Xi Jinping esteve duas vezes na cidade de Muscatine, em Iowa, e disse ter levado de volta para casa uma ótima impressão.| Foto: EGC/LIM/EDGARD GARRIDO

Nesta primavera, moradores de Muscatine, município às margens do rio Mississipi, no estado de Iowa, Meio-Oeste dos EUA, publicaram um livro celebrando três décadas de amizade com o presidente da China, Xi Jinping, que esteve ali pela primeira vez em 1985, representando o governo, para aprender sobre práticas agrícolas modernas. Aquela visita, além de outra passagem em 2012, ajudou a criar um relacionamento que fez da China a maior importadora de produtos agrícolas de Iowa, e de Muscatine um ponto de “romaria” para oficiais e turistas chineses, que esperam encontrar as pessoas a quem o atual presidente ainda se refere como “antigos amigos”.

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Por isso, foi com surpresa que, há alguns meses, depois da publicação do livro, Muscatine assistiu a Xi Jinping responder à guerra comercial com os Estados Unidos colocando tarifas sobre um dos produtos mais exportados por Iowa: a soja.

A taxação levou a uma queda de 20% no preço da soja norte-americana, e a primeira grande tensão em uma aliança de décadas entre produtores dos Estados Unidos e compradores chineses. Agricultores locais dizem entender o desejo da Casa Branca de desafiar a China em questões comerciais, mas temem perder seu espaço no mercado exportador, que foi desenvolvido ao longo de anos de diplomacia.

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“Eu produzo muito alimento e eles têm muitas pessoas que precisam comer. As tarifas são ruins para ambos os lados”, afirma Tom Watson, que cultiva milho e soja na região.

A disputa comercial veio à tona quando oficiais de uma cidade-irmã de Muscatine, chamada Zhengding, visitaram a fazenda da família no último mês – a mais recente de dezenas de delegações que estiveram na área nos últimos anos. O ambiente era caloroso e amigável, mas a conversa ficou séria quando eles perguntaram a Watson como a taxação estava impactando o trabalho.

O produtor explicou como os preços mais baixos atingiriam seu negócio e salientou que Iowa e China “precisam um do outro”. Nas semanas seguintes, Watson começaria a colher sua soja. Ele planejava estocar cerca de dois terços em vez de vender, pois considerava as cotações baixas demais, previa que o outro terço da sua produção pegaria preços mais altos no começo deste ano, antes de a China anunciar as tarifas.

Em um jantar mais tarde com líderes da comunidade, o prefeito de Zhengding disse lamentar o impacto negativo para Watson. A disputa “não seria boa para nenhum dos lados”, comentou. O vice-cônsul chinês em Chicago, Jun Liu, que também estava no jantar, ecoou a visão. “Cooperação e colaboração são as únicas formas que duas nações têm para lidar uma com a outra”, discursou. “Nós realmente não temos tempo para guerras comerciais.”

Donald Trump passou a tarifar dezenas de bilhões de dólares em importações com origem na China. 
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As tensões emergiram neste ano, quando o presidente Donald Trump passou a tarifar dezenas de bilhões de dólares em importações com origem na China, acusando os asiáticos de inundarem o país com bens mais baratos, roubarem propriedade intelectual dos EUA e bloquearem injustamente companhias norte-americanas no mercado chinês. Pequim respondeu com tarifas sobre alguns dos principais produtos importados dos Estados Unidos, incluindo a soja, que os chineses usam para alimentação animal em sua rápida expansão na produção de carne bovina, suína, de aves e peixes.

A China consumiu cerca de 30% da produção norte-americana da oleaginosa antes da guerra comercial, um relacionamento sustentado por anos de delegações indo e voltando para fortalecer a confiança, de acordo com produtores de Iowa e o conselho da indústria exportadora de soja. A taxação de Pequim tornou a soja dos EUA mais cara para os compradores asiáticos, levando-os a buscar mercadoria no Brasil e outros produtores. Esse movimento ajudou a derrubar os preços da soja nos Estados Unidos e inflamou o medo de que os EUA possam sofrer perdas de participação em mercado no longo prazo.

