A desregulamentação do mercado doméstico de milho, anunciada pelo governo chinês na semana passada, pode pesar negativamente sobre as cotações internacionais da soja. A decisão de Pequim de desmontar seu dispendioso programa de suporte de preços e armazenagem estatal deve levar os produtores a migrar para culturas mais lucrativas, como soja, arroz e amendoim.
“Muitos agricultores planejam mudar para o cultivo de arroz e amendoim e cerca de 10% das terras agrícolas seriam deslocado para a soja”, disse à agência Reuters Wang Fuqing, presidente de uma cooperativa agrícola chinesa.
A política governamental de apoio ao milho provocou um salto de 60% no plantio do cereal nos últimos anos. De acordo com dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), a área dedicada ao grão saltou de 23 milhões de hectares em 2001 para 37 milhões de hectares no ano passado. Em contraste, a soja foi cultivada em 6,8 milhões de hectares em 2015, abaixo dos 9,3 milhões de hectares de 15 anos atrás.
“Sabemos que soja e milho competem por área, e o apoio do governo tornou o cereal mais lucrativo, empurrando todos aqueles hectares de soja para o milho”, explicou à Reuters Adam Davis, diretor de commodities da Merricks Capital, de um fundo de investimento baseado em Melbourn, na Austrália.
Abrindo o mercado de milho, Pequim segue o roteiro traçado 20 anos atrás para a soja e que fez com que as importações da oleaginosa saltassem de praticamente nada no início da década de 90 para mais de 70 milhões de toneladas no ano passado. Trajetória semelhante poderia ser tomada pelo cereal no médio e longo prazo, depois que os estoques governamentais forem totalmente absorvidos pelo mercado doméstico.
No curto prazo, porém, o maior impacto deve ser sentido no mercado da soja, com repercussões no Brasil, Estados Unidos e Argentina, trio que o liderou o boom da oleaginosa, fazendo a produção mundial do grão praticamente dobrar em um período de 15 anos. Uma migração de um a dois milhões de hectares de milho para a soja daria ao país produção extra equivalente a um mês de importações, comparou Ken Morrison, ex-executivo da Cargill, em entrevista à Reuters.
“Acho que a atenção para o impacto [da mudança no programa estoques da China] sobre o mercado global de milho é exagerada, e que a atenção para as implicações do que isso significará para a produção de soja chinesa está sub apreciada”, declarou Morrison.
A política chinesa de comprar milho a preços mínimos determinados pelo governo até 50% superiores aos praticados no mercado internacional deixou o país com estoques suficientes para mais de um ano de consumo doméstico. Segundo estimativas do mercado, Pequim teria em armazéns estatais cerca de 250 milhões de toneladas do cereal.
Analistas avaliam que, por serem de baixa qualidade, os grãos seriam usados para a fabricação de etanol, retomando um programa que havia sido suspenso no final de 2006 por preocupações sobre a segurança alimentar, quando os preços do cereal estavam mais altos no mercado interno. A China, desde então, passou a usar o sorgo, mandioca e outros grãos para produzir o biocombustível, mas a expansão foi limitada pela escassez de matérias-primas não alimentícias.
No ano passado, governos locais haviam apresentado a Pequim propostas para construir mais de um milhão de toneladas em capacidade anual de produção de etanol à base de milho, principalmente nas províncias de Heilongjiang, Jilin e Liaoning, no nordeste do país.
Segundo Roy Huckabay, trader da corretora Linn, de Chicago, um movimento de liquidação dos estoques de milho e o retorno da indústria de etanol ao cereal poderia a esfriar a chinesa por farelo de soja e óleos vegetais, malém de inundar o mercado doméstico com substitutos do cereal como o sorgo ou o DDG.
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