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EUA querem retomar cultivo do “cânhamo do presidente”

A fibra do cânhamo pode ser usada para  diversos fins na indústria, mas potencial é pouco aproveitado nos EUA | Katherine Frey/The Washington Post
A fibra do cânhamo pode ser usada para diversos fins na indústria, mas potencial é pouco aproveitado nos EUA (Foto: Katherine Frey/The Washington Post)

Dean Norton, diretor de horticultura do Mount Vernon, propriedade rural que pertenceu a George Washington, puxa seu celular e coloca uma música de Jimi Hendrix, enquanto caminha em direção à plantação de cannabis na propriedade do “pai fundador” da nação americana. A “erva daninha” é alta, plantada em fileiras apertadas e tem as bordas das folhas serrilhadas da sua prima clássica, a maconha.

Enquanto a épica “Voodoo Child”, de Hendrix, de 1968, toca do aparelho, Norton brinca sobre ter uma “vibe” adequada para o cenário. “Deveríamos ter um alto-falante no meio”, diverte-se. “As pessoas ficariam doidonas?”

Mas esse não é o tipo de cânhamo alucinógeno. Não se fuma isso. Essas plantas são geradas por causa de sua fibra. Trata-se do cânhamo industrial, o tipo com o qual Henry Ford sonhou construir carros com ele. Mount Vernon começou a plantá-lo por causa de George Washington.

O lar histórico do primeiro presidente do país, a cerca de 32 quilômetros ao sul da cidade de Washington, na Virgínia, faz parte de um esforço para devolver o cânhamo industrial ao seu contexto histórico e promover seu uso no mundo moderno.

O cânhamo industrial, enquanto cannabis, é muito diferente do seu primo de maconha. Embora ambos contenham tetrahidrocanabinol (THC), a substância que dá o “barato”, o cânhamo industrial contém apenas pequenas quantidades de THC e não tem efeito psicoativo, dizem os especialistas.

A maconha recreativa tem cerca de 10 a 30% de THC em suas flores secas, segundo Michael Timko, professor de biologia e ciências da saúde pública na Universidade da Virgínia. O cânhamo industrial tem 0,3 % ou menos.

Mas a linhagem industrial, que foi amplamente cultivada na Virgínia colonial para fabricar fibras para corda e outros produtos, ao longo do tempo foi associada com o tipo recreativo. E ambos foram estigmatizados e suprimidos no início do século 20.

Preservando as últimas plantas remanescentes de George Washington

“Você tem diferentes variedades para coisas diferentes”, diz Norton ao se aproximar da plantação de cânhamo, descendo a colina da famosa mansão de Washington. “Eles conseguem criar plantas de fibras realmente fortes, plantas de óleo fortes e plantas recreativas fortes”, completa. “Mas isso [uso recreativo] não é o que estamos fazendo aqui”, avisa. “Você poderia construir uma fogueira com isso, sentar em volta, respirar e nada aconteceria”, afirma

Ainda assim, Norton precisou de uma licença para cultivar. “Meus filhos adoram dizer que sou um produtor”, revela. “Eu sou (licença) o número 86. Acho isso muito legal.”

Enquanto isso, os visitantes que passam por Mount Vernon ficam intrigados com o que veem. “A coisa mais engraçada é ver as pessoas que estão familiarizadas com o cânhamo. Eles param. Eles olham. Eles vão tirar fotos”, conta.

O cânhamo industrial era uma cultura importante nos tempos coloniais. Um veleiro, por exemplo, podia exigir milhares de metros de corda de cânhamo para o seu funcionamento, de acordo com Norton. O cânhamo “é abundantemente produtivo e crescerá para sempre no mesmo local”, escreveu Thomas Jefferson.

Jefferson inventou uma forma de especial de processar o cânhamo. Ele escreveu que usava a planta “para transportar nossos trabalhadores” - seus escravos - porque o algodão era muito caro na época. Em 1700, era tão valioso que a Virgínia pagava aos fazendeiros para cultivá-lo. Washington se aproveitou disso, escrevendo em 1767, que ele “se inscreveu no fundo para ganhar uma boa recompensa pelo cânhamo”.