Robb Ewoldt, que cultiva quase 500 hectares na região de Muscatine, afirma que essa disputa chegou num momento ruim para os agricultores do país, que têm sofrido com o aumento dos custos da terra, de fertilizantes e sementes. “Nós já estávamos sob pressão e essa carga a mais não foi nem um pouco boa.”

Ewoldt diz estar esperançoso de que a ajuda de US$ 12 bilhões, planejada pela administração Trump para atender os produtores atingidos pela taxação chinesa, ajude a compensar a queda no preço da soja. Ele acrescenta que é favorável aos esforços do governo em adotar uma postura mais dura no comércio, caso a China esteja agindo de maneira desleal. “Se isso tornar o país melhor, eu apoio”, salienta.

Outros agricultores na região concordam que os Estados Unidos precisam encarar a China em algumas questões. Enquanto descansava entre um reparo e outro em seu trator, Dave Walton mostrou preocupação com os casos recentes de cidadãos chineses condenados por conspiração, após tentarem roubar sementes patenteadas em plantações e instalações de biotecnologia norte-americanas. Um deles roubou sementes de milho direto da terra em Iowa, com o objetivo de enviá-las a uma companhia chinesa, segundo o FBI.

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“Isso é uma questão de deslealdade”, pontua Walton. “Parte do custo da semente que compramos é pesquisa e desenvolvimento. Se alguém chega e rouba, ele está obtendo essa pesquisa e desenvolvimento sem pagar por ela.”

Ele e outros membros da associação dos sojicultores de Iowa deram o recado ao cônsul-geral da China em Chicago quando estiveram reunidos. “Dissemos que queremos manter o comércio amigável, mas há alguns problemas que precisamos resolver entre nossos países”, frisa Tom Watson. Os produtores verbalizaram a preocupação com o roubo de propriedade intelectual, o déficit comercial com a China e o que enxergam como táticas injustas que o gigante asiático usaria para proteger seu próprio mercado.

Apesar do atrito, as pessoas em Muscatine continuam, em sua maioria, com uma imagem positiva em relação à China, e comprometidas com as trocas que as ajudaram a construir o comércio sólido e os laços culturais. Em um discurso durante o jantar de boas vindas à comissão da cidade de Zhengding, a moradora Sarah Lande reforçou a necessidade de relações próximas “não só entre nossos governos nacionais, mas entre nossas cidades, comunidades, agricultores, professores e bancos”. A disputa comercial, afirmou em uma entrevista posteriormente, faz com que esses vínculos não-governamentais sejam ainda mais importantes.

Lande, que tem 80 anos, é uma das autoras do novo livro sobre o presidente chinês, “Velhos Amigos: A história entre Xi Jinping e Iowa”. A publicação traz fotos de Lande e outros moradores recebendo Xi em sua primeira vista à região, em 1985, e em seu retorno, em 2012. “Você não pode imaginar a boa impressão que levei de minha visita 27 anos atrás (...)”, disse o presidente em 2012, conforme uma citação do livro. “Vocês foram os primeiros americanos com os quais eu tive contato... para mim, vocês são a América.”

Alguns anos atrás, um empresário chinês, chamado Glad Cheng, mudou-se para Iowa e comprou a casa onde Xi ficou hospedado em 1985. Cheng transformou o lugar em um museu, que, estima, atraiu cerca de 5 mil chineses no último ano, entre eles um estudante de doutorado, Hao Huang, que veio com um amigo de sua universidade em New Hampshire.

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“Em um nível governamental, nós talvez tenhamos disputas sérias, mas vamos esquecer isso”, diz Huang. “Nós estamos aqui para visitar a cidade e entender essa impressão que nosso presidente disse ter levado e, talvez, aprender como podemos evoluir.”

Cheng também ajudou a financiar a construção de um hotel de luxo em Muscatine e renovar uma loja, que foi transformada por ele no Centro de Amizade China-EUA. O empresário espera trazer mais americanos ao local, com atrações que incluem aulas de caligrafia chinesa e mesas de pingue-pongue. “Se China e Estados Unidos se sentarem juntos, podemos falar sobre qualquer coisa”, diz Cheng. “Eu acho que talvez ainda não tenhamos entendido o suficiente entre os nossos dois países.”