Na safra 2022-23 o Brasil deve tomar dos americanos o posto de principal exportador mundial de milho, além de manter a já consolidada liderança nos embarques de soja.| Foto: Daniel Caron/Arquivo/Gazeta do Povo
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Na safra 2022-23 o Brasil deve tomar dos americanos o posto de principal exportador mundial de milho, além de manter a já consolidada liderança nos embarques de soja. A previsão é do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) em seu relatório de fevereiro.

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Ambos os países devem exportar 51 milhões de toneladas de milho, com a diferença que o Brasil segue uma curva ascendente, acrescentando quase 20 milhões de toneladas ao montante exportado no ano passado (32,4 milhões), enquanto os EUA vão deixar de embarcar 20 milhões de toneladas, após eventos climáticos extremos de seca e frio.

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Antes, os embarques brasileiros só haviam superado os americanos na safra de 2012/13, devido a uma estiagem no hemisfério norte. “Se a produção de milho nos EUA retornar ao seu nível historicamente normal, é provável que o país reassuma o posto de maior exportador global. No entanto, a contínua e persistente expansão da agricultura brasileira pode significar que os Estados Unidos terão de lutar pela coroa com o Brasil de forma mais frequente nos próximos anos”, diz a análise do USDA.

Essa disputa pela “coroa do milho”, contudo, não ocorre de forma alheia às políticas ditadas em Brasília. E desde que assumiu, o novo governo tem tornado o caminho mais acidentado.

Além de esvaziar atribuições do Ministério da Agricultura, repassadas para o Ministério do Desenvolvimento Agrário e para o Meio Ambiente, o Planalto cancelou linhas de financiamento do BNDES e entregou o comando de áreas estratégicas para militantes pouco afeitos à agricultura comercial. Um exemplo é a Conab, que passou a ser gerida pelo ex-deputado estadual gaúcho Edegar Pretto, fortemente ligado ao MST e que já afirmou que o movimento é “referência para a classe trabalhadora do país”.

Apesar das conquistas, agro perde prestígio no novo governo

Não foi o modelo de produção do MST que levou o país a brigar pelo lugar mais alto no pódio de exportações de milho. “São saldos de ações do governo anterior. Nós temos essa ‘herança maldita’ que é a supersafra. Só o milho e a soja devem injetar R$ 70 bilhões a mais na economia do que no ano passado”, aponta o analista de mercados agrícolas Vlamir Brandalizze.

Dentre medidas do governo Bolsonaro que estariam frutificando agora, ele destaca uma política de juros módicos em diversas linhas do BNDES para financiar a compra de tratores, colheitadeiras e plantadeiras mais modernas, além de recursos mais baratos para projetos de irrigação e incremento das subvenções ao seguro rural.

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Com Lula, o agronegócio não tem o mesmo prestígio. Na semana que passou, o BNDES reabriu e, em seguida, fechou a porteira para novos protocolos de pedidos de financiamento para nove linhas de crédito rural. Algumas das linhas estavam suspensas desde outubro de 2022, devido ao esgotamento dos recursos. Com a repercussão negativa do novo bloqueio, o Planalto recuou. Em nota, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) afirmou se tratar de mentiras plantadas por “quem aposta em uma versão de que o crescimento econômico é inimigo da responsabilidade social e da sustentabilidade”.

Falando na Federação da Agricultura do Mato Grosso (Famato) em Cuiabá, o ministro da Agricultura Carlos Fávaro alegou que “alguns mal informados ou, talvez, mal-intencionados, dizem que o programa já foi suspenso, e não foi”. “Retomamos os investimentos no setor na ordem de R$ 2,9 bilhões, e o anseio e o desejo eram tão grandes que em uma semana o recurso acabou”, disse.

Essa versão dos fatos foi desmentida, contudo, por reportagem do jornal "Valor Econômico" que mostrou que no dia 2 de fevereiro o BNDES enviou comunicado aos bancos informando a suspensão de linhas como o Pronaf, Pronamo, ABC+, PCA, Proirriga e Procap-Agro Giro. Quatro dias depois, novo aviso, comunicando o encerramento do Inovagro e do Moderfrota.

Os R$ 2,9 bilhões que o governo disponibilizou em janeiro, e que rapidamente se esgotaram, não eram novos recursos, como afirmou o ministro Fávaro, mas saldos remanescentes de operações não concretizadas. A bateção de cabeças, a falta de transparência e a divulgação de informações incongruentes levaram a deputada Júlia Zanatta (PL-SC) a apresentar um pedido de esclarecimentos na Câmara dos Deputados.

