O óleo diesel consumido por tratores, caminhões e colhedeiras é um dos insumos que mais pesam na planilha de custos dos agricultores brasileiros, chegando a responder por até 30% dos gastos de colheita. A guerra da Ucrânia e as instabilidades do mercado de combustíveis fósseis só têm feito essa conta aumentar. “Tenho 64 anos e pela primeira vez na vida eu vejo o preço do diesel mais caro que o da gasolina”, diz Fábio Pimentel de Barros, sócio-proprietário da granja de suinocultura da SF Agropecuária em Brasilândia, no Mato Grosso do Sul.
O preço do combustível, contudo, já não tira o sono de Barros. Ele largou na frente e poderá se tornar o primeiro produtor brasileiro a declarar independência em relação ao óleo diesel. Os dejetos da granja de suínos já produziam biogás para gerar energia elétrica. Agora, o gás passa por mais um estágio de transformação, e agregação de valor, por meio da separação do metano, que é usado para mover um trator de 180 cavalos da New Holland. Barros é o primeiro agricultor do país a comprar o modelo T6 180 Methane Power, que reduz a emissão de poluentes em até 80% na comparação com um motor diesel padrão.
À parte os benefícios ambientais do uso do biometano – se livrar de um passivo de excrementos, produzir adubo orgânico e sequestrar um poderoso gás de efeito estufa –, o resultado econômico fala por si só. A começar pela elegibilidade para créditos de descarbonização do programa Renovabio, que as distribuidoras são obrigadas a comprar. Mas também na comparação financeira direta entre biometano e óleo diesel.
Economia perto de 90% em relação ao diesel
“O preço do litro de óleo diesel e do metro cúbico do gás (GNV), na bomba, se equivalem. Mas devido à redução do consumo do trator movido a metano, você já sai com uma vantagem de 40%. Só que o gás está aqui, eu vou vender para mim mesmo. E o preço do gás produzido na fazenda é de apenas R$ 1 o metro cúbico. Daí a vantagem econômica passa a ser de 90%”, sublinha Barros.
O biometano, assim, seria “três vezes mais vantajoso” em termos de economia do que o próprio biogás, usado na geração de energia elétrica.
Barros investiu cerca de R$ 1 milhão na compra do trator T6 da New Holland, movido a biometano, cujos protótipos estava em testes no país há seis anos. Para viabilizar a inovação tecnológica, contudo, o empresário precisou implantar o seu próprio posto de combustível. No caso, uma estação compacta de purificação e compressão do gás natural desenvolvida em parceria da New Holland com as empresas Sebigas Cotica (instalação do biodigestor), Air Liquide (purificação do biogás) e FPT (motor a gás cogerador de energia elétrica).
Joint-ventures assim já ocorreram na Europa, onde a tecnologia do biometano está mais madura, mas nunca tinham chegado à redução de escala obtida no Brasil, nem a uma solução integrada. Enquanto aqui a estação já pode ser movida com produção de 50 m3 de gás por hora, na Europa o mínimo exigido costuma variar entre 1 mil e 5 mil m3 por hora. Isso abre a possibilidade de que a tecnologia para geração de energia e combustível próprios, já utilizada por gigantes como a Raízen, chegue também para milhares de suinocultores, avicultores, criadores de gado de leite e de corte.
Bioposto em escala menor multiplica potencial do metano
“É diferente de qualquer lugar do mundo. Essa solução antes não tinha escala nem estava integrada. Se você quisesse ter um equipamento desses, você tinha que comprar um sistema de purificação e um sistema de compressão e fazer a interligação pela sua própria lógica. Aqui nós temos tudo integrado, de forma viável, segura e robusta para o produtor rural”, diz Caio Mogyca, diretor de desenvolvimento da Air Liquide para a América do Sul.
A diminuição de escala representa democratização e oferta de biometano no país inteiro, na avaliação de Alessandro Garnemann, presidente da Associação Brasileira de Biogás (Abiogas).
“É economia circular na veia, agrega a substituição de combustíveis caros como o diesel e o GLP, trazendo segurança energética. A gente não pode esquecer que o biometano foi regulado não faz nem cinco anos. E só o projeto de infraestrutura, e seu desenvolvimento, leva dois a três anos. A oferta do trator a gás é a grande prova da viabilidade e da importância deste combustível. Acho que o ciclo todo está se fechando, tem tecnologia, tem matéria-prima disponível, tem oferta de equipamento. Agora passam a surgir os projetos de referência, tais como esse que a New Holland inaugurou”, enfatiza Garnemann.
O investimento do produtor pioneiro do Mato Grosso do Sul na estação foi de R$ 1,7 milhão, que deve se pagar em dois a quatro anos, em função da economia com o diesel. Em paralelo, o empresário começou um projeto para substituir os caminhões por modelos movidos a gás. O biometano tem a mesma especificação e se equivale ao gás natural extraído do petróleo.
Biometano poderia substituir 70% do diesel
Atualmente existem no país mais de mil plantas de biogás, utilizado prioritariamente para geração de energia. Isso coloca o país no quinto lugar mundial neste mercado, atrás apenas de Alemanha, China, Estados Unidos e Itália. Apesar disso, o Brasil utiliza apenas 3% das matérias-primas orgânicas disponíveis para produção de gás renovável, como dejetos de animais, descartes de frigoríficos e resíduos agrícolas. Se todo o potencial fosse aproveitado, seria possível substituir 70% do consumo nacional de óleo diesel.
O desafio agora é expandir esse ecossistema do biometano. O que depende tanto da propaganda boca a boca dos produtores como do incentivo de governos e entidades para adoção da tecnologia. Segundo a Abiogás, há 41 projetos de usinas que devem decolar até 2027, elevando a produção atual, de 400 mil m3 diários, para quase 3 milhões.
“As expectativas são as melhores possíveis. Não se trata de apenas um trator, mas de todo um ecossistema. Tecnologia nós já temos. O potencial é muito grande pelo lado da sustentabilidade, da substituição dos combustíveis fósseis, da autossuficiência energética”, diz Claudio Calaça, diretor de mercado da New Holland no Brasil.
*O jornalista viajou a convite da New Holland.
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