Um fungo que causa devastação nos bananais da Ásia e Oceania está em plena marcha para atingir as Américas: sua chegada é uma questão de tempo e, quando isso acontecer, o café da manhã não será mais o mesmo, esteja você em Curitiba, São Paulo, Nova York, Tóquio ou Pyongyang. Toda a variedade de bananas do grupo nanica – a mais popular do planeta e vice-líder no Brasil (atrás apenas do grupo das bananas prata) – terá de ser aposentada, por que o fungo decreta a morte das plantas, lenta e progressivamente.
Aposentadoria e não exatamente extinção é, por enquanto, o destino mais provável das variedades atuais de banana da nanica, que incluem a do tipo caturra. A indústria da banana já viu esse filme antes. No início do século 20, o tipo de banana mais consumido em todo o mundo era a Gros Michel, pequena, reta e gordinha. Mas um fungo conhecido como Mal do Panamá Raça Tropical 1 (TR1) praticamente extinguiu a variedade nos anos 50. O mesmo TR1 fez banana-maçã, uma das preferidas dos brasileiros, virar artigo de luxo.Foi aí que a Cavendish, uma subespécie da China que era cultivada na estufa de um duque inglês, revelou-se resistente à TR1 e igualmente durável para as longas viagens de exportação. Fez-se uma nova dinastia: a maioria das bananas mundo afora hoje são clones daquela cultivar da estufa do duque de Devonshire.
Desta vez é o próprio subgrupo Cavendish (nanica e caturra) que está sob ameaça da estirpe número 4 do mal do Panamá, o TR4, contra o qual essas bananas não oferecem resistência. Os experimentos mostram que nem mesmo a banana prata, que detém 70% do mercado brasileiro, está segura contra o ataque do fungo fusarium, como também é conhecido.
Como a variedade atual das bananas nanica está condenada, os cientistas correm contra o tempo para obter cultivares semelhantes em termos de sabor, textura e durabilidade. Buscam-se soluções na transgenia e em cruzamentos genéticos com espécies silvestres resistentes ao TR4. Os testes de campo da Embrapa Mandioca e Fruticultura têm de ser feitos no exterior, em parcerias com países como Taiwan e Austrália, já que o fungo ainda não chegou às Américas.
Fungo traiçoeiro
“Novos focos da doença na África mostram que o fungo está avançando”, diz o fitopatologista Randy Ploetz, da Universidade da Florida, que foi quem primeiro identificou o TR4 em 1989, a partir de frutas de Taiwan. Ploetz sabe que fungicidas são inúteis para lidar com o patógeno altamente contagioso e que pode ficar dormente no solo por décadas, enganando os produtores. Quando alguém imagina que o fungo desapareceu, constata em seguida que as plantas já estão apodrecendo por dentro.
Depois que o TR4 atinge um bananal, o único recurso é erradicar tudo e começar de novo. É possível, diz Ploetz, que dentro de poucos anos “as áreas afetadas não serão capazes de produzir nada, por que as novas mudas de banana vão morrer rapidamente”.
“Falar que a banana nanica vai ser extinta não é verdade”, tranquiliza o fitopatologista Fernando Haddad, da Embrapa Mandioca e Fruticultura, na Bahia. O problema, admite o pesquisador, é que a Cavendish não é muito propícia a cruzamentos e “torna-se mais difícil incorporar melhoramentos”. Segundo ele, há experimentos no exterior com cultivares somaclonais (manipuladas in vitro) e com variedades selvagens, que já identificaram genes resistentes à doença.
O fato, segundo reportagem do jornal Washington Post, é que por décadas os pesquisadores de biotecnologia e melhoramento genético convencional têm fracassado nas tentativas de produzir cultivares Cavendish com resistência ao fungo ou encontrar um híbrido à altura. O grupo da banana nanica domina as exportações mundiais, movimentando 12,4 bilhões de dólares por ano. Nos Estados Unidos, 99% das bananas consumidas são da família das nanicas, importadas da América Central e da América do Sul. O Brasil detém 6% da produção mundial e praticamente consome tudo o que produz.
