Faz apenas uma semana que dona Adevilde Kunzler e o filho “número três” concluíram juntos, em Toledo, no Oeste do Paraná, um curso sobre o planejamento da sucessão familiar da propriedade agrícola.
“A intenção é que o sítio continue com a família. Não pensamos em nos desfazer da propriedade que começou a ser construída há 50 anos”, diz Adevilde, ciente de que, para que isso aconteça, todas as fichas estão lançadas sobre o filho Renato, de 27 anos. “Meus outros três filhos tocam a vida de outro jeito faz tempo”, resigna-se a matriarca.
O primeiro desafio do curso Herdeiros do Campo, mantido pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR-PR), é superar o tabu de que discutir sucessão seja sinônimo de falar de morte ou disputa por herança. “Mostramos que a conversa é sobre vida, sobre a continuidade do negócio. Não é uma invasão do espaço dos pais pelos filhos, nem uma tomada de decisão dos pais quanto ao futuro dos filhos”, diz Luciana Matsuguma, coordenadora do curso.
O casal Círio e Adevilde Kunzler não sabe ainda como será feita a divisão da pequena propriedade entre os quatro filhos. “Ainda estamos construindo uma proposta, pode ser que seja uma parceria entre eles. O importante foi saber que existem caminhos legais para isso, que é possível planejar e dar continuidade ao patrimônio, para que o que a gente construiu não acabe sendo motivo de desavenças”, aponta Adevilde. “É mais interessante olhar o assunto como sucessão do que como herança”, acrescenta.
Encolhimento
A revoada do ninho na família Kunzler é um retrato da realidade do campo brasileiro nas últimas décadas. O filho mais velho, Rodrigo, trabalha com caminhão e delivery de pizza na cidade. A filha Mayara fez faculdade, virou gestora de negócios internacionais e mora atualmente em Barcelona, de onde apoia a organização dos jogos de inverno da Coreia do Sul. O caçula, Marcelo, é engenheiro da BRF. Apenas Renato, por escolha própria, deverá seguir na atividade rural.
Ou seja, a trajetória dos Kunzler confirma o movimento detectado pelo censo de 2010, de encolhimento da população rural em 1% ao ano, entre 1991 e 2010, passando de 35,7 milhões de pessoas para 29,7 milhões.
No estudo “O novo mapa da população rural brasileira”, os pesquisadores Alexandre Maia e Antonio Buainain apontam que a persistência da migração rural-urbano na região Sul, que apresenta uma agricultura familiar dinâmica e bons indicadores de desenvolvimento humano, “sugere que a migração não pode ser associada unicamente à fuga da pobreza rural, mas também à atração da população rural pela dinâmica socioeconômica urbana”. Ou seja, teria havido uma mudança no processo de decisão de migrar, com “deslocamento dos tradicionais fatores de expulsão para os fatores de atração”.
De cada três, um fica na agricultura. O mesmo que aconteceu na família dos Kunzler, em Toledo, se repete com a família Polo, em Pato Branco. O patriarca, Ivo Polo, 68 anos, concluiu nesta semana o curso Herdeiros do Campo, junto com o filho Marcelo, de 34, que é formado em Administração Rural. As duas filhas seguiram carreiras diferentes, no meio urbano. Cassiane, 39, é professora de Química e Vanessa, 31, tenta ser empresária, investindo em um estúdio de maquiagem.
O pai não gostaria que a propriedade de 106 alqueires fosse pulverizada numa divisão de herança. “Acho que cada filho deverá ficar com uma cota. É uma empresa, se der para ampliar alguma coisa, vamos ampliar, mesmo que seja em outros negócios”, diz Ivo Polo. “O próximo passo será reunir a família e conversar com todos. Vamos fazer bem feito para que todos saiam satisfeitos”, complementa Polo, com a habilidade política de quem já exerceu mandatos de vereador e vice-prefeito.
Para participar do curso Herdeiros do Campo, do SENAR-PR, é preciso inscrever pelo menos dois integrantes da família, de diferentes gerações, com idade mínima de 15 anos. O programa é dividido em cinco encontros, que tratam sobre sucessão e governança na empresa rural; a empresa rural e seus cenários; mediação de conflitos; construção da confiança; e elaboração de um plano de sucessão no negócio familiar.
“Sucessão, gestão e tecnologia. É o campo do futuro e em transformação” será o tema do 5º Fórum de Agricultura da América do Sul, promovido pelo Núcleo de Agronegócio da Gazeta do Povo e que acontece nesta semana, dias 24 e 25 de agosto, no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba. Clique AQUI para se inscrever.
Na Europa, produtores não têm para quem deixar o negócio
Enquanto no Brasil se discute como evitar que a propriedade familiar se desfaça na distribuição da herança, na Europa a situação é bem mais dramática. Na foto acima, o produtor holandês Gerard Hartveld, de 52 anos, aparece ao lado do rebanho de vacas leiteiras da propriedade familiar no município de Nieuwyeen.
Gerard dedica-se à atividade “de alma e coração”, mas diz que está abatido porque, como tantos outros fazendeiros holandeses, não possui herdeiros. Segundo o Centro de Estatísticas da Holanda, 60% dos produtores com mais de 55 anos simplesmente não tem para quem deixar suas propriedades.
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