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Protesto do MST contra agroquímicos: é preciso ter a mente aberta para aceitar opiniões divergentes, afirma especialista | HENRY MILLEO/GAZETA DO POVO
Protesto do MST contra agroquímicos: é preciso ter a mente aberta para aceitar opiniões divergentes, afirma especialista| Foto: HENRY MILLEO/GAZETA DO POVO

O que acontece quando pessoas recebem ameaças de morte quando expressam suas opiniões sobre agricultura?

A toxidade do debate sobre o agronegócio em geral e sobre organismos geneticamente modificados (GMO), em particular, é tão dura que quando um reconhecido jornalista e ambientalista britânico chamado Mark Lynas mudou sua opinião sobre transgênicos ele não ficou sequer surpreso ao receber ameaças de morte. “Eu recebi algumas”, confessa.

Os palavrões e os trolls da internet já eram esperados quando colocou sua cabeça a prêmio para apoiar os GMOs. Eu mesmo já ouvi uma série de insultos: “Nazista, assassino de bebês, apoiador da Monsanto”, e uma série de coisas que não podemos pulicar nesta coluna.

Eu entendo por que eles estão bravos. Mas ultimamente notei certo exagero que coloca a “ciência” como um bastão para intimidar não apenas pessoas “anti-transgênicos”, mas também que expressam ceticismo sobre agricultura convencional, ou mesmo confiança em produções orgânicas. Rob Wallbridge, que produz vegetais orgânicos no Canada, e Carolyn Olson, produtora de Minnesota, escutam a todo instante: orgânicos são anti-ciência, orgânicos são uma farsa.

“Já me disseram que eu deveria optar pelas 20 milhões de pessoas que vão morrer de fome porque os orgânicos não conseguem alimentar o mundo”, diz Olson.

Tais sentimentos, assim como aqueles que dizem que se deve boicotar a comida orgânica, sempre surgem na linha do tempo das minhas mídias sociais, daquelas pessoas que utilizam “ciência” como sinônimo para “verdade” e acreditam que tem uma linha direta com o que é certo.

Ainda assim, eu não vejo similaridade. Ainda que eu considere a retórica anti-orgânica desagradável, eu não vejo o mesmo nível de ataques pessoais e ameaças como aquelas que emanam do setor contra organismos geneticamente modificados. Contudo, estou particularmente desanimado porque eu quero que a ciência seja a vencedora, mas utilizar isso para bater nas cabeças das pessoas não me parece uma estratégia vencedora. Não é legal e, certamente, não é persuasivo.

Agricultores colocam fogo em soja transgênica para abordar o debate sobre produtos geneticamente modificados ANIELE NASCIMENTO

Não deveríamos precisar que um profissional nos diga para sermos civilizados, mas Dominique Brossard está aqui para nós. Ela é a presidente do departamento de Comunicação de Ciências da Vida na Universidade de Wisconsin, em Madison, nos Estados Unidos, e estuda os efeitos da grosseria no discurso. Logo de cara, um resultado que não é bacana: a grosseria aumenta a polarização do discurso e coloca as divergências ainda mais longe. O que aprece desagradável, fica ainda pior. Acontece uma regressão no argumento.

“Se você quer convencer alguém, você precisa encontrar um lugar comum no qual ambos possam concordar”, afirma Brossard. “Ao ser grosso ou rude, você não está no mesmo lugar que a outra pessoa. Você não está construindo nenhum tipo de confiança, e a persuasão é baseada na confiança”.

Esse é o motivo pelo qual vou destacar aqui o termo “anti-ciência”. Enquanto é definitivamente inadequado chamar alguém de “assassino de bebês”, insultar alguém que discorda com você dizendo que ela vai contra a ciência é tão ruim quanto, porque desde o início dos tempos acredita-se que é preciso ser coerente com a ciência.

Nós tomamos como parâmetro a ciência que nós mais gostamos. Você pode tomar parte da opinião da esmagadora maioria quando o tema é, por exemplo, a segurança do milho transgênico, mas concordar com a minoria sobre a culpa do homem sobre as mudanças climáticas. E vice-versa.

