Ninguém precisa provar para o produtor rural os benefícios da preservação da mata e das nascentes. A própria natureza se encarrega disso. A fonte que abastece o sítio do agropecuarista Sérgio Piovesan, em Cascavel (Oeste do Paraná), teve a vazão ampliada “em 20% a 40%” depois que ele revitalizou a vegetação do entorno. Volume essencial para a família e para a engorda de 150 cabeças de gado.
“Eu tinha essa informação, mas não sabia que o resultado seria tão grande. A mata traz água do subsolo, conserva umidade e favorece a chuva”, relata. Recompensa melhor que essa não há, afirma, num momento em que o país retoma a discussão sobre pagamento por serviços ambientais (PSA), em trâmite há sete anos no Congresso Nacional.
A nascente da propriedade de Piovesan foi o local da a comemoração dos dez anos do programa Água Viva, na última semana. A cooperativa Coopavel, que custeia a ação ambiental com apoio da Syngenta, contabiliza 8 mil vertedouros recuperados.
O método de limpeza de nascentes vendo difundido pelo Brasil afora. “Damos treinamento e ajudamos a recuperar fontes também em áreas de outras cooperativas”, relata o presidente da Coopavel, Dilvo Grolli. As 8 mil nascentes restauradas ficam em 70 municípios de dez estados.
Abastecimento
Para o executivo da Coopavel, a preservação das florestas e dos recursos hídricos depende essencialmente de consciência ambiental. “A água tem um valor inestimável nas propriedades rurais, que vai bem além do valor financeiro.” Por outro lado, Grolli considera que o pagamento é a saída para problemas crônicos. “Se pagarmos para a preservar as fontes da zona rural, não haverá desabastecimento urbano”, avalia.
Em Campo Bonito, município de 5 mil habitantes vizinho a Cascavel, a recuperação de 12 nascentes pelo Água Viva afasta o risco de falta de água na rede pública. É o primeiro caso em que a população urbana passa a contar diretamente com serviços ambientais do projeto.
Longo prazo
A recuperação de uma fonte é simples. O serviço leva dois ou três dias. Limpa-se a abertura da nascente e ergue-se uma mureta de barro e cimento, com canos por onde a água escorre. Mas a recuperação da vegetação em volta da fonte leva anos. Piovesan tinha 20 metros de vegetação e teve de ampliar o capão a um raio de 50 metros. O trabalho começou há seis anos, com plantio de angico, guajuvira, cedro, pitangueira e abacateiro. “Foi um investimento nosso”, resume. O Água Viva não oferece remuneração contínua por serviço ambiental.
Projetos que oferecem remuneração — custeada por parceiros como companhias de água — não estão livres do fantasma da descontinuidade. É o caso do Projeto Oásis em Apucarana (Norte do Paraná). Após as últimas eleições, o município suspendeu um sistema apontado como modelo, com repasses a partir da Sanepar.
Lançado em 2006 pela Fundação Grupo Boticário, o Oásis segue demarcando caminho em outras oito regiões. Hoje são 2,48 mil hectares protegidos, envolvendo 155 nascentes em 226 propriedades. A remuneração depende do grau de preservação e da atividade econômica interrompida, mas os contratos são temporários e normalmente duram cinco anos, explica Guilherme Karam, coordenador de Estratégias de Conservação da fundação.
Parcerias
A sustentabilidade vem sendo perseguida por projetos de todos os tamanhos. O Produtor de Água, da Agência Nacional de Águas (ANA) — com 20 frentes de atuação que somam 300 mil hectares e envolvem 1,2 mil produtores — tenta se antecipar à implantação de um sistema nacional de PSA, debatida há sete anos. Até lá, continuará dependendo da ação dos parceiros, afirma o gerente de Uso Sustentável da Água e do Solo da ANA, Devanir Garcia dos Santos.
Se depender de confiança e fé, a experiência do Água Viva também serve de referência. Junto à nascente recuperada, a esposa de Sérgio, Liamar Piovesan, fez questão de instalar uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, onde a família faz suas orações por devoção e agradecimento. A fonte de água mata a sede dos moradores e dos animais da propriedade, e a preservação é considerada essencial para a sustentabilidade de 250 hectares de lavouras.
Experiências indicam quem dever arca com os serviços ambientais
Quanto e quem deve pagar pelos serviços ambientais? Os projetos experimentais em operação dão indicações sobre essas dúvidas. Diferente do que se imagina, a conta não deve ficar com o governo.
O setor que é diretamente beneficiado deve arcar com as despesas, aponta o coordenador de Estratégias de Conservação da Fundação Grupo Boticário, Guilherme Karam. Nesse contexto, o sistema oficial faria contribuição complementar. A remuneração a quem dispõe seu imóvel à preservação da floresta e das águas tende a sair de companhias de abastecimento de água ou de hidrelétricas, por exemplo. O uso dos royalties da extração de petróleo da camada do pré-sal para saúde e educação esfriou as expectativas do setor ambiental de encontrar uma fonte de renda de peso.
O valor também é uma incógnita. O projeto Produtor de Água, da Agência Nacional de Águas, chegou a uma média de R$ 200 por hectare e inclui áreas em produção. Mas não há valor fixo. No projeto Oásis, da Fundação Grupo Boticário, são levados em conta basicamente três critérios: o “custo de oportunidade” (lucro da atividade mais comum da região), as práticas de conservação adotadas na área e o custo do próprio sistema de pagamento. A remuneração começa em 25% e pode chegar ao dobro do lucro que o produtor teria na agropecuária.