O Furacão Irma dizimou as plantações de laranjas da Flórida, deixando uma trilha de árvores destruídas, frutas caídas e bosques inundados - a pior situação vivida pelos produtores nos últimos 20 anos.
Esse pode ser o golpe de misericórdia de um produto: o suco de laranja, que vem caindo de popularidade entre os norte-americanos, embora a bebida ainda seja o suco favorito entre a população dos Estados Unidos.
Estimativas apontam que as perdas das laranjeiras passaram a 70% na Flórida. Isso pode levar à escassez da fruta, aumento de preços e, para os produtores, colheitas perdidas. Tudo isso em meio a uma doença nas plantas cítricas locais e à contínua queda do consumo.
“Perdas significativas não é o termo correto”, afirma Shannon Shepp, diretora executivo do grupo Departamento de Cítricos da Flórida. “Esta algo entre perdas significativas e uma catástrofe. Essa é uma palavra forte, que eu não costumo usar”.
O prejuízo não deve ficar restrito à agricultura e pode impactar na dieta local. Segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, em média, os norte-americanos consomem quase 11 quilos de suco por ano, ou aproximadamente uma dose por dia, mais do que qualquer outra fruta. Em comparação, a população consome uma média de menos de 5 kg de maçãs por ano e pouco mais de 1 kg de laranjas frescas.
Os estados da Califórnia e Texas também produzem laranjas, mas a Flórida é a fonte da maior parte da fruta utilizada no suco: aproximadamente 90% da produção do estado, que vale US$ 1 bilhão, é processada em suco, segundo o grupo Florida Citrus Mutual.
Isso não é um acaso. A especialista em alimentos escolares Alissa Hamilton destaca no seu livro “Squeezed” (Espremido) que o amor dos Estados Unidos pelo suco de laranja surgiu, em grande parte, pela produção de cítricos da Flórida no fim dos anos 1940, a partir de um projeto que buscou levar o excedente da produção local para outras partes do país.
Nas últimas décadas, contudo, a mesma indústria passou a enfrentar desafios, o que torna o Furacão Irma um problema ainda mais difícil de ser suportado.
Bom para o Brasil? Nem tanto
Segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR), há um ano, havia 70% mais suco de laranja disponível nos estoques brasileiros. A situação é reflexo de problemas climáticos que aconteceram na última safra.
O problema atinge principalmente as exportações, uma vez que 97% da produção brasileira de suco de laranja é exportada. Mesmo que a demanda aumente, por conta dos problemas na Flórida, que concorre diretamente com o suco de laranja brasileiro, os estoques de suco de laranja devem se manter perto do limite até o ano que vem.
No último dia do semestre de 2016 havia 350 mil de toneladas de suco de laranja concentrado congelado. No mesmo período deste ano, foram ‘apenas’ 107 mil toneladas.
Sem suco de laranja no café da manhã
Enquanto o suco de laranja se mantém como a bebida mais consumida do gênero nos Estados Unidos, a demanda atingiu seu nível mais baixo no final dos anos 90. A indústria de cítricos culpa as mudanças no estilo de vida, que fez o consumo reduzir nos cafés das manhãs, por exemplo, e destaca como ‘empecilho’ a proliferação de outras opções para o desjejum matinal. Há também preocupações crescentes contra bebidas açucaradas, o que inclui os sucos de frutas, assim como o aumento de pesquisadores e organizações de saúde pública fazendo campanha pela redução do consumo.
Mas essas não são as únicas batalhas. Em 2005, foi descoberta nas plantações da Flórida uma teimosa e debilitante doença batizada de Huanglongbing e apelidada de ‘amora cítrica’, que atinge os pomares e também existe no Brasil - as plantas contaminadas não podem ser curadas.
A doença causa deformações nas frutas e reduziu as receitas de laranjas e toranjas em mais de US$ 4,64 bilhão, afirma Jacqueline Burns, do Instituto de Ciências de Alimentos e Agricultura da Universidade da Flórida. Também são estimadas perdas para a economia estadual de cerca de US$ 1,76 bilhão em relação à redução de empregos.
Como se isso não fosse o suficiente, a descoberta da doença coincidiu com uma das piores épocas de furacões que a Flórida já presenciou antes do Irma. Os furacões Charley, Frances e Jeanne, em 2004, dizimou os pomares em um terço. Com isso, os produtores sofreram com vários anos de rendimentos mais baixos, enquanto as árvores e bosques se recuperavam.
Furacão Irma e suco de laranja
Agora, o temor é que o Furacão Irma possa ter sido ainda pior. “É algo que eu nunca presenciei em todo meu tempo no setor, e olha que estou nesse meio desde 1994”, diz Sheep. “Os produtores estão em uma situação péssima. Era para ser o ano da virada. Então veio o Irma”.
Segundo a especialista, a extensão dos danos do Irma ainda não é conhecida, uma vez que os bosques permanecem inundados e laranjas não maduras seguem caindo das árvores. Após conversar com dezenas de produtores e funcionários dos governos federal e estadual, as estimativas variam de 30% no Centro da Flórida, e até 100% no Sul do Estado.
A Associação de Frutas e Vegetais da Flórida prevê que a colheita será reduzida em mais de 70% no estado por conta dos fortes ventos que seguem derrubando laranjas não maduras dos ramos.
“O Irma passou por uma faixa direta no cinturão de produção de cítricos”, afirma Lisa Lochridge, porta voz da associação. “Com base em nossos relatórios de campo, todos os bosques do estado foram afetados”.
As tempestades também podem provocar novas reduções no consumo, já que com menor produção os preços tendem a subir, o que pode levar consumidores a desistirem do produto, explica Tatiana Andreyeva, diretora de Iniciativas Econômicas do Centro Rudd de Política Alimentar e Obesidade da Universidade do Connecticut.
Andreyeva aponta que um recente aumento de 10% nos preços do suco levou a 7,6% de queda nas vendas. “Já havia um declínio na busca pelo suco de laranja, e o furacão vai fazer isso ficar pior ainda”, diz.
Sheep e Lochridge afirmam que suas organizações tiveram reuniões com autoridades a fim de pedir ajuda para os produtores. Na segunda-feira, o secretário de Agricultura Sonny Perdue sobrevoou as áreas atingidas e prometeu colaborar de forma ‘generosa’.
Apesar disso, poucas pessoas acreditam que o suco de laranja da Flórida vai retornar ao seu ponto alto. Milhares de hectares já foram vendidos pelos produtores para investidores ou foram revertidos a outros tipos de plantio. O próprio Departamento de Agricultura dos Estados Unidos admite que a redução no consumo é, provavelmente, mais do que uma tendência de curto-prazo.
Andreyva adverte que, se por um lado a mudança será dolorosa para os produtores, ela não é necessariamente ruim para a saúde pública.
“Não precisamos consumir tanto suco de laranja”, diz”. “Se isso significa que a população está substituindo suco de laranja por água ou leite, muitos pediatras e nutricionistas vão ficar felizes com isso”.