Entre os problemas enfrentados pela cadeia produtiva de alimentos, dois deles estão interligados. O primeiro é a produção com sementes piratas, que chega a 90% de toda a produção de feijão brasileira e a 44% do arroz. Depois, vai o defensivo agrícola, com 20% do mercado formado por produtos falsificados.
Os dados são, respectivamente, da Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem) e do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg).
A Abrasem calcula que o impacto da pirataria de sementes no agro nacional gira em torno de R$ 2,45 bilhões. Já o Sindiveg estima prejuízo anual de R$ 11 bilhões em todos os setores econômicos e perda de até US$ 40 bilhões em exportações devido a embargos do mercado.
Debate envolve Departamento de Justiça dos EUA
Os riscos econômicos e sanitários da falsificação de produtos agrícolas estiveram em debate nesta quarta-feira (29), em Curitiba, em evento organizado pelo Sindicato das Classes Policiais Civis do Estado do Paraná (Sinclapol). O objetivo foi apresentar insumos para as autoridades ambientais e policiais a auxiliarem no combate à pirataria e ao contrabando de produtos ilegais no Brasil vindo de outros países.
“O objetivo é contribuir com a economia paranaense, que tem importância grande nos 24% que o agronegócio contribui para o Brasil. Entre as forças de fiscalização, a Polícia Rodoviária Federal, por exemplo, tem mais subsídios de controle nas estradas para identificar produtos suspeitos”, explica Fábio Rossi Barddal, presidente do Sinclapol. “O objetivo é estar unidos, de forma integrada”, emenda Hugo Caruzo, chefe da divisão agropecuária do Ministério da Agricultura (Mapa) no Paraná.
O contrabando e a falsificação preocupa até mesmo o governo norte-americano. Daniel Ackerman, promotor do Departamento de Justiça dos EUA, defende a defesa de multinacionais que acabam afetadas pela venda ilegal tanto de agroquímicos quanto de sementes:
“Já organizamos até mesmo um treinamento em Foz do Iguaçu. Atuamos na proteção do trabalho de propriedade intelectual”, afirma Daniel Ackerman, promotor do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que esteve no evento. “Nossa função é diplomática”, emenda Rodrigo Dias, assessor do Departamento de Justiça dos EUA.
Uma das medidas para controlar o uso é feita localmente, pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Paraná (Crea-PR), para evitar o uso indiscriminado de produtos. “Todas as compras de sementes e agroquímicos precisam da prescrição do engenheiro agrônomo, com a anotação de responsabilidade técnica”, explica Almir Gnoatto, coordenador da câmara de agronomia do Crea-PR.
Ele destaca foram enviadas correspondências aos agrônomos que mais prescreveram produtos para darem justificativas. “Estamos indo pessoalmente nas propriedades falar com os agricultores se, de fato, houve visita ou se foi uma receita de balcão. Se isso for identificado, é aberto administrativo.”.
Impacto na saúde e meio ambiente
Diretor executivo da Associação Paranaense dos Produtores de Sementes e Mudas (Apasem), Oribel Silva afirma que a pirataria de sementes vai além do impacto de perda de receitas de empresas, pois prejudica a pureza das plantações: “Só em sementes piratas o impacto no Paraná foi de R$ 464 milhões no último ano, e tem aumentado. Ao todo, 30% das sementes utilizadas são piratas”.
Oribel Silva diz que o produtor não tem permissão de fazer plantio com sementes sem origem comprovada – o que inclui a produção própria de sementes, que só é permitida após uma primeira compra, sendo necessário o preenchimento deste documento do Mapa que garante uso exclusivo de reserva de sementes para uso próprio safra seguinte.
Porcentagem de Sementes Piratas Utilizadas no Brasil
Feijão: 90%
Arroz: 44%
Algodão: 43%
Soja: 29%
Trigo: 25%
Milho: 8%
*Fonte: Abrasem - Associação Brasileira de Sementes e Mudas
Já o uso de defensivos agrícolas piratas, além deixar de provocar perda de R$ 800 milhões em ICMS aos governos estaduais e R$ 2 bilhões ao Governo Federal, segundo o Sindiveg, podem causar um problema de saúde pública.
“Já encontramos um produto com 25 produtos químicos diferentes que estavam sendo jogado diretamente nas lavouras”, afirma Daniel Nascimento, membro do Sindiveg e gestor de segurança da Syngenta, multinacional especializada em sementes e produtos químicos. “O problema mais grave é que esses produtos vão parar diretamente nos alimentos”, emenda Eliezer Dantas, consultor de segurança da Basf.
O roubo de cargas também acaba sendo um problema que facilita tanto o contrabando quanto a falsificação, segundo Nascimento: “Hoje somos o 5º produto mais roubado nas estradas. Não tem uma só empresa que não tenha passado por menos de dois roubos de carga neste ano [e posteriormente utilizados para fazer produtos piratas]. Hoje 6% dos roubos de carga no Brasil hoje são do agronegócio. Às vezes, o próprio produtor pensa que está comprando um produto roubado, quando aquele é falsificado”.
Outro problema é o descarte de embalagens, sendo muitas vezes feitos em áreas inadequadas e em rios. “Às vezes no descarte desses produtos somos acionados pelas autoridades e quando chegamos vemos que são produtos falsificados. Mesmo assim fazemos o trabalho para não contaminar o ambiente”, diz o gestor da Syngenta. Ele explica que, por serem falsificados, a solução é a incineração das embalagens.
O consultor de segurança da Basf destaca ainda que as empresas e o próprio Sindiveg possui canais de denúncia de suspeitas. E dá dicas para identificar produtos falsos. “Além de realizar compras em locais autorizados, como cooperativas,, e desconfiar de produtos com preços convidativos. Nos produtos da Basf, por exemplo, temos um selo de segurança que basta apontar um laser point (caneta laser) para refletir o selo da embalagem em um local escuro. Em 4 anos, ninguém conseguiu falsificar”, afirma.
Daniel Nascimento, da Syngenta, ainda dá outra dimensão do tamanho das falsificações de agroquímicos. Ele cita que, segundo cálculo, se os defensivos agrícolas ilegais fossem uma única companhia, seriam a 3ª ou 4ª maior empresa do ramo do Brasil.