Experimento transgênico
As melhores esperanças de sobrevida da banana nanica estão em um experimento no pequeno vilarejo de Humpty Doo, no Norte da Austrália. Esquivando-se ocasionalmente de um crocodilo ou outro, os pesquisadores em breve vão plantar milhares de mudas transgênicas da espécie Cavendish.
O gene que foi implantado nas bananeiras Cavendish são da variedade M. acuminata – uma cultivar de bananas doces que cresce nas florestas da Malásia e Indonesia e que “se espalhou rapidamente no lugar dos bananais devastados pela TR4” – relata James Dale, professor de biotecnologia na Universidade Tecnológica de Queensland, na Australia.
O experimento do professor Dale avançou muito lentamente por que, apesar da ameaça clara e presente do TR4, ninguém quis inicialmente bancar as pesquisas de campo. As empresas de banana, segundo Dale, erroneamente acreditavam que poderiam administrar a doença e mantê-la sob controle. Somente em 2005 foi possível colher os primeiros resultados dos testes de campo, que foram “extremamente positivos”. “Quando você modifica geneticamente uma planta, é muito comum falharem alguns resultados, mas obter quatro acertos a cada seis tentativas é fantástico”, diz Dale, comemorando o sucesso da resistência ao fungo. Com base naquele experimento inicial, Dale e seus colegas começarão a expandir os testes em milhares de plantas, cultivadas pelos próximos três anos.
O projeto australiano é o mais avançado experimento científico para tornar a Cavendish resistente à TR4, sem eliminar o sabor, a textura e outras características que a tornaram tão apreciada e um sucesso comercial.
Biólogos da Embrapa, no Brasil, do Jardim Botânico Real, na Inglaterra, e de organizações de pesquisa agrícola da França, Honduras e Malásia estão coletando amostra de bananas silvestres para ver se, como a variedade M. acuminata do professor Dale, elas possuem resistência ao TR4. As que dão resultado positivo são então cruzadas com a Cavendish na esperança de que a resistência possa ser introduzida na espécie, sem modificar seus atributos.
Ploetz está otimista quanto ao experimento de Dale, mas diz que não é possível descascar as bananas antes que estejam maduras. Em outras palavras, ele acha que será preciso “testar este novo fruto (geneticamente modificado) em ambientes diferentes, para ver os efeitos sobre a colheita” e outros fatores.
Ironicamente, um grande obstáculo para substituir espécies de Cavendish com variedades resistentes ao TR4 é a própria indústria, que na maior parte deixou de investir em pesquisas – diz Ploetz. William Goldfield, diretor de comunicação corporativa da Dole Food, um dos maiores produtores e exportadores de banana, disse que a companhia “está buscando como desenvolver uma banana resistente à doença através de cruzamentos e seleção genética”, mas não deu detalhes. Os pedidos para comentário junto a outras três grandes indústrias de banana não tiveram resposta.
No Brasil, a Embrapa e o Ministério da Agricultura traçam no momento um plano de contingência para enfrentar a eventual chegada do fungo. “Vamos fazer uma campanha de prevenção para conscientizar as pessoas do risco de trazer solo contaminado nos calçados, de introduzir o fungo junto com uma bananeira ornamental, por exemplo. Se o fungo entrar, vamos manter a propriedade afetada em quarentena, com total isolamento da área para não deixar que o problema se espalhe pelo país”, diz o pesquisador Fernando Haddad.
Na avaliação do fitopatologista americano Randy Ploetz, ainda são poucos os cientistas que estão focados diretamente no problema do TR4. O que quer dizer que, mesmo que os experimentos transgênicos e cruzamentos tenham algum sucesso, a marcha do fungo TR4 para a América Latina pode ser inevitável. Realmente, o café da manhã nunca mais será o mesmo.
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