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Conferência do clima no Brasil: setor produtivo teme uma "COP contra o agronegócio"
A 30ª Conferência das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas, COP 30, ocorrerá em Belém, em novembro de 2025| Foto: Bruno Cecim / Ag. Pará

A 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), em Belém do Pará, no ano que vem, terá inevitavelmente um tanto de vitrine e outro tanto de tatame. Como vitrine, será oportunidade para o Brasil mostrar ao mundo os diferenciais de sustentabilidade de sua economia verde; como tatame, corre o risco de descambar para uma briga ideológica desenfreada do ambientalismo militante contra o agronegócio, a produção empresarial de alimentos.

O setor produtivo está apreensivo. Há o temor de que a agenda da COP 30 acabe sequestrada por pautas ambientalistas, indigenistas e quilombolas. E que muito se fale sobre conflitos, queimadas, desmatamentos e moratórias, e pouco espaço seja dado à divulgação dos atributos ambientais do agro brasileiro, que não encontra paralelo entre os concorrentes.

Segundo dados da Embrapa, confirmados pela Nasa, o Brasil tem 66,3% de seu território preservado com vegetação nativa. E de todas as áreas protegidas, 25,6% estão dentro das propriedades rurais. O país também é o que mais utiliza o sistema de plantio direto, que não agride o solo, e adota em escala crescente a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). A prática de ILPF possibilita até três safras numa mesma área e torna a atividade agrícola sequestradora de carbono, em vez de geradora de emissões.

Propaganda negativa do país

A título de comparação, neste ano os agricultores europeus se colocaram em pé de guerra e conseguiram que o bloco eliminasse a exigência para que deixassem 4% das terras em pousio. No Brasil, o percentual mínimo de preservação adotado desde o Código Florestal de 2012 é de 20%, podendo chegar a 80% na Amazônia legal.

Essa realidade ainda é desconhecida em muitos países. Pelo contrário, o que frequentemente chega lá fora é o lobby de ONGs com brasileiros pregando boicote ao próprio país e um "engessamento" ainda maior das áreas agricultáveis, notadamente no Cerrado.

Para evitar que problemas pontuais com desmatamento e reservas indígenas ganhem projeção exagerada na COP 30 devido à contaminação ideológica do debate, o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) propõe um pacto nacional entre governo, terceiro setor e iniciativa privada.

Risco de "o rabo abanar o cachorro"

“A prevalecer o ritmo de falta de diálogo entre os ambientalistas e o setor produtivo, e uma inação do governo que não orquestra esse entendimento, nós podemos simplesmente ir para a COP 30 e expor, em alto brado, aquilo que são as diferenças existentes no país. Daí um problema localizado de desmatamento em alguma região adquire tal dimensão que vira o rabo abanando o cachorro”, alerta Jardim.

“Não podemos ficar passivamente esperando uma demonstração pública de problemas. Temos que fazer uma demonstração vigorosa do que o Brasil tem de virtude”, acrescenta.

Jardim lançou a proposta de um pacto nacional em torno dos objetivos da COP 30 durante o 23º Congresso Brasileiro do Agronegócio (CBA), que reuniu em São Paulo as principais lideranças políticas e empresariais do setor. Caio Carvalho, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), diz que o momento exige mais proatividade e que nas próximas semanas serão marcadas reuniões com ministérios para tratar de temas específicos da conferência de Belém.

Conferência pode virar uma "COP contra o agronegócio"

“O desafio é grande, mas estamos bem posicionados. Temos uma capacidade competitiva extraordinária, uma pegada de carbono menor que todos os outros países, não só na produção de alimentos, mas também de biocombustíveis. Estamos abertos para o diálogo com o governo federal, para termos uma agenda programada para a COP30, com mensagens e sinais corretos”, assinala.

A preocupação de que a COP30 acabe descarrilando é compartilhada pela senadora Tereza Cristina, ex-ministra da Agricultura do governo Bolsonaro. Ela alerta para o risco de vir aí uma “COP contra o agronegócio”.

