Fazendeiros negros do Sul dos Estados Unidos se dizem vítimas de racismo e acusam a empresa Stine Seed Company de vender deliberadamente sementes de soja estragadas para tirá-los do negócio.
No processo judicial, a Associação de Produtores Afro-americanos do Tennessee e do Mississipi diz que a Stine Seed forneceu sementes supostamente de alta qualidade e com promessa de boas colheitas. Apesar de cultivarem em solo fértil e com equipamento adequado, e favorecidos por um bom regime de chuvas, os produtores dizem que as colheitas ficaram muito abaixo do esperado. Os proprietários de uma fazenda de 900 hectares no município de Rome, no Mississipi, alegam ter perdido mais de US$ 1 milhão em função da péssima produtividade.
“Eles têm toda uma vida na agricultura, são produtores capazes. Tinham equipamentos novos, nenhum trator antigo... Se não fossem essas sementes estragadas, eles obteriam uma ótima colheita”, diz Thomas Burrell, presidente da Associação de Produtores Afro-americanos de Memphis.
A companhia Stine Seeds, com sede no estado de Iowa, nega com veemência as acusações de racismo e sabotagem. Ela pede o arquivamento do processo, aberto em abril numa corte federal do Tennessee. Alegando que as acusações são “incendiárias”, a empresa disse que os fazendeiros não conseguiram apresentar nenhuma evidência de que foram tratados injustamente, por causa da cor da pele.
Alegações irresponsáveis
“A Stine Seed leva muito a sério qualquer possibilidade de conduta ilegal ou imprópria. Lamentamos muito as alegações irresponsáveis e sem nenhum fundamento que estão sendo levantadas”, dizem os advogados da empresa no pedido para arquivamento do caso, apresentado nesta semana.
Myron Stine, presidente da empresa, afirmou que o processo judicial “não tem nem mérito nem base na realidade dos fatos”. A companhia conduziu uma investigação interna e não encontrou evidência de discriminação racial. Em defesa, um porta-voz disse ainda que a empresa vende milhares de sementes a cada safra que resultam em milhões de hectares cultivados por todo o País.
No processo, consta que os produtores compraram US$ 100 mil em sementes de soja da Stine Seed na primavera de 2017, durante uma exposição agropecuária em Memphis. Na ocasião, o gerente de vendas teria afirmado que as sementes eram próprias para cultivo na região do Mississipi. Durante o processo de compra, no entanto, as sementes certificadas teriam sido trocadas por outras, de qualidade inferior.
“Os produtores perceberam logo de saída, entre abril e maio de 2017, que as sementes tinham problemas de germinação”, afirma Burrell, um dos reclamantes. “O pessoal vivia reclamando que suas plantas não eram tão produtivas quanto as dos fazendeiros brancos, vizinhos”.
Foi anexado ao processo um teste do laboratório da Universidade Estadual do Mississipi, de dezembro, que atesta que as sementes compradas pelos produtores negros estavam dormentes. Um porta-voz da Stine Seed afirmou que o teste foi realizado seis meses depois da venda das sementes, e que, portanto, não haveria como fazer uma contraprova.
Alguns produtores alegam que costumam colher 40 sacas de soja por hectare, mas, no ano passado, o resultado foi menos da metade disso por causa das sementes problemáticas. Outros dizem ter colhido apenas 5 sacas por hectare.
Desastre e contas a pagar
“Quando você compra semente certificada, é porque ela vem com máximo potencial de germinação. Mas essas sementes não se desenvolveram como esperado, apesar de sol e chuva favoráveis”, argumenta David Allen Hall, outro reclamante. “As sementes não germinaram de forma regular, não tiveram crescimento sustentável e produziram plantas muito fracas”.
“A produção foi um desastre. Tenho contas a pagar”, diz Hall. Perguntado sobre quanto dinheiro perdeu, ele apenas respondeu: “uma quantia considerável”.
A empresa de sementes, em contrapartida, diz que os produtores não conseguiram apresentar qualquer prova de que tenham sido vítimas de discriminação racial. No processo, observa que não foram citados quaisquer episódios de ofensas racistas contras eles ou de tratamento diferenciado.
O produtor Burrell reconhece que não houve comentários racistas. “Nossa queixa não é sobre terem nos chamado disso ou daquilo. Mas, no final das contas, nossos direitos civis foram violados. Os fazendeiros brancos tiveram tratamento diferente. Eles não receberam sementes com problema de germinação”.
O episódio faria parte de um movimento sistêmico contra agricultores afro-americanos no Sul dos Estados Unidos. Segundo Burrell, “essas são as novas vítimas de um velho problema”.
Em 1997, dois produtores afro-americanos processaram o Departamento de Agricultura (USDA), alegando terem sido sistematicamente discriminados na concessão de empréstimos bancários e assistência técnica. Em 2010, o governo fez um acordo de US$ 1,25 bilhão envolvendo 18 mil produtores. Desde então, fazendeiros hispânicos e nativos americanos também processaram o governo. Em 2010, a administração do presidente Barack Obama ofereceu US$ 1,3 bilhão para encerrar litígios de fazendeiros latinos e de mulheres que acusavam o USDA de discriminação.
A maioria dos fazendeiros negros vive nos estados do Sul, como Mississipi, Lousiana, Carolina do Sul, Alabama e Georgia. De acordo com o censo de 2012, o número de produtores negros aumentou 12% desde 2007. Hoje seriam 44.600, ou cerca de 1,4% dos 3,2 milhões de fazendeiros do País.
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