Grandes artistas e autores assinam e imortalizam suas obras. Na cadeia de alimentos, ainda que a obra seja perecível, a assinatura do produtor é uma chancela de qualidade, um compromisso de entregar produtos feitos com as melhores práticas agrícolas, utilizando de forma responsável agrotóxicos e conservantes, e colocando em primeiro lugar a saúde do consumidor e o respeito ao meio ambiente.
Tecnicamente, o nome é rastreabilidade. Um mapeamento de etapas e processos que garante a qualidade e a certificação de origem dos produtos e permite um ‘recall’ rápido e eficiente em caso de não conformidades.
“A demanda (por rastreabilidade) tem aumentado consideravelmente, visto que o consumidor moderno, principalmente aquele que tem conhecimento sobre o assunto e está disposto a pagar um pouco mais por produtos com um diferencial, passou a exigir isso”, explica o coordenador do Programa de Certificação e Rastreabilidade Vegetal da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), Juliano Farinacio Gualhardo.
Gualhardo lembra que, se um produtor tem seu nome estampado no rótulo de uma fruta ou legume, naturalmente é maior o seu compromisso de produzir de acordo com as boas práticas agrícolas.
Não são apenas as falhas no processo produtivo, no entanto, que podem gerar consequências para a saúde humana. O incorreto armazenamento e manipulação doméstica também causam contaminações e problemas de saúde. Cuidados simples como o de não descongelar alimentos em temperatura ambiente e não misturar produtos crus com cozidos são alguns dos indicados pela Secretaria de Saúde do Paraná (SESA-PR).
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que, anualmente, uma a cada 10 pessoas são afetadas por Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA). Segundo o portal do Ministério da Saúde, a previsão é que o problema aumentará no século 21, em função de várias tendências globais como o crescimento da população, da pobreza, da exportação de alimentos e rações animais, que influenciam a segurança alimentar internacional.
A engenheira agrônoma e diretora da Caixa de Assistência dos Profissionais dos Creas (Mútua), Giucélia Figueiredo, reforça a importância da população ter maior atenção na checagem desses produtos. “O consumidor também deve exercer o controle social, cobrando, fiscalizando a procedência dos produtos. A qualidade dos alimentos é uma conquista que só será concretizada com a colaboração e comprometimento de todos”, enfatiza.
Caminho mapeado
Com a rastreabilidade, é possível saber pelo rótulo as diferentes etapas percorridas desde a propriedade rural até a prateleira, incluindo informações do produtor, como nome, endereço, CPF ou CNPJ. Existem sistemas informatizados disponibilizados por empresas privadas e produtores rurais, unidades de consolidação e supermercados, que permitem verificar essas informações por meio de QR Code (sigla do inglês Quick Response, que significa resposta rápida). A rastreabilidade de vegetais frescos, por exemplo, tem a finalidade de monitorar o controle de resíduos de agrotóxicos e se eles estão dentro das normas exigidas pela Secretaria da Saúde, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
“A rastreabilidade é a peça fundamental na rotina daquele que se preocupa com a saúde da sua família e o respeito ao meio ambiente. Essa é a melhor forma de monitorar e entender a origem do seu alimento, desde a produção até a chegada dele na mesa”, finaliza Figueiredo.
Rastreabilidade Bovina
A Associação Brasileira de Angus, em parceria com representantes da indústria frigorífica, mantém o Programa Carne Angus Certificada. Pelo rótulo, o consumidor consegue ter informações qualitativas sobre as carnes dos animais Angus comercializados no mercado. O gerente nacional do programa, Fábio Medeiros, aponta que essa é uma forma de garantir ao consumidor que a carne consumida é realmente da raça em questão.
“A rastreabilidade é o mecanismo que permite voltar à origem, caso ocorra qualquer tipo de problema, como, por exemplo, uma intoxicação alimentar, facilitando que todas as medidas necessárias sejam tomadas. Com essa ferramenta é possível saber como esses alimentos foram originados, como foram introduzidos no mercado, o caminho que eles cumpriram e as diferentes etapas da cadeia produtiva”, explica Medeiros.
Pelo rótulo dos produtos Angus, o consumidor consegue saber onde foi criado o animal, quando aconteceu o abate, que é sempre acompanhado por técnicos da Associação Angus, e o caminho da embalagem até a chegada ao consumidor final. Medeiros ressalta que esse mecanismo de rastreamento é só uma das formas de apoiar uma alimentação mais segura. “É uma responsabilidade de todos, desde o produtor que origina o produto até o chefe do restaurante que serve o alimento para todos ou a dona de casa que prepara a refeição de sua família”, enfatiza.
O produtor tem um papel fundamental também neste processo. “É dever dele garantir o bem-estar do animal: aplicando corretamente todas as vacinas e medicamentos e respeitando a carência dos produtos. Dessa forma é possível evitar qualquer tipo de contaminação da carne durante o processo”, complementa.
Demanda crescente
De acordo com dados divulgados em 2017 pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), nos próximos anos o mundo terá de aumentar significativamente a produção de alimentos. Apenas no Brasil, a previsão é de que a produção cresça 41% até 2026/2027. O especialista em negócios no Instituto Senai de Tecnologia em Alimentos, Alcides Júnior Sperotto, diz que as empresas já têm buscado alternativas para se diferenciar e ser referência na qualidade do seu produto. Hoje, por exemplo, já existem formas de evitar o uso de conservantes e aumentar o número de nutrientes.
“Uma das principais alternativas naturais para conservação do produto são os tratamentos térmicos (tanto calor, quanto frio). Quanto mais rápido eu congelar o produto e menos contato esse produto tiver com os outros meios, menor é a probabilidade de contaminação e menor será a necessidade de usar conservantes”, explica Sperotto.
Conservação natural
Uma tendência é o uso de ingredientes naturais para conservação de alimentos, como alho, alecrim e cereja em pó. “Tudo isso sem o excesso de gosto. Só se extrai aquela enzima, aquele nutriente do alimento que apoia na conservação e é utilizado no alimento processado”, destaca. “O ácido cítrico, por exemplo, presente no suco de laranja, é um estabilizante. A tendência é que cada vez mais esses produtos sejam aproveitados”, sublinha. Algumas empresas já estão olhando para alguns produtos considerados vilões, como as ervas daninhas, e testando formas de usá-los a favor da segurança alimentar da população.