Ele plantou em abundância, especialmente em uma área que chamou de Muddy Hole. Mas foi uma colheita de trabalho intenso. A fibra externa tinha que ser separada do núcleo interno, ou “hurd”. Depois, tinha de ser pulverizado, ensopado em água ou orvalho para ajudar na extração. Mas quando o processo era concluído, a fibra ficava longa e resistente.

A ideia de devolver o cânhamo a Mount Vernon veio de Brian Walden, 37 anos, um agricultor em Charlottesville, depois que uma lei federal de 2014 abriu caminho para pesquisas acadêmicas sobre cultivo de cânhamo industrial, conforme informou ele em entrevista por telefone.

Os agricultores tiveram permissão para cultivar o cânhamo se se juntassem a um programa de pesquisa e em associação com uma universidade que desejasse estudar o cânhamo industrial. Walden, então, se conectou com a Universidade da Virgínia, doando “terra, equipamento, experiência”, segundo ele. E começou a cultivar localmente.

No ano passado, o agricultor criou um plano para o cânhamo de Mount Vernon, para melhorar a imagem da planta e ilustrar seu papel na história. Norton foi hesitante no início, mas concordou em participar este ano. As primeiras sementes foram plantadas no dia 13 de junho. A colheita de 6 dias deve começar em breve, segundo Walden.

Uma leva semelhante foi plantada em Montpelier, no condado de Orange, também na Virgínia, lar do fundador James Madison.

A primeira colheita de cânhamo da Virgínia em décadas pode sinalizar novas oportunidades

O cânhamo teve uma grande produção no meio-oeste colonial, segundo Walden. Mas no século 20, com o surgimento da variedade recreativa, todo o cânhamo se tornou estigmatizado.

O uso medicinal do cânhamo / maconha remonta a 1576, quando foi recomendado para uso no tratamento de um duque prussiano, de acordo com o historiador H. C. Erik Midelfort. Em 1937, um imenso pesado foi colocado sobre o cânhamo, que “fez com que cada agricultor o largasse como se larga uma moeda”, explica Walden.

Mas na década de 1940, a produção retornou por causa da necessidade em tempos de guerra. Em 1942, o Departamento de Agricultura produziu um filme de 14 minutos chamado “Hemp for Victory” (“cânhamo para a vitória”), pedindo aos agricultores que o cultivassem novamente. No passado, a planta era indispensável para o marinheiro e o carrasco, agora é necessária para o fio de sapato, cintos de para-quedas e para mais de 9 mil metros de corda para cada navio de guerra.

E em 1941, Henry Ford supostamente teria produzido um “carro de cânhamo” de vida curta com uma parte dele feita de uma substância derivada do cânhamo.

Mas depois da guerra, com o ressurgimento do uso do tipo recreativo, a produção industrial de cânhamo caiu em desgraça. Hoje, 15 estados ainda proíbem o cultivo de cânhamo industrial, segundo a Conferência Nacional de Legislaturas Estaduais. Os outros estados permitem seu crescimento para programas comerciais, de pesquisa ou pilotos.

Segundo Walden, o Congresso está considerando criar uma lei que legalize o cultivo de cânhamo industrial. Os Estados Unidos, no entanto, continuam muito atrás de outros países, que aproveitam o potencial do cânhamo industrial.

“Os EUA são uma das poucas nações desenvolvidas que não consideraram o uso do cânhamo como um recurso verde e sustentável para diversos fins”, diz Timko, da Universidade da Virgínia, o cientista que fez parceria com Walden. “Não é que eles não saibam que há um uso industrial, é porque o governo federal não conseguiu descobrir como separá-lo facilmente”.

O cânhamo industrial é cultivado extensivamente na Europa, China e Canadá. Os Estados Unidos importam mais de US $ 500 milhões em produtos de cânhamo por ano. É usado para roupas e mochilas, óleos e aditivos e em plásticos.

“Por que não estamos cultivando esses US $ 500 milhões em produtos de cânhamo? Por que estamos importando?”, questiona o pesquisador. Segundo ele, os americanos deveriam aprender que o cânhamo industrial é cultivável e que foi parte da cultura que o país perdeu.

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