Com as mãos grossas e da cor do barro, os irmãos Lauri e Odilo Ziegler plantam soja sem descanso até o fim desta semana em nove retalhos de terra que somam 80 hectares no Noroeste gaúcho. Às margens do Rio Santa Rosa, eles repetem verdadeiro ritual cumprido há exatamente um século na região. A plantadeira de dez linhas, pequena como pedem as áreas de relevo irregular das coxilhas, deposita no solo semente, adubo e expectativa. Para os produtores que vivem no berço brasileiro da soja – grão que se tornou esteio da economia nacional –, toda temporada é uma chance de superação, mesmo sob clima irregular.
Lauri e Odilo não querem nem saber de milho. Depois da colheita do trigo, é soja todo verão. E não seria diferente no ano em que o Brasil deve colher a maior safra do mundo da oleaginosa. Mesmo numa região em que falta de chuva é mais comum do que safra cheia, a dupla alcança 55 sacas (3,3 toneladas) por hectare, o dobro do volume de três décadas atrás. Uma dedicação incondicional à sojicultura que diz muito sobre os produtores gaúchos, hoje espalhados em todas as regiões do país.
O Brasil está plantando 29 milhões de hectares de soja, a maior área da história, confirmou novo relatório da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com expansão de 5% sobre o ano passado. Mesmo onde a cultura surgiu um século atrás, os produtores encontram espaço – reduzindo área de milho, arroz e pastagem – para ampliar o cultivo da oleaginosa, conferiu a Expedição Safra Gazeta do Povo, que percorreu 2,8 mil quilômetros pela Região Sul na última semana e monitora o plantio até dezembro.
A maior safra de soja do mundo tem potencial para 90 milhões de toneladas, com expansão em Mato Grosso, líder em produção (responsável por 29% da colheita), e nos estados tradicionais, como Paraná (18%) e Rio Grande do Sul (14,5%). A nova fronteira agrícola do Centro-Norte, que abrange Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (o MaToPiBa), deve confirmar incremento de aproximadamente 10% no plantio nas próximas semanas, dando suporte para uma safra nacional de 200 milhões de toneladas de grãos, projetam os técnicos da Expedição.
A safra nacional de soja promete render R$ 85 bilhões, com R$ 5 bilhões de expansão sobre o último ano, apontam as projeções do setor produtivo. O valor da colheita do grão mais plantado pela agricultura brasileira já equivale a um mês de arrecadação de impostos do governo federal ou ao orçamento anual do Ministério da Saúde.
Grão era café para os colonos gaúchos pioneiros
As primeiras sementes de soja chegaram em 1913 na região de Santa Rosa, o “berço nacional da soja”, sustenta a historiadora Teresa Christensen. Nordestina de Natal, ela mora no município do Noroeste gaúcho há quatro décadas e pesquisa há mais de dez anos a história do grão “que se espalhou pelo Brasil”. Seus estudos renderam um livro sobre os registros que envolvem a criação de Santa Rosa e outro sobre a Festa Nacional da Soja – a Fenasoja, realizada a cada dois anos, com a 20ª edição entre 25 de abril e 4 de maio de 2014.
Os primeiros dez anos foram de experimentos, que ocorriam também em localidades como Viamão (Leste) e Dom Pedrito (Sudoeste gaúcho). Foi a partir de 1923 que as lavouras ganharam importância na região de Santa Rosa, aponta. Teresa apurou que o pastor americano Albert Lehenbauer distribuiu soja entre agricultores que mal podiam suspeitar do potencial da cultura, cultivada há 4 mil anos na Ásia. Com rendimento cada vez maior, os grãos passaram a ser usados na produção de óleo, em substituição ao café – depois de torrados com açúcar mascavo – e na alimentação animal. Era o início de um ciclo econômico sem precedentes na história do Brasil.
A região onde os produtores inauguraram o cultivo comercial em lotes de 25 hectares ainda pertencia a Santo Ângelo. Tornou-se município em 1931 e, à época, era considerado desenvolvido, com estradas bem cuidadas e energia elétrica. Cem anos é pouco tempo quando se observa o tamanho do complexo agroindustrial instalado em todo o país atualmente, afirma Teresa. Ainda hoje, “é difícil imaginar até onde vai o cultivo da soja e sua força na economia”, avalia.
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