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Abelhas de aluguel viajam o país para ajudar agricultores a produzir mais

Trabalho como “agente de polinização” faz produção de mel virar negócio secundário na apicultura | ABPM/Divulgação
Trabalho como “agente de polinização” faz produção de mel virar negócio secundário na apicultura (Foto: ABPM/Divulgação)

Nesta época do ano elas ainda se recuperam da última grande viagem e circulam no máximo por 2 a 3 km, em busca de néctar para suas colmeias.

Mas na primavera foi uma correria. Viajaram de carro por centenas de quilômetros para sujar as patas e espalhar pólen nos pomares de maçã no Rio Grande do Sul e Santa Catarina e nas plantações de melão e maracujá no Nordeste do País.

Os serviços de polinização das abelhas de aluguel estão em alta com produtores das mais diversas culturas, do melão à laranja, do café ao morango, da melancia à soja.

“Em setembro, as abelhas ficam três semanas com a gente. Elas fazem 90% da polinização. Pomar de maçã sem abelha não existe”, garante o produtor José Maria Reckziel, de Caxias do Sul. Todos os anos, Reckziel manda vir de Vacaria 110 colmeias de abelhas de aluguel para polinizar os 55 hectares de maçã. O serviço custa R$ 80 por caixa, por hectare.

Quem aluga as abelhas para Reckziel é o apicultor Danilo Zardo, especialista em polinização. Mesmo sem possuir um hectare sequer de terra, Zardo mantém 1500 colmeias na região de Vacaria. Ele paga com mel o arrendamento de áreas para suas abelhas. Um litro de mel por caixa, a cada ano. Na primavera, Zardo viaja com as abelhas por até 200 km, para uma estadia de duas a três semanas nos pomares.

Seu Zardo anda preocupado. “A alimentação da abelha está diminuindo dia a dia. O grande problema da mortandade não é o agrotóxico, mas a falta de alimento”, acredita. Na região no nordeste do Rio Grande do Sul, as abelhas se alimentam do néctar de arbustos, carquejas e gramíneas dos campos nativos. “Está entrando muita lavoura, os campos nativos vêm diminuindo. Lá na frente, vai faltar alimento para as abelhas”, prevê.

Ajudar os produtores rurais a ver nas abelhas um aliado da agricultura, que precisa ser respeitado e protegido, é o desafio do projeto Colmeia Viva. Curiosamente, trata-se de uma iniciativa da indústria de defensivos agrícolas, que entende que o problema não é uma suposta incompatibilidade intrínseca entre agroquímicos e abelhas, mas a falta de informação e o uso incorreto dos produtos.

“Defensivo serve para combater praga e abelha serve para dar qualidade aos frutos. Nosso esforço é entender as abelhas e promover um diálogo melhor com a agricultura”, diz Paula Arigone, coordenadora do Colmeia Viva, que há três anos faz o mapeamento da mortalidade de abelhas em São Paulo para descobrir o que precisa ser corrigido. Entre os apoiadores do estudo, estão gigantes dos agroquímicos como Basf, Bayer, Syngenta e FMC.

O projeto tem como meta, até 2020, implantar um Plano Nacional de boas práticas, via plataforma digital, que abra também canais de diálogo entre entidades de agricultura, apicultura e de aplicação de defensivos em diversos estados brasileiros.

Há três anos, em São Paulo, o Colmeia Viva estuda as causas de mortalidade das abelhas. Nas próximas semanas sai o relatório consolidado, mas, até aqui, sabe-se que a maior parte das mortes (70%) aconteceu pela aplicação incorreta de defensivos, seja por doses excessivas, seja pela deriva (dispersão para áreas que não eram alvo) ou aplicação de produtos sem autorização ou registro. Até agora, não foi identificado o fenômeno conhecido como Síndrome do Desaparecimento das Abelhas ou Desordem do Colapso das Colônias, registrado em outros países.

“O problema tem sido as práticas incorretas e a falta de comunicação sobre a aplicação dos defensivos. Precisamos trazer todo mundo para a mesa, para difundir as boas práticas e esclarecer confusões”, afirma Paula Arigone.

O apicultor Danilo Zardo conhece muito bem algumas distorções que o projeto Colmeia Viva quer corrigir. “Tem produtor que aplica inseticidas e veneno para formiga durante a florada e não se liga que tem abelha lá dentro. É falta de orientação e conhecimento. Inclusive, tem lugar que não levo mais minhas abelhas. Uma vez aluguei 50 caixas, quando fui recolher tinha morrido 30 enxames. Pagaram o dobro do aluguel como indenização, mas não adianta, não compensou a perda das colmeias”, relata. Zardo ainda sonha com o dia em que o aluguel de suas “operárias” será tão bem remunerado como na Europa e nos Estados Unidos: “lá eles pagam um salário mínimo por caixa”.

Participam do Colmeia Viva pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). “Tem companheiros na universidade que querem me matar, que acham que estou defendendo as empresas de agrotóxicos ou aqueles que fazem pulverização com aviões. O que eu defendo é a conservação das abelhas e entendo, também, o lado do agricultor, que se ele não usar substâncias para controlar as pragas, não consegue produzir”, diz Osmar Malaspina, professor de biologia no campus Rio Claro da Unesp que estuda as abelhas há mais de 40 anos.

“Tenho uma visão um pouco diferente do pessoal que acha que tem de proibir tudo quanto é inseticida, por que são causadores de todos os males. Dá para ter uma visão proativa, conciliando os dois lados, é só sentar para conversar”, assegura o pesquisador.

Soja e abelhas

As abelhas têm sua contribuição inclusive para a soja, cultura agrícola mais cultivada no Brasil, ocupando cerca de 35 milhões de hectares. A presença delas, segundo o pesquisador da Embrapa Soja Décio Gazzoni, pode incrementar a produtividade entre de 5% e 15%, chegando, em alguns casos, até a 20%.

“A contribuição das abelhas fica mais evidente quando o teto de produtividade é alto. Ou seja, quando foi feita adubação correta, o clima é bom e a variedade é a mais adequada, o ganho com a polinização se expressa melhor”, revela o pesquisador, que comanda um estudo sobre o tema ser concluído até 2021.

Gazzoni diz que soja e abelhas fazem uma composição ganha-ganha. Ele esteve há poucas semanas nos Pampas do Rio Grande do Sul e viu apicultores colocando as abelhas próximo dos campos de soja. “Eles estão coletando muito mel, porque a soja oferece alimento numa época em que há pouca oferta de flores. E os produtores de soja têm um aumento líquido de produtividade, sem gastar nada a mais, só pela presença das abelhas”.

Osmar Malaspina, da Unesp, lembra que o negócio de “bees rental” ocorre há muito tempo nos Estados Unidos, onde os apicultores viajam de “fazenda em fazenda polinizando as amêndoas”, e se dissemina também nos laranjais de São Paulo. A laranja está entre as culturas que não são dependentes das abelhas para polinização, mas que são muito beneficiadas, podendo aumentar a produtividade em até 30% com a presença das colmeias. “Entre 2000 e 2005 começou a ter muita mortalidade de abelha, porque não tínhamos mecanismos de proteção no Brasil. Estamos tentando criar um novo modelo de convivência entre as partes. O fato é que se todo mundo cumprisse a exigência de Reserva Legal, por exemplo, haveria um efeito ótimo tanto para a agricultura como para a produção de mel e a preservação das abelhas”, aponta o pesquisador.

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