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O pisoteio dos cachos foi abandonado, numa imposição da higiene. Há menos gente em volta dos barris e das tinas, porque as famílias diminuíram. As longas conversas – em voz muito alta – hoje são abafadas pelo barulho dos carros. Mesmo com muitas concessões à modernidade, famílias de Santa Felicidade, o bairro italiano de Curitiba, preservam a tradição de seus avós: a produção artesanal de vinho.

Não são muitas. "Umas cinco ou seis", contabiliza Elisabete Maria Drausnick, secretária da Associação do Comércio e Indústria de Santa Felicidade (Acisf). "A maioria faz apenas para consumo próprio, porque muitos nonnos não aceitam tomar um vinho que não seja feito pela família", revela Elisabete.

Uma conversa com alguns "sobreviventes" confirma a tese de que a produção de vinho é mais um pretexto para manter a família unida do que uma atividade econômica rentável. "A família inteira participa", conta Paulo Caliari, de 35 anos, que reúne em torno do vinho – na produção e na mesa – as famílias de seu pai, João Moacir Caliari, 65 anos, e as dos tios Orestes Stocchero, 67, e Ariel Buzzato, 65. "Nesse negócio, você investe 100 e o retorno é 5", compara Buzzato, dono do sítio de 20 hectares, em Almirante Tamandaré (região metropolitana de Curitiba), onde é produzida parte da uva processada, além de outras frutas, legumes, verduras e animais "para o gasto".

O condomínio das três famílias produz, em média, 6 mil litros de vinho por ano. Usa 8 mil quilos da fruta. Nesta safra, apenas 300 quilos vieram do sítio de Almirante Tamandaré. O restante é "importado" do Rio Grande do Sul, maior produtor nacional de uva. Além do consumo familiar – que é grande e se estende por todas as refeições –, a produção é vendida a clientes cativos e nas festas da Uva e do Vinho de Santa Felicidade, desde 1990, sob o rótulo Stocchero e Caliari. Ariel Buzzato produz o seu próprio vinho, com marca própria – Zato, as últimas letras de seu sobrenome. Além do vinho, a família produz suco e graspa, aguardente com alto teor alcoólico, feito da casca da uva.

Outra família que permanece unida produzindo vinho é a Miola. Os irmãos Vitorino,Luiz e Arlindo fabricam cerca de 26 mil litros da bebida por ano. Toda a uva é retirada de um sítio da família, também em Almirante Tamandaré. "Estamos na quinta geração e espero que meus filhos e netos continuem", diz Vitorino, de 60 anos. O produto dos Miola já fez fama em toda Curitiba. Tanto que não precisam sair de casa para vender – os clientes vão até eles.

Vitorino Miola lembra de dois fatos que marcaram sua história de produtor de vinho artesanal. A primeira é triste: há alguns anos, uma praga arrasou os parreirais. Isso, aliado à expansão imobiliária, obrigou os produtores a buscar áreas de cultivo fora do bairro. A segunda lembrança é pura nostalgia. "Tenho saudade de quando puxava a uva com carroça e tinha a moenda manual." Hoje, o trabalho é feito por uma máquina elétrica, de aço inoxidável. O vinho, garante, continua o mesmo.

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