Quando se pensa em comida italiana, imagina-se logo um bom molho de tomate. Já um prato tailandês remete a sabores apimentados, enquanto em várias culinárias europeias as receitas com batatas são um acompanhamento comum. Estes ingredientes, no entanto, só chegaram aos locais onde se tornaram símbolos de sua gastronomia nacional em tempos relativamente recentes, pois tanto os tomates quanto as pimentas e as batatas vieram das Américas.
E foi justamente em busca da relação entre o que plantamos, colocamos à mesa e suas origens que cientistas do Centro Internacional para a Agricultura Tropical (Ciat), na Colômbia, revelaram que, na média global, mais de dois terços de tudo que as pessoas cultivam e consomem hoje na verdade são comidas “estrangeiras”, com procedências muitas vezes milhares de quilômetros distantes de seus países.
Segundo eles, a descoberta reforça a necessidade de proteger, preservar e gerenciar a diversidade das versões selvagens de alimentos que atualmente são a base de uma dieta cada vez mais globalizada, como o trigo, o arroz, a brasileiríssima mandioca e o milho, além de redobrar os esforços para que sua produção seja cada vez mais sustentável.
No estudo, publicado no periódico científico “Proceedings of the Royal Society B”, os pesquisadores analisaram 151 cultivares vindos de 23 diferentes “regiões primárias de diversidade” — isto é, locais de provável origem — espalhadas pelo planeta e sua presença nas dietas e na agricultura de 177 países, que abrigam mais de 98% da população global.
No lado do consumo, eles mediram o quanto das calorias, proteínas, gorduras e peso total da comida ingerida tinham como fontes plantas locais ou “importadas”, enquanto que no da produção calcularam a quantidade, área plantada e valor delas. Na média mundial, 65,8% das calorias, 66,6% das proteínas, 73,7% das gorduras e 68,7% do peso da comida ingerida pelas pessoas vêm de plantas estrangeiras. Já no campo, também na média global, 71% da quantidade, 64% da área plantada e 72,9% do valor da produção são de cultivos importados.
“O estudo mostra o quão conectados estamos ao redor do mundo e, quando observamos as perspectivas de produção no longo prazo, ele indica que devemos pensar globalmente sobre nossos interesses e nossa segurança alimentar, em manter nossa produção resiliente e adaptável a fatores como as mudanças climáticas”, diz Colin Khoury, pesquisador do Departamento de Agricultura dos EUA no Ciat e líder do levantamento.
“E, para isso, é importante que preservemos e tenhamos acesso à estrutura genética original daquela planta criada pela natureza ao longo de milhões de anos de evolução, que são suas versões selvagens, onde poderíamos encontrar genes para características que podem nos ajudar a enfrentar esses desafios”, afirma.
Segundo Khoury, prova disso é que na última década se observam cada vez mais fazendeiros usando mais e mais os tipos selvagens de cultivares. “Isso acontece em parte porque estes tipos selvagens estão ficando mais fáceis de serem usados, pois ainda requerem mais tempo, dinheiro e esforço na sua produção, mas também porque os fazendeiros estão procurando dar uma gama maior de diversidade às suas plantações para lidar com estes crescentes desafios, que já estamos enfrentando”, explica.
“As pessoas pensam que as mudanças climáticas são um problema para o futuro, mas a verdade é que elas já são um problema agora, pois estão alterando a ação e frequência de pestes e doenças que afetam as plantações”, concluí.
Alimentação padrão
Khoury conta que a pesquisa sobre as origens do que produzimos e comemos nasceu de outro estudo publicado pelo seu grupo no Ciat há cerca de dois anos. Nele, os cientistas constataram que, apesar de a população mundial estar comendo uma dieta mais diversa em termos dos principais alimentos básicos, ela também está ficando mais parecida ao redor do planeta, tendência que aumentou ainda mais nos últimos 50 anos graças à chamada “revolução verde”, que elevou fortemente a produtividade no campo no período.
Ele cita como exemplo o Vietnã, onde as pessoas não estão mais só comendo arroz, o alimento calórico tradicional da região, mas também trigo, batatas etc e as Américas Central e do Sul, onde a dieta inclui o mesmo trigo e o arroz originário justamente do Sudeste Asiático, onde está o Vietnã. “Paradoxalmente estamos vendo o aparecimento de uma dieta padrão mundial”, observa. “Comer uma maior variedade de alimentos tende a ser uma coisa muito boa, mas estamos comendo cada vez mais todos as mesmas coisas”.
Segundo Khoury, este cenário também coloca a Humanidade em posição vulnerável, já que, quanto mais nossa dieta vier de alguns relativamente poucos e grandes cultivares — como trigo, arroz, milho, batata, e óleos como de soja, girassol e palma —, maior o risco de que algum problema, como uma praga ou as mudanças climáticas, provoque uma crise mundial. “Isso torna ainda mais importante garantirmos que a produção agrícola seja sustentável”, alerta.
De acordo com Khoury, o Brasil poderia ser classificado como um país usuário moderadamente alto de cultivos estrangeiros. Aqui, 90,3% das calorias, 83,8% das gorduras, 93,9% das proteínas e 83,6% do peso da comida cultivada que consumimos vêm de plantas estrangeiras à nossa região de diversidade. No lado da produção, por sua vez, 91,6% da área plantada, 95,5% da quantidade colhida e 90,1% do seu valor são de cultivos importados.
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