Se em valores absolutos o governo federal amplia em 20,9% a oferta de crédito ao agronegócio, para R$ 187,7 bilhões, uma análise mais detalhada mostra que o setor não escapou dos cortes no orçamento público. Anunciado na semana passada, o Plano Agrícola e Pecuário (PAP) 2015/16 destina verba 11,8% menor para fomentar investimentos no campo (R$ 38,2 bi). Associado ao aumento na taxa média de juros do programa (para 8,75% ao ano), o quadro desperta preocupação de produtores e entidades ligadas ao segmento, em meio ao fraco desempenho da economia brasileira e à queda no preços das principais commodities agrícolas produzidas no país.
O corte na verba direcionada aos investimentos atinge em cheio a parcela dos recursos disponibilizados com juros controlados, que possuem taxas mais baixas, subsidiadas pelo governo. A redução dessa fatia é de R$ 8,5 bilhões (-20,3%), para R$ 33,3 bilhões. O orçamento menor e a elevação nas taxas de juros levam o agronegócio a adotar uma estratégia defensiva, evitando firmar contratos de financiamentos de longo prazo neste ano, aponta o gerente técnico da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar), Flávio Turra. “O custeio é feito anualmente, então, no longo prazo, havendo estabilidade econômica, as taxas podem baixar. Mas para quem está investindo agora os juros não mudam mesmo que a economia melhore”, contextualiza.
A inversão tende a esfriar principalmente os investimentos em infraestrutura. Lançado há dois anos com taxa de juros de 3,5% ao ano e meta de liberar R$ 25 bilhões até 2018 (ou R$ 5 bilhões ao ano), o Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA) deve ter procura reduzida. A taxa subiu para 7,5% ao ano e o orçamento encolheu para R$ 2,4 bilhões. No Paraná, as cooperativas investiram R$ 1 bilhão por ano desde o lançamento do PCA, mas agora o ritmo deve diminuir, aponta Turra.
Custeio
O quadro tende a concentrar a atenção dos produtores no curto prazo. O PAP 2015/16 elevou em 33,5% a oferta de recursos para custeio e comercialização, que agora possui orçamento de R$ 149,5 bilhões -- sendo R$ 96,5 bi com juros subsidiados (65% do total).
“Para o custeio, a tendência é investir o mesmo de sempre, até para obter boas produtividades e garantir renda. Mas a renovação de maquinário e a compra de terras tende a ficar restrita a quem tiver capital próprio para investir”, argumenta o agricultor Valdir Fries, de Itambé (Norte do Paraná).
Os produtores tendem a contornar o aumento dos juros médios do PAP reduzindo a participação do crédito subsidiado no financiamento total da safra. O produtor Leandro Burgel de Souza, de Não-me-Toque (Noroeste do Rio Grande do Sul), financiou 60% do último plantio de soja aproveitando as condições do PAP 2014/15 -- os 40% restantes foram pagos com capital próprio. “Agora vou ter que refazer as contas, utilizando mais recursos próprios ou até mesmo fazendo troca de grãos por produtos”, aponta.
A alta nos encargos financeiros é agravada pelo momento desfavorável do mercado, com alta nos custos de produção dos grãos e queda nos preços internacionais, acrescenta o agricultor.
Indústrias de máquinas preveem apertoA perspectiva de redução dos investimentos no campo tende a respingar na indústria de máquinas e implementos agrícolas, que sente o mercado em retração desde o início do ano. Na avaliação de especialistas, a fragilidade da economia brasileira reduziu o ritmo de compras. Agora, com os juros do Plano Safra mais elevados, a tendência é de que as aquisições sejam adiadas na expectativa de uma redução nas taxas no futuro.
“Se você acreditar que o governo vai conseguir trazer a inflação de volta para o centro da meta [4,5% ao ano], ninguém quer assumir agora um juro tão elevado e continuar pagando ele pelos próximos dez anos”, indica o presidente da Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Pedro Estevão Bastos. Ele projeta queda de 15% a 20% nas vendas neste ano, em comparação com 2014.
Antes mesmo do anúncio do PAP o setor já era afetado pelo reajuste no Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras (Moderfrota). Em março, o governo federal decidiu elevar as taxas médias desta linha de crédito de 4,5% para 7,5% ao ano para empresas com receita operacional inferior a R$ 90 milhões anuais. Já para renda acima de R$ 90 milhões, o financiamento de equipamentos agrícolas subiu de 6% para 9% ao ano.
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