Lidar com grandes volumes de dinheiro vivo, em malas e sacolas, é uma tradição na família dos Batista, donos da J&F, maior grupo empresarial de proteína animal do planeta, abalada pela milionária corrupção no relacionamento com políticos e uma série de trapalhadas com gravações e delações.
A prisão dos filhos, Wesley e Joesley, desaposentou no final de semana o octogenário fundador da JBS, José Batista Sobrinho, conhecido como Zé Mineiro. Ele volta a comandar o grupo empresarial por decisão unânime do Conselho de Administração da JBS.
Em vídeo institucional da JBS, Zé Mineiro conta que o início foi assim: carregava de um lado para outro “malas de dinheiro” para comprar, abater e vender boi no interior de Goiás. Não existia contabilidade. “Meu balanço era uma agendinha debaixo do braço e o bolo (de dinheiro) que carregava no bolso”. O filho mais velho, José Batista Júnior (conhecido como Júnior Friboi) conta em vídeo que o pai chegava em casa e “colocava os filhos para arrumar o dinheiro, nota por nota”. “A gente ficava passando as notas amarrotadas, contava, amarrava direitinho, tudo muito caprichado, escrevendo os valores nos pacotes”, diz Júnior.
Zé Mineiro nasceu em Alfenas, Minas Gerais, e recebeu o apelido em Goiás, quando se mudou com os pais, aos 12 anos, para o pequeno município de Urataí. Em 1953 entrou no negócio de carnes abrindo um pequeno frigorífico com o irmão, na cidade de Anápolis, o Casa de Carnes Mineira. O irmão comprava o boi e Zé Mineiro fazia o abate. Começaram matando e vendendo apenas um animal por dia.
Em Anápolis, nasceu o primogênito dos seis filhos com Dona Flora, José Batista Júnior. Os outros são Wesley, Joesley, Valére, Vanessa e Vivianne.
Pioneiro de Brasília
Em 1957, atraídos por incentivos fiscais – quatro anos livres de impostos - os primeiros “irmãos Batista” decidiram partir para Brasília e aproveitar as oportunidades de negócio na construção da nova capital federal. O contrato com o poder público (olha só...) mudou tudo. “Foi uma época que me alavancou, que me deu um impulso. Minha atribuição era fornecer carne nos canteiros de obras. Fazia entrega de carne o dia todo, fornecia para umas 12 companhias, mais ou menos”. “Eu me sinto responsável por parte da construção de Brasília, fui um dos pioneiros”, diz Zé Mineiro.
Em 1970, nova mudança, de volta a Goiás para o município de Formosa, onde fundou a primeira unidade do frigorífico Friboi. A escolha do nome Friboi, depois rebatizado de JBS (iniciais do fundador) foi palpite de um compadre, de Araguari. “O meu amigo disse: tem de ser frigorífico de boi. Fri-boi. Friboi. Eu falei uai, ok”, relata José Batista Sobrinho.
Sob o comando dos filhos de Zé Mineiro, e com um relacionamento mais próximo e promíscuo com o poder, a JBS virou o conglomerado J&F Investimentos que, antes de estourar a crise, atuava em mais de 150 países e empregava 230 mil pessoas. A multinacionalização da JBS ocorreu entre 2007 e 2010, quando o governo Lula, via BNDES, injetou mais de R$ 8 bilhões para o grupo fazer aquisições internacionais. Em contrapartida, como se viu nos tribunais e nas delações, os irmãos Batista devolviam dinheiro aos políticos via propina e financiamento de campanhas. O BNDES continua sócio da empresa, com 21% das ações.
Para salvar o império empresarial da família, José Batista Sobrinho terá que contar dinheiro de novo, como nos velhos tempos, nota por nota. O acordo de leniência da JBS com o Ministério Público Federal prevê o pagamento de 10,3 bilhões de reais para ressarcir o dano aos cofres públicos, parcelados em 25 anos. Para isso, a JBS está vendendo ativos em série – já se foram a Alpargatas, a Vigor, a Eldorado Celulose e operações na Argentina, Paraguai, Uruguai e Irlanda.
E o que pode oferecer Zé Mineiro à frente da J&F, no pior momento dos mais de 60 anos de história da empresa? O vídeo institucional da JBS dá uma pista de uma eventual resposta. “Para vencer na vida, a pessoa tem que ter garra, alguma coisa diferente. E como estudei muito pouco, o que posso oferecer de mim é garra, pontualidade e determinação”.
No desafio de refundar a JBS, o octogenário Zé Mineiro precisará mesmo de toda a garra possível, mas, desta vez, sem as escancaradas benesses do poder público que tanta diferença fizeram para catapultar a empresa, no Brasil e no exterior.
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