Quase 20 anos após a extinção do Instituto Brasileiro do Café (IBC), autarquia federal que definiu as diretrizes da política cafeeira brasileira entre 1952 e 1989, os armazéns do instituto voltarão a receber novos grãos. Um ano depois de anunciar que iria liquidar os estoques públicos de café, o governo voltou atrás e decidiu retomar as compras. Para enxugar o excesso de oferta e sustentar os preços, anunciou que pretende adquirir, até o final do ano que vem, 10 milhões de sacas, o equivalente a 25% a produção prevista para a safra de 2009. Se isso acontecer, os chamados estoques reguladores nacionais voltarão aos níveis de 1997/98, quando, apesar da desregulamentação do mercado, o país ainda detinha um dos maiores estoques mundiais do produto.
O movimento de recomposição dos estoques internos começou em julho, com quatro leilões de contratos de opções com vencimento em novembro para a compra de 3 milhões de sacas. O governo também pretende adquirir cerca de 2,6 milhões de sacas através da conversão em produto de parte da dívida dos cafeicultores. Para as demais 4,4 milhões, o governo irá realizar leilões de Aquisição do Governo Federal (AGF). "Sem dúvida isso marca a retomada da política de estoques reguladores", declara o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes. Uma política de longo prazo, assegura. "Dentro de cinco anos vai faltar café no mundo. Em 2012 e 2013 é provável que haja déficit e que os estoques comecem a ser usados", prevê.
"A decisão de desregulamentar o mercado, no final dos anos 80, e de zerar as reservas nacionais foi equivocada e a retomada da política de formação de estoques é positiva. Mas não nestes preços", defende Gilson Ximenes, presidente do Conselho Nacional do Café (CNC), órgão que representa produtores e cooperativas de café do país. "Nessa base de preço, o governo não vai comprar uma grama de café", garante o dirigente. Seja para as operações de AGF ou para a troca de dívida por produto, o governo fixou o preço mínimo de garantia em R$ 261,69 por saca de 60 quilos de café beneficiado (bebida dura tipo 6).
Stephanes reconhece que o preço pode ficar abaixo dos custos de produção em algumas regiões, mas o Ministério da Agricultura (Mapa) argumenta que antes de definir o valor um grupo de trabalho formado por produtores e técnicos dos ministérios da Agricultura, Fazenda e Planejamento consultou 42 cooperativas de café brasileiras sobre seus custos de produção. Segundo o documento, as cooperativas do Paraná indicaram custos em torno de R$ 240.
O governo afirma que é preciso efetuar um choque (redução) de oferta do produto brasileiro para elevar o preço pago aos produtores. Mas a formação de estoques pode não ser a solução, defende o diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), Nathan Herszkowicz. "Quem foi que disse que 10 milhões de toneladas é suficiente? Pode não ser. E, se não for, não vai adiantar nada o governo retirar esse volume do mercado porque os preços não vão se valorizar", considera. Segundo ele, a formação de estoques pode ser negativa para o Brasil porque o país corre o risco de perder participação no mercado exportador. "Já não somos mais o grande player mundial que éramos. A regulamentação do mercado provou ser uma prática absolutamente desastrosa", diz Herszkowicz.
Para o Mapa, dosando bem a oferta por meio da ampliação dos estoques ou da redução da produção é possível evitar a perda de participação do Brasil no mercado internacional. "Precisamos tirar os estoques das mãos da indústria dos países importadores", avalia Stephanes. Segundo estudo do ministério, nos últimos anos houve transferência dos estoques mundiais de países produtores para os consumidores. Conforme o relatório, enquanto nos últimos 10 anos os estoques localizados em países que produzem café caíram de 54 milhões para 18 milhões de sacas, os países importadores elevaram a quantidade de produto armazenado de 8 milhões para 23 milhões de sacas.
O objetivo do ministério é diminuir a oferta de café no mercado em 2010, período em que o Brasil terá uma safra de bienalidade positiva. A florada do novo ciclo ocorre entre setembro e outubro e as mesmas chuvas que atrapalham a colheita da safra de 2009 são um prenúncio de boa produção no ciclo de 2010. Tirando 10 milhões de sacas de café do mercado até o próximo ano, o governo quer puxar os preços ao produtor para a casa dos R$ 300 por saca. Hoje, segundo o Mapa, os produtores brasileiros recebem entre R$ 230 e R$ 290 pela saca de café arábica, valor que remunera o custo de produção em algumas regiões, mas abaixo do custo em outras, dependendo do modelo tecnológico utilizado.