Presente há pelo menos 30 anos no mercado brasileiro, o glifosato, herbicida mais utilizado no país, virou o centro de uma polêmica. Nesta semana, o Ministério Público Federal (MPF) entrou na Justiça Federal contra a liberação da comercialização de sementes transgênicas tolerantes ao defensivo, em medida que valeria para todo o país, até que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) conclua o processo de reavaliação toxicológica do produto.
De acordo com o MPF, sementes de soja, milho e algodão foram liberadas pela CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, sem que se observasse os postulados da prevenção e da precaução.
Segundo a entidade, pelo princípio da precaução, seria obrigatório rechaçar qualquer produto ou empreendimento enquanto não se tem certeza científica sobre sua segurança para o meio ambiente ou para a saúde pública. O MPF argumenta que, com a liberação da venda das sementes, a utilização do glifosato será ainda maior, sem que o produto tenha sido, de fato, classificado como seguro. “Se de um lado os agrotóxicos podem diminuir as perdas agronômicas e favorecer os lucros dos produtores, de outro, toda a sociedade arca com um custo muito maior para remediar os efeitos negativos dessas substâncias sobre a saúde pública e sobre o meio ambiente”, afirmam as procuradoras responsáveis pela ação.
Elas defendem que o uso excessivo da substância desequilibraria o meio ambiente, com o surgimento de pragas resistentes e a necessidade de aplicar mais herbicida, além do fato de que o defensivo estaria relacionado ao aumento da incidência de câncer, depressão, malformações, efeitos sobre o sistema imunológico e infertilidade.
Contraponto
O consultor em tecnologia da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), Reginaldo Minaré, vê com ressalvas a atuação de órgãos não-técnicos em ações que podem ter impacto significativo à cadeia agropecuária.
“Temos um poder público que tem um gasto significativo com a manutenção da Anvisa e da CTNBio. Vejo com certa reserva esse tipo de ação, porque confronta os órgãos técnicos do governo e a área jurídica não é a mais indicada para avaliar se uma tecnologia é segura ou não, não se estuda isso nas faculdades de Direito”, afirma Minaré. “É evidente que esses agentes se baseiam em estudos, mas no Brasil temos instituições técnicas e esse debate deveria ser levado para essas instituições. Do ponto de mais prático, se o MP entra com uma ação e por ventura venha uma liminar, como é que fica o plantio da safra? Vai ter semente? Uma decisão sem muito fundamento pode criar um problema para a safra brasileira.”
O consultor reconhece que existe a necessidade de ampliar o portfólio de produtos, seja do ponto de vista mercadológico, para baratear os custos, ou por um viés fitossanitário, para evitar pragas tolerantes, mas pontua que não há estudos que comprovem a relação do glifosato com as enfermidades destacadas pelo MPF. “É um produto muito utilizado e não tem pesquisa séria que vincule os problemas ao produto, desde que ele seja utilizado corretamente”, salienta. “Os transgênicos estão no mercado há 20 anos, são seguros, não se tem notícia de dano por essas plantas que a CTNBio liberou e considerou como seguras, seja com relação à saúde humana, ao meio ambiente e à saúde animal.”
Posição da Anvisa
Em nota, a Anvisa declarou que ainda não fechou seu entendimento sobre o caso, o que deve ocorrer até 2019, “para que a nota técnica resultante seja colocada em consulta pública, quando a sociedade poderá se manifestar e contribuir com a reavaliação do agrotóxico.”
O Ministério Público Federal afirma que a agência foi obrigada a reavaliar o produto em 2014. De acordo com a Anvisa, entretanto, a reavaliação do glifosato no Brasil começou em 2008 e, cinco anos depois, a Fiocruz, fundação contratada para realizar o estudo, concluiu que as evidências sobre a relação do produto com o câncer eram insuficientes e não indicou sua proibição. Por isso, destaca agência, a revisão da nota técnica não foi considerada prioritária antes de 2015. “Por outro lado, Japão e Canadá resolveram concluir suas reavaliações do Glifosato sem aprofundar a discussão sobre relevantes aspectos toxicológicos, concluindo pela manutenção dos produtos à base desse ingrediente ativo sem qualquer restrição”, diz a nota.
A entidade menciona, ainda, diversos estudos, inclusive de órgãos ligados à União Europeia, que apontam que não é possível classificar o glifosato como cancerígeno. No final do ano passado, os europeus liberaram o produto por mais cinco anos no continente.