Uma novidade prestes a ser lançada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) está gerando reclamações de representantes do setor de feijão. A variedade transgênica RMD, que é capaz de resistir à doença conhecida como mosaico dourado – provocada por um vírus transmitido pela mosca branca –, vem recebendo críticas por ter potencial, segundo a indústria, de causar prejuízo à cadeia produtiva do feijão carioca, o mais consumido no país.
Para o presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe), Marcelo Lüders, a nova variedade é um tiro no pé, pois só a imagem de um produto transgênico para consumo direto já espantaria o consumidor, interno e estrangeiro.
“Quem é que vai escrever na sua marca ‘esse produto é geneticamente modificado’?. Ninguém. O mercado caminha na direção de produtos mais naturais possíveis. E lá fora também vai ser apontado, de modo genérico, que o feijão do Brasil é transgênico”, afirma.
Já o pesquisador da área de Genética e Melhoramento do Feijão da Embrapa Arroz e Feijão Thiago Lívio Souza diz que esse temor do mercado não tem razão de ser. Afinal, o estudo vem sendo desenvolvido há 20 anos e desde 2011, quando a pesquisa foi liberada para ser comercializada pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), a Embrapa vem dialogando com a sociedade e com a cadeia produtiva do feijão sem que a nova variedade tenha sido apresentada como um problema.
“Sem esse diálogo não há condições de se fazer registro da variedade e ter essas aprovações”, justifica Souza.
Lüders observa que a transgenia seria algo bem-vindo desde que isso ocorresse diante de uma dificuldade maior, mas que não é o caso do feijão carioca. “Nossa discussão é mercadológica. Essa nova variedade não traz argumentos para aumentar o consumo. Temos feito um esforço para aumentar o consumo do feijão no país. No Brasil, não falta feijão no mercado, falta é mercado para o feijão. Aumentamos muito a produção nos últimos anos e hoje queremos diversificá-la”, explica.
O feijão carioca atualmente responde por até 65% da produção nacional e não tem mercado externo, já que é todo consumido no país.
Segundo a Embrapa, os investimentos em transgenia foram feitos porque ainda não se encontrou uma resistência natural ao mosaico dourado. Além disso, a mosca branca tem mostrado que consegue se adaptar a regiões quentes e frias e a cultivares que se alternam com o feijão, como o milho.
“Essa virose é muito agressiva, principalmente na região do Brasil Central, onde a doença tem sido drástica e tornado a cultura do feijão impraticável”, observa Souza. Segundo ele, a RMD precisa ser uma ferramenta aplicada juntamente com um eficiente plano de manejo, o que inclui o respeito ao vazio sanitário (de setembro a outubro) e à rotação de culturas.
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“Vacina” contra o mosaico
O vírus do mosaico dourado geralmente infecta a planta e a escraviza para produzir novos vírus. Isso causa amarelamento das folhas, crescimento menor da planta e baixa produtividade. “Nossos pesquisadores isolaram um gene do próprio vírus e o implantaram no DNA do feijão, fazendo com que a planta criasse uma espécie de vacina contra a doença”, ensina Souza. Ele acrescenta ainda que o perfil nutricional de uma planta de feijão transgênica não difere em nada de uma convencional. “Quando o feijão é cozido ele nem apresenta as moléculas que fazem com seja resistente à doença”, complementa.
Segundo o pesquisador, o feijão transgênico também é resistente a antraquinose (de forma natural, não transgênica) e tem potencial produtivo similar às variedades existentes no mercado. O Ibrafe, no entanto, contesta, e diz que a variedade transgênica é mais sensível ao carlavirus (outro tipo disseminado pela mosca branca) e que, por isso, os defensivos químicos terão que continuar a ser usados.
“Essa cultivar tem uma produtividade baixa, ainda que seja em local de mosca branca. Nem agronomicamente se pode defende-la”, diz Lüders.
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Entretanto, a Embrapa afirma que durante as pesquisas de campo a quantidade de agroquímicos utilizados na cultura transgênica de feijão caíram, no mínimo, 50%. “Essa pesquisa é baseada em dados e resultados. É difícil contrapor isso com percepções e necessidades comerciais pontuais”, defende-se Souza. “Estamos conversando com sementeiros, empacotadores e não temos sinal de que essa tecnologia possa ser barrada”, continua.
Outra reclamação do Instituto do Feijão é que a cadeia produtiva não foi ouvida sobre essa questão da transgenia. “A Embrapa, por enfrentar problemas de reestruturação, buscou uma pesquisa antiga e criou um factoide. Hoje só se entope de defensivo químico uma lavoura que foi plantada fora do vazio sanitário. Mas a mosca branca não é mais um problema desde que os produtores façam o manejo adequado”, alfineta Lüders. Ele afirma ainda que a indústria não tem como segregar o grão geneticamente modificado do comum, tanto as sementeiras quanto nas empacotadoras.
De acordo com Thiago Souza, a variedade transgênica de feijão carioca deverá estar nas gôndolas dos supermercados no primeiro semestre de 2020. Em nota oficial, a Embrapa informou que a RMD “será ofertada ao mercado brasileiro por meio de empresas de sementes parceiras via licenciamento. Será feita uma oferta pública para selecionar parceiros que atendam a requisitos de qualidade, gestão responsável e experiência no mercado de feijão. Essas empresas integrarão a estratégia de monitoramento comercial estabelecida pela Embrapa, permitindo o correto acompanhamento da tecnologia ao mercado. A Embrapa multiplicará sementes com estes parceiros no plantio de inverno (até maio de 2019) visando atender ao mercado na safra de final de ano (2019/2020), com plantio a partir de outubro.”
Atualmente, a estatal responde por 60% da produção de sementes de feijão no Brasil. “Não somos uma empresa aventureira, já lançamos 60 cultivares de feijão. Só queremos que o agricultor tenha mais uma opção. Também não vamos deixar de ter cultivares tradicionais”, esclarece Souza. Ele lembra que em 2017 o Brasil foi o segundo maior produtor de transgênicos do mundo, atrás apenas dos EUA, e que o consumidor brasileiro não rejeita esse tipo de produto na gôndola. Em breve a Embrapa deve anunciar novas variedades transgênicas de feijão, resistentes a outras doenças, segundo Souza.
Imagem contaminada
Para Marcelo Lüders, a transgenia, apesar de ser restrita a uma variedade de feijão carioca apenas, pode “contaminar” a imagem do feijão brasileiro de um modo geral e atrapalhar as exportações. O Brasil passou de 20 mil toneladas de feijão exportadas em 2010 (de diversas variedades) para 162 mil t no ano passado. “Lá fora, a gente começa a buscar uma expansão de mercado. A Europa começa a querer o nosso feijão e temos possibilidade de vender para América do Norte também. Inclusive, estamos num esforço para fazer a rastreabilidade dos produtos”, afirma o presidente do Ibrafe.
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