“Se você falar só da Amazônia, pode reforçar aquilo que eles pensam lá fora do Brasil, que aqui só tem a Amazônia, e não o Cerrado, onde nós produzimos, e as reservas que o país tem. Precisamos ter muito cuidado sobre como vamos conduzir isso, e não deixar que sejamos conduzidos”, sublinha.

Defensora convicta de que o Brasil pratica o agronegócio mais sustentável do mundo, a senadora admite estar receosa com o enfoque da COP 30. “Como nesse governo tem muito viés ideológico, eu tenho um pouco de medo. Mas não podemos deixar isso solto. Já fiz várias conversas com gente que trabalha na área ambiental, pessoas sensatas e que têm um compromisso com o Brasil e com a agricultura brasileira”, relata.

Conferências do clima têm sido críticas ao sistema de produção de alimentos
Conferências do clima têm sido críticas ao sistema de produção de alimentos| Michel Willian / Arquivo Gazeta do Povo

Desafio de construir visões comuns e positivas sobre o país

Para o empresário Ingo Plöger, vice-presidente da Abag e integrante de conselhos de administração de grandes companhias como Melhoramentos, Sonda, Bosch e VW Caminhões, o momento é de afinar a orquestra e “costurar uma estratégia” para defender a biocompetitividade brasileira. Para tanto, instituições como CNI, CNA, OCB, FGV e Embrapa serão convocadas a contribuir para a pauta da conferência.

“Ficaria feliz se a gente conseguisse construir algumas visões em comum. Projetar o Brasil como deveria ser daqui a cinco ou dez anos. Cada um de nós tem um imaginário, mas se conseguirmos um mínimo denominador comum, a gente consegue marchar, com todas nossas diversidades. O cenário mais arriscado é não conseguirmos nada, então a COP será sobre Amazônia, queimadas e o Cerrado e nada mais. Daí a gente está ferrado”, enfatiza.

O histórico recente de como o governo petista pauta os debates nas conferências do clima justifica o alerta do setor agropecuário. Enquanto o governo Bolsonaro procurava destacar cases de sucesso do agro brasileiro sustentável, Lula prefere estender o tapete para movimentos sociais, como o MST, associações indígenas e ONGs ambientalistas.

Governo petista privilegia pautas ambientalistas

Na COP 28, realizada no ano passado em Dubai, ao discursar para ativistas, Lula reforçou o viés ideológico das ações. “Ou a gente participa ou a extrema direita vai voltar com muita força, não apenas no Brasil, mas em muitos outros países. Significa que vocês, além de agentes reivindicadores, têm que ser agentes formuladores e agentes participativos. É mais que reivindicar, é participar, é ajudar a fazer”, declarou.

Em junho, no Dia Internacional do Meio Ambiente, Lula e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, celebraram a criação de 638 mil km2 em novas reservas em 17 meses do terceiro mandato. O próprio governo propagou que a área é maior do que o estado de Minas Gerais.

Em outra linha de enfrentamento com a agropecuária, o presidente chegou a vetar a Lei 14.701, aprovada pelo Congresso, que reafirma a data da promulgação da Constituição de 1988 como marco temporal para demarcação de terras indígenas. Na lógica de Lula, partidos de esquerda e ambientalistas, não deve haver limite temporal para reivindicações de propriedade da terra pelos índios. O veto do Executivo, contudo, foi derrubado pelo Congresso, numa articulação da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).

COP pode virar espaço para malhação do agronegócio

Não resta dúvida de que os ambientalistas vão tentar fazer da COP um espaço para malhação do agro. É o que diz o ex-deputado Nilson Leitão, presidente do Instituto Pensar Agro, uma espécie de think tank da FPA. Ele prevê articulações para impor compromissos mais pesados de restrições à produção de alimentos.

