O discurso mais radical na área de agricultura e meio ambiente de alguns aliados de Jair Bolsonaro, como a pregação de que o País deve abandonar o Acordo de Paris (que busca conter o aquecimento climático), não interessa ao setor do agronegócio e pode trazer prejuízo à inserção brasileira nos mercados internacionais mais exigentes, como a Europa e o Japão.
Este foi o posicionamento adotado nesta semana pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura – grupo que reúne 180 instituições do agronegócio, meio ambiente, pesquisa e setor financeiro – divulgado em carta aos candidatos à Presidência da República.
A carta foi concluída um dia depois que Luiz Antônio Nabhan Garcia, presidente da União Democrática Ruralista (UDR), aliado do candidato Jair Bolsonaro, dizer que “a base dos produtores rurais que está com Bolsonaro” não aceita intervenções do Acordo de Paris - esforço internacional assinado por 195 países em 2015 para conter o aquecimento do planeta. “Há interesses de outros países, de ONGs e interesses comerciais. O que o Acordo de Paris nos oferece? Nada.”
No texto, a Coalizão afirma que “a agricultura brasileira depende de condições climáticas, como chuva, umidade e temperatura. Essas condições só podem ser asseguradas pela conservação das florestas”. Movimento apartidário, a Coalizão reúne entidades e empresas ligadas direta e indiretamente ao agronegócio, como a Associação dos Criadores de zebu (ABCZ), Sociedade Rural, Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Basf, Cargill, Carrefour, Gerdau, Klabin e Natura, entre outras.
Convite a sanções
Para a ex-secretária de Relações Internacionais do Agronegócio do Ministério da Agricultura e colunista da Gazeta do Povo, Tatiana Palermo, se o Brasil sair do Acordo de Paris, o resultado poderá ser uma série de questionamentos e imposição de sanções por parte de nossos parceiros comerciais. “Toda a produção de grãos, de fibras, sucroalcooleira e florestal é localizada em somente 9% do País”, lembra Tatiana. “E há cerca de 115 milhões de hectares de terras cultiváveis para expandir a produção agrícola de forma legal e sustentável, sem agredir o meio ambiente”.
“Ora, se estamos em uma posição de nos vender como um país ambientalmente correto, o que nos coloca em vantagem em mercados como a Europa, o Japão e outros, não faz sentido abrirmos mão dessa vantagem de imagem e nos associar aos vilões ambientais do mundo”, aponta Tatiana Palermo.
Por outro lado, enquanto a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura critica a proposta de fusão dos ministérios do Meio Ambiente e Agricultura, a iniciativa é vista com bons olhos por Palermo, que já atuou no governo brasileiro. “Sou a favor da otimização da máquina pública em busca de eficiência e reforçando a disciplina fiscal. A criação de um ministério único de recursos naturais não significa necessariamente um afrouxamento de padrões ambientais. Não vejo a unificação dos ministérios como um ponto negativo”, aponta.
Para a Coalizão, no entanto, “propostas como a união dos ministérios da Agricultura e Meio Ambiente podem pôr em cheque um necessário equilíbrio de forças que precisa ser respeitado no âmbito das políticas públicas”. “Ambas as agendas (meio ambiente e agricultura) são fundamentais para garantir o balanço entre a conservação ambiental e produção sustentável e devem ter o mesmo peso na tomada de decisão do governo. O fortalecimento das instituições federais, como o Ibama e o ICMBio, é condição essencial para assegurar o papel do Estado nessas agendas.”
Leia abaixo a íntegra da carta da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura:
“Neste momento decisivo para o futuro no País, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura reafirma o importante compromisso que o país tem com o mundo para assegurar a segurança alimentar, hídrica e climática da humanidade.
O agronegócio é essencial para a prosperidade da nossa economia, uma vez que responde por mais de 20% do PIB brasileiro. Além disso, o Brasil é o 3º maior produtor de produtos agrícolas do mundo, responsável por 7% dessa produção mundialmente, assim como um dos maiores produtores de biocombustíveis e de produtos florestais. Ao mesmo tempo, o país é dono da maior floresta tropical do planeta e figura como sétimo maior emissor de carbono no ranking global, sendo mais de 65% das emissões atribuídas ao desmatamento e à agropecuária.
A agricultura brasileira depende de condições climáticas, como chuva, umidade e temperatura. Essas condições só podem ser asseguradas pela conservação das florestas. As áreas protegidas, por exemplo, sejam elas unidades de conservação, terras indígenas ou territórios quilombolas, ajudam a preservar os serviços ecossistêmicos prestados pelas florestas e fundamentais para o agronegócio, como a água, a redução de erosão, a atenuação de extremos climáticos, os polinizadores e o habitat necessário aos controladores de pragas e doenças. Por isso, a Coalizão Brasil tem afirmado que produção agropecuária e conservação ambiental precisam andar juntas, lado a lado. Nosso desenvolvimento, prosperidade e bem-estar dependem desse equilíbrio!
