A celulose vegetal branqueada, polímero natural mais abundante no mundo, retirado de árvores como pinus e eucalipto, pode ser usada de maneira eficaz no tratamento de queimaduras, alcançando um custo até mil vezes menor do que o curativo feito de celulose bacteriana.
É o que foi demonstrado em pesquisa de dissertação de mestrado da estudante de Engenharia e Ciência dos Materiais da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Francine Ceccon Claro, com orientação do pesquisador da Embrapa Florestas em Colombo (PR), Washington Luiz Esteves Magalhães. A partir da constatação da pesquisa, a startup do Rio de Janeiro Zynux recebeu financiamento do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) para desenvolver e colocar no mercado o curativo de celulose vegetal.
O pesquisador Washington Magalhães explica que desde a década de 1980 é comum o uso de membranas de celulose bacteriana como pele artificial, mas a fabricação envolve um processo de baixo rendimento e altos custos.
“Aqui na Embrapa Florestas, a gente trabalha com biomassa florestal. O que nós fizemos foi perguntar se não seria possível produzir um filme utilizando celulose vegetal, que é uma commodity, a principal matéria-prima para produzir o papel”. Do jeito que a celulose sai da fábrica hoje, diz Washington, ela não serve para fazer o curativo.
Em laboratório, os pesquisadores submeteram o filme de celulose a um processo de desfibrilação, utilizando apenas água. “Quando mostramos o filme feito pela bactéria e o feito por nós, o médico achou que era a mesma coisa. Afinal, tudo é celulose, seja feita por bactéria ou vegetal”, observa Magalhães.
A diferença, invisível a olho nu, é que na película de celulose vegetal permaneceram “traços” de lignina e hemicelulose, produtos químicos presentes na madeira. O princípio básico de um curativo para queimaduras é não agredir a pele, proporcionando um ambiente adequado para recompor o tecido: estéril, úmido e protegido do meio externo.
O passo seguinte foi testar a película em ratos, a partir de uma parceria com veterinários da Pontifícia Universidade Católica (PUCPR) e com médicos da pós-graduação da Faculdade Evangélica. “A boa notícia é que não houve nenhum problema. Testamos para alergia, não deu nada. Estatisticamente, o nosso filme teve desempenho até um pouquinho melhor. O grande diferencial é que o preço, devido à possibilidade de produção em larga escala, vai ficar cerca de mil vezes mais barato”, conclui Magalhães.
Trata-se de pesquisa inédita. Estima-se que serão necessários ainda quatro anos para o produto chegar ao mercado: dois anos para aprofundar os testes em cobaias e outros dois para concluir o processo de produção industrial. Até lá, o Senai e as instituições parceiras da pesquisa devem patentear o produto. “Com esse preço, é algo que dá para colocar no Sistema Único de Saúde para todo mundo ter acesso”, diz Magalhães.
O estudo também revelou que com a associação de nanopartículas de prata à membrana, após 24 horas o filme liberou 61% de prata em meio úmido, o que indica que o filme apresenta potencial antibacteriano desde as primeiras horas de uso.
Os pesquisadores também investigam a possibilidade de associar outros produtos naturais para dar diferentes funcionalidades ao filme. Uma das opções seria o óleo de calêndula, de origem vegetal e famoso por possuir propriedades cicatrizantes.
Tradicionalmente, a celulose tem outras aplicações na área biomédica, sendo já utilizada em tratamentos renais, substituto temporário de pele, agente hemostático, reconstrução de tecidos, barreira pós-operatória e material de cultura de hepatócitos (células do fígado capazes de sintetizar proteínas).
“Com certeza dá uma satisfação ver esse reconhecimento do nosso trabalho”, diz Francine Ceccon Claro, a estudante de 24 anos que conduziu a pesquisa. Ela agora está em outra missão, cursando doutorado, mas ainda focada no potencial de derivados da madeira. Desta vez Francine verifica a possibilidade de fazer modificações na lignina para explorar suas propriedades antioxidantes e antifúngicas, para aplicação na medicina e na indústria de alimentos.
Decisão do STF que flexibiliza estabilidade de servidores adianta reforma administrativa
Lula enfrenta impasses na cúpula do G20 ao tentar restaurar sua imagem externa
Declaração final do G20 aborda taxação de super-ricos, guerras e regulação de IA
Xingamento de Janja rouba holofotes da “agenda positiva” de Lula; ouça o podcast
Deixe sua opinião