Comportamento "ruidoso" de Lula aumenta percepção de risco

O problema não está só nas diretrizes do BNDES. Na prática, segundo o professor de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) Felippe Serigati, o “comportamento ruidoso” do presidente Lula – que inclui duras críticas à política monetária do Banco Central – vai acrescentar obstáculos no caminho dos produtores rurais.

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O BC já vinha sinalizando que a inflação estava cedendo, mas pedia paciência para uma flexibilização maior dos juros. “Era para o dinheiro ficar um pouco mais barato, o juro um pouco menor no final do ano, mas a forma até truculenta com que o poder Executivo tem administrado suas preferências com relação à política monetária gera mais incertezas, mais ruídos e acaba pressionando a taxa de juros para cima”, diz Serigati.

Assim, tem-se um efeito inverso do pretendido pelo Executivo. “A expectativa agora é que essa taxa de juros permaneça mais elevada por um tempo maior. Toda essa bagunça tem levado a uma maior percepção de risco, à perda de valores dos ativos brasileiros, o que se reflete em maior instabilidade com a taxa de câmbio. O dólar volátil é ruim, a incerteza prejudica todo mundo. Mas o produtor não tem outra opção a não ser produzir”, completa Serigati.

Mesmo com o custo de capital mais caro, o agronegócio deve crescer esse ano 5%, contra 0,3% da indústria e 0,7% dos serviços. “Não é suficiente para carregar o Brasil inteiro nas costas, mas quem vai sustentar de forma um pouco mais robusta a economia é justamente o agro”, destaca.

Competidores não vão ter quebras de safra para sempre

Competir globalmente na agricultura exige inovação e investimentos constantes, seja na renovação ou manutenção dos maquinários, seja no uso de tecnologias de ponta no cultivo e manejo. Até porque, diz o consultor Brandalizze, “não dá para contar que nossos competidores vão quebrar sempre, safra após safra”.

“São volumes altos de recursos. Você não paga uma colheitadeira numa safra, é muito dinheiro envolvido. Isso precisa vir do crédito. O americano tem esse crédito fácil, com juros de 0,8% a 2% ao ano, enquanto o nosso está entre 14% e 20%. O governo anterior facilitava, oferecia juros intermediários, entre 8% e 12%, para investir. O governo atual cortou tudo, então, é complicado”, completa.

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Como exemplo de política de apoio com frutos de curto e médio prazo, ele cita as linhas de financiamento para pivôs de irrigação: “Nos últimos anos, as empresas fabricantes desses pivôs não conseguiam atender a demanda, faltava tudo. A seca atual vai quebrar bastante a safra e a economia gaúchas, mas se você olhar onde tem irrigação o pessoal está com alta produtividade, ao lado de áreas secas que não vão colher nada”.

Outra bandeira do setor é a continuidade das políticas de fortalecimento do seguro rural. No governo Bolsonaro, as indenizações por apólices privadas saltaram de R$ 2,5 bilhões em 2020 para R$ 9,8 bilhões em 2022, resultado não só do aumento das quebras climáticas, como também da ampliação do guarda-chuva do seguro, em função de mais subvenções do governo.

Os aportes para abater de 20% a 40% do preço das apólices saltaram de R$ 367 milhões em 2018 para R$ 1,1 bilhão em 2021. Esse “desconto” acabou trazendo para o seguro milhares de produtores que antes ficavam descobertos, devido aos elevados custos de contratação.

Brasil virou adversário a ser batido, mas agro teme perda de apoio

“Nós nos tornamos o adversário a ser batido pelos nossos concorrentes”, aponta o deputado federal Pedro Lupion, presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). A preocupação, no entanto, é não perder o apoio das políticas públicas ao setor e as condições de acesso ao crédito. Neste ciclo, observa Lupion, os gaúchos devem enfrentar mais uma quebra de safra pela estiagem, a mesma que atinge a Argentina.

“Isso gera uma preocupação muito grande. E tem a questão do credenciamento e registro dos defensivos agrícolas. Estamos extremamente defasados em relação ao que os EUA e até mesmo a Argentina usam, produtos bem mais modernos que precisam de menos aplicações, e obviamente, por isso, deixam menos resíduos. São ambientalmente mais positivos e na questão de saúde humana também. E por causa de burocracia e da resistência da oposição ao setor, a gente acaba ficando para trás”, enfatiza.