Nesse contexto, a permanência do Brasil no Acordo de Paris e a legislação e agendas de conservação ambiental e agricultura sustentável são importantes para o setor, pois garantem a correta valoração da sua produção atual e futura e a inserção brasileira nos mercados internacionais mais exigentes, como a Europa e o Japão, além de manter o protagonismo histórico do país nas negociações e mitigação das mudanças climáticas. Além disso, contribuem para os esforços globais que visam evitar o aumento da temperatura acima de 1,5°C, conforme explicitado no mais recente relatório do IPCC, elaborado por mais de seis mil cientistas.
Propostas como a união dos ministérios da Agricultura e Meio Ambiente podem pôr em cheque um necessário equilíbrio de forças que precisa ser respeitado no âmbito das políticas públicas. Nos últimos anos, a Coalizão Brasil tem trabalhado junto a esses ministérios com o objetivo de contribuir para a sinergia e complementariedade das políticas públicas dessas pastas. Ambas as agendas (meio ambiente e agricultura) são fundamentais para garantir o balanço entre a conservação ambiental e produção sustentável e devem ter o mesmo peso na tomada de decisão do governo. Além disso, a atuação do Ministério do Meio Ambiente vai além das questões agrícola e florestal, envolvendo também, entre outras, o licenciamento de obras, o controle da poluição, o uso de produtos químicos e a segurança hídrica. O fortalecimento das instituições federais, como o Ibama e o ICMBio, é condição essencial para assegurar o papel do Estado nessas agendas.
Nesse contexto, é fundamental ressaltar que grande parte do desmatamento no Brasil é de origem ilegal. Combater a ilegalidade deve ser a prioridade de qualquer governo. Por isso, o fortalecimento dos órgãos de fiscalização, inclusive do Ministério Público, das tecnologias de sensoriamento remoto e a transparência dos dados precisam ser resguardados como forma não apenas de proteção ao meio ambiente, mas também à grande maioria dos produtores rurais, que cumpre a lei e sofre com uma desleal concorrência dos infratores. As ações de comando e controle são necessárias e desejáveis para combater o desmatamento ilegal e reprimir o comércio ilegal de madeira, gado, grãos e outros produtos.
Além de fiscalizar, o governo precisa também implementar os mecanismos do Código Florestal, que têm como objetivo tratar o passivo ambiental do País e valorizar os proprietários que cumprem a legislação e que contribuem para manter as florestas preservadas.
A Coalizão Brasil surgiu em um momento político conturbado do País, no qual os atores da agenda de clima, florestas e agricultura estavam desarticulados em função das inúmeras divergências ao longo dos debates que resultaram na aprovação do atual Código Florestal. Foi a vontade de unir esforços em busca de objetivos comuns que mobilizou novamente esses atores. Sem democracia, diálogo e transparência, essa união jamais seria possível.
Nosso movimento é uma prova do valor que o exercício democrático do diálogo entre os diferentes setores da sociedade pode representar. Os mais de 180 membros, entre representantes do agronegócio, das entidades de defesa do meio ambiente, da academia e do setor financeiro, não têm pensamento único, mas acreditam no diálogo plural para construir pontes, soluções e buscar consensos. Por isso, a Coalizão Brasil preza pelo ambiente democrático para manifestar o ponto de vista de seus membros, a confiança e o respeito entre as partes, em prol de uma nova economia, baseada na baixa emissão de carbono, na proteção da biodiversidade e dos ecossistemas.
Essa diversidade é peça-chave para lidar com os desafios do século 21 e das mudanças climáticas. Por isso, o respeito às instituições precisa ser assegurado, como a garantia de um ambiente livre para o ativismo da sociedade civil e, ao mesmo tempo, propício para os negócios. É essa dinâmica que faz com que o país seja capaz de ouvir e atender aos interesses da sociedade.
Portanto, a Coalizão Brasil vem reafirmar alguns de seus princípios, como a importância do Acordo de Paris, o fortalecimento do combate à ilegalidade no setor florestal, a implementação do Código Florestal e a democracia. Pedimos aos candidatos ao segundo turno das eleições presidenciais, senhores Fernando Haddad e Jair Bolsonaro, que observem os princípios desta carta e assegurem que eles serão respeitados como uma agenda de Estado, conquistada pela sociedade brasileira. A Coalizão Brasil é um movimento apartidário, que apresentou 28 propostas aos principais candidatos às eleições deste ano e que estará aberta ao diálogo com o novo governo eleito, disposta a contribuir para o avanço da nossa agenda e para o desenvolvimento sustentável do País.”
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