Os brasileiros entram com a experiência em melhoramento genético, testes a campo e variedades altamente produtivas de soja; os israelenses, com expertise e tecnologia de ponta para mapear quais são os genes responsáveis pelos atributos desejáveis numa planta. O resultado, espera-se, será o desenvolvimento de uma soja resistente aos nematoides, praga agrícola que dá prejuízo de R$ 16,2 bilhões por ano às lavouras brasileiras.
Apesar de coincidir com o discurso do governo Bolsonaro de intensificar as relações diplomáticas, tecnológicas e comerciais com Israel – cujos desdobramentos mais recentes foram a vinda de equipes israelenses para ajudar nos resgates em Brumadinho e a presença do primeiro-ministro Benjamin Nethaniahu na posse do novo presidente – a parceria entre a brasileira TMG – Tropical Melhoramento & Genética S/A e a israelense Evogene Ltda é anterior ao discurso oficial. Isso não quer dizer, no entanto, que a boa vontade entre os dois governos não favoreça novas empreitadas conjuntas.
“A parceria não tem a ver com essa proximidade dos governos, até por que estamos conversando com essa empresa há quase dois anos. A Evogene é bem consolidada no mercado de biotecnologia, ela descobre e fornece genes a multinacionais. Foi só uma coincidência”, diz Alexandre Garcia, gestor de pesquisa da TMG, que tem sede em Cambé, no Norte do Paraná, e unidades em Sorriso e Rondonópolis, no Mato Grosso. “Mas esse discurso do governo vai ajudar, a gente espera, principalmente em novos projetos”, complementa.
A edição de genomas é vista como uma das áreas mais promissoras da biotecnologia e está sendo rapidamente incorporada à pesquisa em universidades e empresas. O processo regulatório é mais brando em comparação com a transgenia, o que pode facilitar o acesso aos mercados, com exceção da Europa, onde as regras são as mesmas dos transgênicos.
Por meio de técnicas como o Crispr, a edição genômica permite fazer modificações pontuais, precisas, no DNA de uma célula. Os cientistas podem, assim, desligar o gene responsável por um determinado atributo. Na colaboração com os brasileiros, a Evogene vai utilizar sua plataforma CPB (Computational Predictive Biology ou Biologia Preditiva Computacional) para identificar as edições necessárias do genoma que resultem em resistência aos nematoides que atacam a soja. Em seguida, essas edições serão feitas no germoplasma de soja comercial da TMG. Na etapa seguinte, a TMG irá validar a eficácia da soja editada em ensaios de campo nas principais regiões produtivas do Brasil e incorporará a nova característica em seu programa de melhoramento genético.
Bilhões
Os nematoides que parasitam a cultura da soja são hoje um dos patógenos que mais causam prejuízos com a redução de rendimento nas lavouras, podendo provocar até 70% de perdas, dependendo da espécie presente na área cultivada. Na maioria invisíveis a olho nu, os nematoides vivem no solo se alimentando dos nutrientes das raízes e provocam o crescimento deficiente da planta. Estima-se que o impacto, apenas na cultura da soja no Brasil, seja de R$ 16,2 bilhões por ano, segundo dados da Sociedade Brasileira de Nematologia (SBN).
Francisco Soares Neto, diretor presidente da TMG, diz que a parceria com os israelenses terá impacto internacional. “Esperamos que traga excelentes resultados para os produtores de soja em todo o mundo”.
Uma vez encontrado o caminho para criar a soja resistente aos nematoides, serão necessários de 18 a 24 meses para realizar a chamada prova de conceito, para confirmar o resultado a campo. Depois, a tecnologia precisará ser aprovada, ainda, pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão regulador. “Baseados em algoritmos e ferramentas sofisticadas, os israelenses têm uma capacidade de pesquisa que consegue identificar os genes candidatos para qualquer característica que você queira”, destaca Garcia. Como a Evogene tem ações negociadas em Bolsa, a TMG não divulga os valores envolvidos no negócio.
Em outra frente de pesquisa, a TMG, que tem entre seus sócios grandes grupos do agronegócio brasileiro, como Bom Jesus, Amaggi, Bom Futuro e Sementes Tropical, aguarda aprovação da CTNBio à soja HB4, enxertada geneticamente com um gene de girassol que a torna mais resistente à seca. Na safra 2017/18, quando a Argentina enfrentou a pior seca dos últimos 40 anos, a HB4 apresentou produtividade até 30% maior do que outras cultivares. “É a tecnologia mais avançada que existe hoje, em soja, para resistência à seca. Já está aprovada na Argentina e nos EUA. Temos ela em cultivo controlado em Cambé e em Rondonópolis. Visualmente, o resultado é fantástico, mas a gente não colheu ainda para saber o que está respondendo em produtividade”, revela.
* O jornalista viajou ao Show Rural, em Cascavel, a convite da Bayer.
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