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Lupion assumiu comando da FPA em fevereiro| Foto: Agência Câmara

O líder da FPA espera que, se não ajudar, o governo pelo menos não atrapalhe. O corte de linhas do BNDES seria apenas mais um capítulo numa série de ações negativas para o agronegócio. “Nós temos problemas cambiais, temos problemas de taxas de juros. Cada fala do presidente querendo interferir na presidência do Banco Central, nas taxas de juros e no câmbio, cria uma volatilidade no mercado que afeta diretamente todos nós”, alerta Lupion.

Com compras da China, milho passou para outro patamar

Em seu relatório de fevereiro sobre safras, o USDA destacou que o Brasil “ocupou o gap” deixado pela Argentina, afligida pela seca, e pela Ucrânia, abalada pela guerra, para atender a demanda global de milho.

Enquanto o Brasil deve aumentar a produção total de milho de 120,6 milhões para 129,5 milhões de toneladas, a Argentina tende a recuar, de 59,1 milhões para 55,5 milhões de toneladas. Nos EUA, que devem colher 358,4 milhões de toneladas (contra 397,7 milhões do ciclo anterior), devem sobrar pouco mais de 50 milhões para exportação.

Outro fator-chave para impulsionar o milho foi a abertura do mercado chinês. Para dar conta do apetite de seus renovados plantéis de suínos, os chineses habilitaram no fim do ano passado mais de 100 instalações brasileiras voltadas à exportação. Até então, questões regulatórias restringiam os embarques, e a China era destino de apenas 16% do total exportado pelo Brasil.

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Apenas em janeiro, segundo mês de abertura do mercado, foram remetidas para o país asiático 983 mil toneladas do grão, quase empatando com todo o volume do ano passado, de 1,1 milhão de toneladas. “Um segundo ponto importante é a questão política entre Estados Unidos e China, que acaba nos favorecendo. A China quer cada vez menos depender desse milho americano, e vem buscar onde tem oferta e segurança, que é aqui no Brasil”, aponta Francisco Queiroz, analista da consultoria Agro do Itaú BBA.

E o ticket da compra pode ser alto. “Eles aumentaram muito a demanda nos últimos anos. Quatro safras atrás, eles importavam quando muito 7 milhões de toneladas, e com a recomposição do rebanho passaram a importar 29 milhões de toneladas, caiu para 21 milhões e agora 18 milhões. Ainda assim é um número muito grande, para quem tem um histórico de importar 5 milhões de toneladas. A história do rebanho suíno na China veio para ficar. Com a tecnificação e maior consumo de ração, eles vão continuar importando quantidades maiores, mudaram de patamar”, diz Queiroz.

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Hora de evitar "gols contra"

Segundo Glauber Silveira, diretor-executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), a tendência é de expansão da produção no país, tanto no milho como na soja. "De tudo o que se tem hoje de pecuária, você pode ainda incorporar 40% na agricultura. O Brasil tem condições de dobrar a área de plantio nos próximos anos, sem desmatamento. A gente poderia até estar aumentando mais, se tivesse ajuda, melhores infraestrutura de ferrovias e hidrovias, poderíamos estar mais fortes", diz.

Nesse contexto, ainda há tempo de o governo fazer correções de rumo, para evitar novos gols contra. Ainda que o setor dependa cada vez menos dos recursos estatais, as políticas públicas fazem diferença, segundo o consultor Brandalizze.

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“Hoje estamos muito competitivos, chegamos a um patamar sólido. Mas o setor do agro não desacelera em semanas. Ele acelera ou desacelera em questão de safras. Se der uma freada agora, no ano que vem já começa a sentir. Em vez de trazer mais divisas, vai trazer menos, vai arrecadar menos, e não tem nem como bancar esses programas sociais, porque o dinheiro que entra no caixa é menor. Se quiserem tirar mais dinheiro de quem já tiram muito, que é o imposto dos trabalhadores, aí acabamos virando uma Argentina, que segue essa linha", afirma.

A nova leva de deputados e senadores em Brasília, no entanto, de orientação mais conservadora, pode ser decisiva para equilibrar o cenário. "Eles podem ser um contrapeso para deixar os mais radicais numa posição mais reprimida, sem tanta liberdade para fazer o que quiserem”, pondera.

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