instituições públicas e privadas e agrega iniciativas como o Programa de Microbacias, da Secretaria da Agricultura, a campanha Plante seu Futuro, da Emater-PR, e o Moringa Cheia, da Sanepar.
No momento, uma das iniciativas do Prosolo é qualificar técnicos e agrônomos para elaboração de projetos de conservação do solo na propriedade, uma exigência da legislação. Cerca de 200 profissionais já fizeram o curso em EAD oferecido pelo SENAR-PR, outros 200 estão no meio das aulas e 100 participam das novas turmas iniciadas em setembro. Em outra frente, 35 projetos sobre manejo e conservação do solo e da água estão em andamento em universidades e institutos de pesquisa do estado, patrocinados por uma parceria público-privada de R$ 12 milhões.
“Manejo do solo é coisa permanente. Não adianta implantar uma determinada prática e achar que resolveu o problema. É um paciente que precisa estar em constante acompanhamento”, lembra a engenheira agrícola Débora Grimn, secretária-executiva do Prosolo.
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