Anthony Ruzicka, da quinta geração de uma família de pecuaristas no Nebraska, recebeu o alerta vermelho às 6 da manhã: a quase centenária represa Spencer Dam tinha estourado sob o peso da enchente do rio Niobrara, após uma combinação de grande volume de neve derretida e chuva torrencial.
Mal deu tempo de Ruzicka sair correndo de casa e a coluna de água avançou sobre a propriedade, engolindo bezerros e todos os touros da fazenda, galpões, silos e a histórica cabana construída por sua família em 1860, após a chegada da Tchecoslováquia.
Ruzicka teve mais sorte do que a maioria das pessoas surpreendida pelas enchentes no Meio Oeste americano. Um dia antes, ele e os vizinhos de Verdigre, no extremo nordeste do Nebraska, por precaução tinham levado a maior parte do rebanho de 300 vacas para um lugar mais alto, a cerca de um quilômetro de distância.
O criador não sabe ainda quantas cabeças de gado perdeu, mas, no final de semana, já tinha contado 15 carcaças. A perda dos bezerros compromete a renda do ano que vem, já que leva de 12 a 18 meses para os animais chegarem à idade de abate. E os touros eram o patrimônio genético que diferenciava a qualidade de seu rebanho.
“Estou com 39 anos, não tenho filhos. Os bois e vacas eram meus filhos, minha fazenda está completamente destruída. Talvez seja um sinal de Deus para que eu faça outra coisa na vida”, lamentou Ruzicka.
O pecuarista observa que, antes mesmo das tempestades de inverno e enchentes, as coisas não iam bem nas finanças dos proprietários rurais. A maior parte dos pecuaristas da região, segundo Ruzicka, já lutava para não operar no vermelho, trabalhando 100 horas por semana e levantando a cada duas horas à noite para vigiar o rebanho.
O presidente da Associação dos Produtores do Nebraska, Steve Nelson, disse que é muito cedo para estimar o tamanho do prejuízo, mas cálculos preliminares apontam perdas de US$ 500 milhões na pecuária e outros US$ 400 milhões na agricultura – principalmente nas culturas de milho, soja e trigo.
Na pecuária, o prejuízo resulta da morte dos animais e da perda de produtividade (durante o frio, os animais não ganham peso tão rapidamente), assim como da destruição de pastagens. Na agricultura, observa Nelson, os produtores estão muito próximos da época de plantio e temem que não dê tempo de limpar e preparar as terras.
A estimativa de perdas inclui os custos de limpeza das áreas inundadas assim como os de plantio tardio – diz Nelson.
John Hansen, presidente da União dos Produtores do Nebraska, alerta que os custos de limpeza serão substanciais. “A água da inundação espalhou uma mistura tóxica de combustíveis e óleo diesel, que vazaram dos tanques das fazendas e dos postos. Os rios Platte, Elkhorn e seus tributários estão em péssimas condições, assim como a região da parte norte, onde a barragem se rompeu. Temos quatro ou cinco rios que atingiram simultaneamente os níveis mais altos já registrados”.
Segundo Hansen, o gelo criou pontos de estrangulamento nas pontes e lagos, fazendo a água derretida extravasar por sobre as barrancas dos rios e leitos de rodovias, deixando ilhados agricultores, pecuaristas e suas criações.
A Defesa Civil do estado está utilizando helicópteros para entregar feno e ração animal às propriedades ilhadas; um abrigo foi construído para acolher o gado em terra firma na região de Lincoln. Mas Amy Dickerson, diretor do centro de eventos de Lancaster, disse que muitos pecuaristas não estão conseguindo levar seus animais para o abrigo porque não têm como passar por ruas e pontes destruídas.
“Não recebemos nenhum animal até agora; nenhuma vaca, cavalo ou lhama. Soubemos que 20 cavalos estavam presos num estábulo com água pela altura da barriga. O pessoal está levando comida para eles de barco. Era para 17 desses cavalos serem trazidos para cá, mas talvez tenham sido levados para outro lugar”.
Dickerson disse que o local atraiu muitos voluntários e funciona, agora, como uma central de apoio, organizando a coleta e distribuição de ração para os animais ilhados. A oferta de alimento é escassa, no entanto, devido à destruição causada pelas águas.
“As pessoas estão perdendo seus rebanhos”, reporta Dickerson. “É possível ver os animais em fotos do Facebook, flutuando como pequenos pontos negros no meio da inundação”.
Para os pecuaristas e agricultores da parte norte do estado, o pior pode ter passado, com as águas da enchente começando a recuar. Mas a terra saturada também traz podridão, mofo e outros problemas.
“Temos algumas pequenas cidades próximas destes rios que serão simplesmente devastadas. Como fazer para identificar as necessidades das pessoas, além, é claro, de mantê-las sãs e salvas? Toda essa água agora se desloca rumo ao sul. Hello, Kansas City!”
O produtor Kyle Tubbs, do condado de Craig, no Missouri, a 144 km de Kansas City, levou todos seus 400 suínos para áreas mais elevadas no final de semana, perdendo apenas um animal no transporte. A única construção da fazenda que não está debaixo d’água é a casa principal, que ele construiu quase três metros acima do nível do solo após as enchentes de 2010 e 2011. Tubbs disse que a inundação – a terceira nos últimos dez anos – está longe de retroceder.
“Tem tanta água lá em cima, nas Dakotas, que vamos ter que lutar contra isso o verão inteiro. Nossos rios são muito mal administrados”, diz.
Tubbs teme que demore meses até que consiga trazer seus animais de volta à fazenda. Até lá, eles serão mantidos num abrigo temporário, sem acesso a água corrente e sem salas de maternidade para as fêmeas prenhes – o que pode significar ainda mais perdas.
Tudo o que Tubbs pode fazer, por enquanto, é usar um bote como meio de transporte. Quando olha para o sul, ele só vê água. “Sou dono da única propriedade no Missouri com vista para o oceano”, arremata.