“Vão fazer como fazem sempre, como fizeram na última COP, e engessaram mais de 100 mil hectares no Pantanal e não sei quantos mil hectares nas regiões amazônicas. Eles fazem esse compromisso e recebem dinheiro. Cada vez que essas organizações fazem compromisso de aumentar uma reserva ambiental para engessar cidades, elas recebem milhões de dólares de um fundo para aplicar na preservação. Mas nunca preservam nada”, afirma.

Os maiores problemas no setor agropecuário estariam ligados à falta de ação do governo em temas como a regularização fundiária e a necessidade de modernizar o licenciamento ambiental. “Os conflitos existem por causa de uma legislação arcaica, enquanto temos um agro tecnológico de primeiro mundo”, pontua Leitão.

Lavoura de soja em duas etapas de maturidade, no Maranhão.
Lavoura de soja em duas etapas de maturidade, no Maranhão.| Lineu Filho / Arquivo Gazeta do Povo

ONGs já permeiam o Estado brasileiro

De 2009 a 2018 as ONGs receberam mais de R$ 1 bilhão do Fundo Amazônia para apoiar indígenas e reduzir emissões decorrentes do desmatamento. “Foi o período que teve maior mortalidade de índios no Brasil, aumentou mais de 170%. Não é problema de terra, não é problema de não ter onde índio ficar. Ao contrário, é um debate desonesto e tem muita gente desonesta, não só intelectualmente, mas também financeiramente envolvida para prejudicar a agropecuária”, diz o ex-deputado.

Essa articulação entre agentes do governo federal e ambientalistas está cada vez mais imbricada nas estruturas do poder. Isso ficou notório nas negociações com os europeus. A diretora de relações internacionais da CNA, Sueme Mori, relatou que mais de uma vez o setor privado levou “um monte de dados” para demonstrar a sustentabilidade do agro brasileiro, mas acabou sendo desacreditado por compatriotas.

“A gente prova que não é assim, mas daí pessoas do governo vão lá na Europa, falam com os mesmos interlocutores e dizem: veja bem, o agro está desmatando, o agro é inimigo. O representante do governo brasileiro desfaz tudo o que a gente falou como setor privado. Uma coisa é uma ONG falar mal, outra coisa é essa ONG entrar dentro do governo e passar a responder como governo”, sublinha Mori.

Ex-diretor da OMC defende estratégia para lidar com agenda ambiental

Simplesmente ignorar fóruns como a COP 30 já não é uma opção. O ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo, avalia que a agenda climática e ambiental não vai desaparecer. Por que já foi incorporada pelas corporações, ainda que com diferentes matizes e cores. "Vamos ter que nos adaptar. Mas temos que ser um pouco mais críticos e não aceitar o que é dito pelo valor de face”, assegura.

Para Azevêdo, o Brasil poderia se articular com outros países produtores de alimentos, inclusive os EUA, para corrigir equívocos de políticas públicas transplantadas do velho continente.

“A agenda climática e ambiental está sendo muito ditada pelo que está acontecendo na Europa, e que outros países, mercados importantes nossos, estão começando a aceitar como uma verdade global. E não é. São políticas próprias da Europa, como estrutura produtiva, tamanho da propriedade e logística, que funcionam para o tamanho da Europa. Não dá para transplantar para produtores de alimentos em larga escala”, afirma.

Contatada pela reportagem, a Secretaria Extraordinária para a COP 30 (Secop), subordinada à Casa Civil da Presidência da República, informou que trata apenas da infraestrutura da conferência. "As demandas a respeito de discussões sobre temas relativos ao conteúdo sobre sustentabilidade na COP30 devem ser encaminhadas para o Ministério das Relações Exteriores e ao Ministério do Meio Ambiente", destacou em nota. A reportagem entrou em contato com os ministérios do Meio Ambiente e das Relações Exteriores, mas não obteve retorno. O espaço continua aberto para manifestação.

*O jornalista viajou aos congressos da Abag e da Andav, em São Paulo, a convite dos organizadores.

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