Maior produtor de trigo do Brasil, o Paraná já colheu aproximadamente dois terços do 1,083 milhão de hectares dedicados à cultura na safra atual, segundo estimativas do Departamento de Economia Rural (Deral), vinculado à Secretaria da Agricultura. Mas os produtores não têm motivos para comemorar. Cotada a R$ 36, em média, a saca de 60 quilos está abaixo do preço mínimo definido pelo governo federal, estipulado em R$ 38,65. Ao todo, o estado espera colher 3,2 milhões de toneladas.
Queda no preço da matéria-prima não significa pão mais barato
Os produtos derivados do trigo, como pães, massas e biscoitos, não ficarão, necessariamente, mais baratos por causa da queda no preço da matéria-prima. De acordo com o presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Massas Alimentícias e Pães (Abimapi), Cláudio Zanão, além dos custos com o cereal, as indústrias têm uma série de outras despesas fixas como energia e mão de obra, que diminuem as margens para reduções bruscas de preço.
Zanão também explica que há outros fatores que pesam, como as estratégias adotadas por cada uma das indústrias e pelas redes varejistas. “Existem empresas que têm produtos estocados que foram comprados quando o preço da farinha ainda estava alto e não podem abrir mão. Existe supermercado que comprou quando estava caro e não pode baixar. Não há uma regra específica”, explica.
Segundo ele, muitas empresas aproveitam o momento para fazer promoções, aumentar o share, ganhar mercado, espaço e até diminuir preço. “É tudo uma questão de estratégia e planejamento. Há quem precise fazer caixa, repor custos, há quem possa adotar uma postura diferente. É a lei do mercado. Não é igual para todos. Cada indústria toma a decisão com base na necessidade dela”, afirma. “Mas há sim uma oportunidade grande para que os preços caiam”.
De acordo com o analista da Safras e Mercado Jonathan Pinheiro, estoques mundiais elevados e a expectativa de grandes colheitas no Brasil e na Argentina pressionam para baixo o preço do cereal no mercado interno. Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Brasil deve colher 6,2 milhões de toneladas, 12,1% a mais do que na safra passada, quando houve quebra de produção no Rio Grande do Sul. Os argentinos apostam numa colheita de 14 milhões de toneladas. “Com retirada do imposto de exportação do trigo na Argentina, as chamadas retenciones, o país aumentou a produção e ganhou competitividade”, explica Pinheiro. “A tendência é que os preços por aqui continuem caindo”, acrescenta. A expectativa é que a safra argentina comece a entrar no mercado em dezembro.
A opinião é dividida pelo analista da AF News Gabriel Ferreira. “Até novembro, com certeza, a tendência é de queda. A oferta é grande e os moinhos estão abastecidos. Existe praça, inclusive, onde o preço nem foi fixado”, afirma.
O produtor Flávio de Albuquerque Carvalho, de Castro, na região dos Campos Gerais, ainda não colheu os 630 hectares que dedicou à cultura, mas está desanimado com os valores. “Com esse preço, os custos de produção não se pagam”, diz. Em Cambé, no Norte do estado, Gilvane Amano já terminou a colheita de 72 hectares de trigo, mas o cereal não vai sair da propriedade. “O preço atual não cobre meu custo. O justo seria, no mínimo, R$ 40 por saca. Não tenho como vender por menos”, lamenta. Gilvane também reclamou da política de preço mínimo do governo. “O valor tinha que ser revisto e, principalmente, aplicado. Acho que o modelo atual é uma falta de respeito com o produtor. Eu não planto trigo apenas para ganhar dinheiro, é pelo gosto da terra, pela rotação”, protesta.
Estratégia
A expectativa é de que o consumo de trigo no Brasil chegue a 10,7 milhões de toneladas em 2016. A Conab estima que o país vá importar 5,3 milhões de toneladas. Segundo os analistas, para retomar os preços e não desestimular os produtores, o governo teria que agir através de leilões, mas por causa da crise econômica, e dos cortes de gastos, isso não será tão fácil. “Tem muito trigo para entrar no mercado”, diz Jonathan Pinheiro. “Como não tem recursos do governo federal, acho que vai ter um desestímulo muito grande para safra de 2017”, afirma o presidente do Sindicato da Indústria do Trigo do Estado de São Paulo, Christian Saigh.