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As frequentes chuvas que acompanham o fenômeno climático El Niño nas principais áreas produtoras de trigo da América do Sul preocupam agricultores que colhem no segundo semestre, com possibilidade de perdas pela umidade, e já reduziram a intenção de plantio do cereal no Rio Grande do Sul.

"Alguns produtores no Rio Grande do Sul reduziram a área e uso de tecnologia, porque esperam uma safra deteriorada, como no ano passado. Eles pensam assim: já que eu não vou colher trigo bom, eu vou gastar menos com tecnologia. Essas informações sobre El Niño estão tendo esse efeito", diz o analista sênior da consultoria Trigo & Farinhas, Luiz Carlos Pacheco

Caso se confirmem as chuvas e as temperaturas acima da média em um período tradicionalmente mais seco e frio -- condição mais adequada para o trigo --, os eventuais problemas gerados pelo El Niño para a safra sul-americana, como doenças fúngicas e germinação de grãos na espiga pela umidade, poderiam reduzir a produção de forma acentuada.

O Rio Grande do Sul, grande estado produtor do cereal no país, teve reduzida sua colheita no ano passado praticamente a metade do que colheu em 2013, quando obteve uma safra recorde acima de 3 milhões de toneladas. Os gaúchos colheram apenas 1,67 milhão de toneladas em 2014, segundo dados da Emater, órgão de assistência técnica do governo estadual.

O plantio de trigo no Rio Grande do Sul está apenas começando, mas a expectativa inicial da Emater é de um recuo de 20% na área cultivada. O estado respondeu por mais da metade da produção do Brasil em 2013.

"Essa divulgação do fenômeno El Niño também contribui para que o agricultor fique temeroso em relação ao resultado da lavoura. É a aquela velha história, cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça", comentou o engenheiro agrônomo na Emater Ataides Jacobsen, sobre a influência da expectativa do clima para a intenção de plantio.

Segundo Jacobsen, houve uma redução acentuada da safra na temporada passada pela da ocorrência de chuvas por vários dias seguidos, em um período que deveria ser mais seco, por conta da ocorrência naquela época de um El Niño de fraca intensidade.

Para este ano, as chances de um fenômeno mais intenso são maiores, apontam meteorologistas.

Umidade mais elevada e um inverno com temperaturas acima da média configuram ambiente ideal para proliferação de fungos e bactérias, que afetam a produtividade, disse o agrônomo.

No Paraná, principal produtor do Brasil no ano passado, também existe preocupação. Contudo, o engenheiro agrônomo e assessor técnico da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar) Robson Mafioletti ponderou que os paranaenses tiveram uma "safra excepcional" em 2014, apesar do El Niño. "Tem um risco maior para o trigo, mas não é certeza, e a gente torce para que não ocorram problemas... Não é uma tragédia anunciada. Ano passado tinha El Niño e o Paraná não sofreu, o trigo foi de ótima qualidade."

A colheita do Paraná deve ter menos chance de ser atingida pelo El Niño já que o plantio no estado ocorre, em sua maioria, antes do Rio Grande do Sul. Alguns especialistas acreditam que as precipitações podem ser mais intensas nos últimos dois meses do ano, quando a maior parte do cereal paranaense já terá sido colhida.

Importação

A ocorrência de El Niño também poderia prejudicar a colheita na Argentina e no Uruguai, importantes exportadores de trigo para o Brasil.

"A lógica [do El Niño para o Rio Grande do Sul] vale para Argentina e Uruguai. Acho que a safra argentina tem que esperar acontecer, mas o sentimento que tenho é que a Argentina vai ser mais afetada [pelo El Niño], vai inundar mais que no ano passado. Eles [argentinos] colhem em novembro e dezembro, ali vai ser o forte do El Niño", comentou Pacheco, da consultoria Trigo & Farinhas.

"Significa ambiente ruim para as culturas de inverno. Com estes invernos quentes que tivemos e que vamos ter novamente, o trigo vem medíocre [na Argentina]", disse o assessor climático da Bolsa de Cereais de Buenos Aires, Eduardo Sierra.

A Argentina é tradicionalmente o principal fornecedor do Brasil, um importador líquido do cereal. Mesmo assim, uma eventual queda na produção de trigo no Mercosul não deverá exigir que os moinhos brasileiros elevem suas importações na América do Norte, pois os argentinos dispõem de volumosos estoques da safra passada, disse Pacheco.

"Com ou sem o efeito do El Niño vai ter uma sobra de trigo, que vai fazer com que muito provavelmente as importações [pelo Brasil] no Canadá e Estados Unidos caiam a zero", disse Pacheco, referindo-se a estoques de trigo na Argentina estimados em mais de 3 milhões de toneladas, que podem atender ao Brasil, em caso de perda na safra.

Segundo o especialista, importações fora do Mercosul, que são mais custosas, uma vez que as feitas dentro do bloco econômico são isentas de tarifas, poderiam ocorrer apenas se o El Niño provocar uma "tragédia" para toda a safra da região, resultando em perdas que nem mesmo os estoques seriam capazes de suprir.

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