Quantas vezes você já parou, olhou e pensou: “para onde vai o cocô depois da descarga?” Pois é, é normal a gente achar que, se não está à vista, o problema não existe. Na verdade, ele existe sim e é sério, com aterros sanitários nem sempre nas melhores condições e o risco de contaminação da água quando o esgoto não é tratado adequadamente.
Mas, o que, hoje, é problema pode virar solução: sim, o esgoto humano também pode ser transformado adubo rico em nitrogênio, fósforo, cálcio e magnésio, além de outros macronutrientes, e “alimentar” as plantas. Ok, dependendo do horário em que você estiver lendo, não é o melhor dos assuntos... Mas é importante. E não se preocupe: antes de nutrir as lavouras, ele passa por um processo de higienização rigorosíssimo.
Uma parceria da Embrapa com a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), do Rio Grande do Sul, tem estudado formas de reaproveitar os dejetos e já conseguiu resultados empolgantes: o lodo de esgoto teve produtividade de fitomassa - que é a “matéria sólida”, obtida depois do processo de higienização, o adubo propriamente dito - até 20% maior que alguns substratos comerciais usados como referência.
É bom para as plantas, para o meio ambiente e para o bolso também, já que o Brasil é essencialmente dependente de importações de fertilizantes agrícolas (a estimativa dos pesquisadores é de que o país importe 76% dos fertilizantes nitrogenados, 43% dos fertilizantes à base de fósforo e 91% do cloreto de potássio). A ideia, somente com essa pesquisa, é aproveitar 140 mil metros cúbicos de lodo de esgoto por ano, quantidade suficiente para fertilizar mais de 10 mil hectares e gerar uma economia de R$ 10 milhões.
De acordo com um estudo da Embrapa, além da baixa produção nacional, há a instabilidade de preços no mercado internacional, o que acaba deixando o Brasil mais frágil em relação à sustentabilidade de sua produção agrícola.
Como é feito?
Os lodos de estação de tratamento de esgoto (Letes) são gerados a partir da biomassa microbiana que decanta durante o processo de tratamento do esgoto bruto, no qual os microrganismos decompositores e a própria matéria orgânica digerida do esgoto se acumulam no fundo dos tanques das Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs).
Esse lodo é rico em nutrientes, mas oferece risco à saúde se não for desinfetado corretamente. Além dos processos mais tradicionais, a pesquisa está avaliando a carbonização do dejeto, para que ele seja melhor utilizado nas plantações.
“Não é possível a utilização do material dos Letes direto ao solo de uma lavoura, é preciso fazer a higienização - por compostagem ou por carbonização - e no caso dos Letas [resíduos do tratamento de água], também trabalhamos ele somente após correção, pois se não for corrigido, libera alumínio, ferro e manganês em níveis que são tóxicos para a água e à maioria das plantas”, explica o pesquisador da Embrapa Adilson Luís Bamberg.
No uso de Letas, o lodo é coletado nos processos de desaguamento: centrifugação em leitos de secagem ou por secagem térmica. O processamento final envolve adequação granulométrica e correção das deficiências. Já os Letes, embora utilizem os mesmos processos de desaguamento, devem passar pela etapa de higienização. O processamento final pode ser feito ainda com a técnica de peletização [transformação em “pelotinhas”] ou granulação, para facilitar a distribuição e aplicação do produto no campo.
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