Só é possível fazer isso porque existe a incerteza em todas as coisas. A ciência não é a verdade, a ciência é um processo no qual nós acreditamos - com diligência, tempo e um pouco de sorte - para finalmente alcançar a verdade. Mas muitas coisas ficam no caminho: conflitos de interesse, metodologias questionáveis, análise de dados, publicações, erros em pesquisas. Você pode imaginar o quão pitoresca irá parecer a ciência de hoje em dia daqui a 300 anos? Então, por favor, dá um tempo...

A incerteza é o que dá um passe livre para discordarmos da ciência. É o que nos permite dizer “sim, mas...” para todos os conceitos científicos que entram em conflito com nossa visão de mundo. É claro que existem coisas que trazem menos incertezas do que outras, e questionar sobre a gordura saturada não é o mesmo que questionar a importância das vacinas para a saúde pública. Mas há sempre algum estudo, algo que diz o que deveríamos fazer.

“Você pode tomar parte da opinião da esmagadora maioria quando o tema é, por exemplo, a segurança do milho transgênico, mas concordar com a minoria sobre a culpa do homem sobre as mudanças climáticas”Arquivo/Gazeta do Povo

O mais importante sobre a ciência é que todos nós fazemos uso dela. Contudo, é incrível para nós quando outras pessoas fazem isso e misteriosamente imperceptível quando nós mesmos temos essa atitude, o que já me parece uma boa razão para não rotular os outros como anti-científicos.

Existem, claro, pessoas e grupos com opiniões compatíveis, mas o desprezo é um fator relevante para a missão fracassar. Quando uma bem-educada agricultora orgânica é chamada de cúmplice em genocídio, significa que as coisas saíram do controle.

Nada de bom pode acontecer quando você é grosso, mas duas coisas boas podem acontecer quando você não age assim. A primeira delas é que você pode fazer com que a pessoa repense sua posição. Eu pedi às mesmas pessoas que me ofenderam para me contarem suas experiências, e praticamente todas começaram em um lugar comum. Mães que se aproximaram de mães, amigos que se aproximaram de amigos, pais que se aproximaram de professores.

Mark Lynas (o jornalista agredido no início deste texto) está para lançar um livro sobre transgênicos chamado “Sementes da Ciência”, e jogou fora a primeira parte de um rascunho. “O que faltava era uma compreensão respeitosa do por que as pessoas têm pontos de vista diferentes”, diz. O que ele queria, antes, era compartilhar seu próprio sistema de crenças: “Dizer que eles eram estúpidos e que estavam errados era o mesmo que dizer que eu sou estúpido e estou errado”.

“Se você for rude e falar com raiva, você irá destruir sua própria efetividade”, diz Dominique Brossard. Ou, como minha mãe diria, “você pega mais moscas com mel do que com vinagre”.

A segunda coisa boa que pode acontecer é ainda mais importante. Eu tenho uma teoria em que esforços genuínos para ver outro ponto vista em uma pessoa, para que se concorde em um ponto comum, torna você mesmo mais propenso a mudar de opinião. Eu não tenho evidencias disso, e também não conheço alguém que tenha estudado isso. Tudo que eu sei é que ao me engajar, de forma simpática, com pessoas que discordam de mim eu me tornei mais brando em algumas de minhas posições.

Atualmente, por exemplo, tenho uma visão mais aceitável sobre herbicidas do que já tive. Também vejo méritos na agricultura orgânica e estou menos convencido de que os subsídios sejam essenciais para o abastecimento alimentar. Mudei minha visão complemente sobre o programa de assistência nutricional, frequentemente visto como algo para inserir selos em alimentos: eu era cético sobre o impacto desse programa na saúde pública, mas agora estou convencido sobre os benefícios disso em comunidades vulneráveis.

Essa não é uma lista impressionante, dado ao fato de que estou com a mente aberta escrevendo colunas de jornal já faz alguns anos. Contudo, aprendi o quão difícil é olhar para além de nossos preconceitos.

Ser amável, contudo, é fácil. Bem, relativamente fácil: em momentos de fraqueza eu certamente fui arrogante e sarcástico, e estou me esforçando para não agir assim.

Em geral, meus objetivos para 2018 são ser mais gentil, tentar mudar mais minha visão de mundo e persuadir as pessoas a deixarem de lado de seu vocabulário o termo “anti-ciência”. E a expressão “assassino de bebês” também.

Tamar Haspel é especialista sobre alimentos e ciência e sobre produção de fazendas de ostras no Massachusetts.

Tradução: Giorgio Dal Molin

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