Durante reunião recente com os chefes dos três Poderes para discutir a emergência do combate às queimadas, o presidente Lula jogou um outro assunto para a opinião pública: atacou o que considera uso abusivo dos agrotóxicos no país e defendeu “discutir” medidas para frear a aplicação dos defensivos químicos nas lavouras.
“Não é possível que 80% dos agrotóxicos proibidos na Alemanha possam ser vendidos aqui no Brasil, como se a gente fosse uma republiqueta de bananas”, disse Lula. Ele argumentu que “os empresários dos agrotóxicos conseguem convencer gente de boa índole a utilizar algo desnecessário, que mata criança, que mata animal”.
Lula afirmou que vai apresentar uma proposta sobre o tema para lideranças dos partidos, bancada ruralista, Embrapa e empresários. “Vamos descobrir quem é sério e quem não é, porque as pessoas sabem que também é muito mais fácil utilizar soluções biológicas”, assinalou.
Para quem é do ramo, as declarações de Lula só se encaixam em duas possibilidades: total desconhecimento do tema ou má-fé. As falas do presidente alimentam a conhecida bandeira ideológica de esquerda contra o agronegócio. E brigam também com a ciência, tendo sido desmentidas recentemente por pesquisadores da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério da Agricultura (Mapa).
Desinformação desprestigia instituições como a Anvisa e o Ibama
Uma das reações mais contundentes veio do cientista político Christian Lohbauer, que por oito anos dirigiu a associação de empresas de pesquisa e desenvolvimento sustentável na agricultura (Croplife). Para Lohbauer, Lula desinforma a população e desprestigia instituições do Estado brasileiro, como a Anvisa e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), que participam do rigoroso processo de registro e autorização de novas moléculas no país.
“O senhor está cuspindo na Anvisa e no Ibama. Tem gente séria lá que sabe o que estou falando. Pergunta para eles o que está acontecendo com o sistema de aprovação regulatória no Brasil. Na hora que tem que fazer alguma coisa pelo país, tem que fazer estudando e não chutando e desviando a atenção das pessoas”, disse Lohbauer, em vídeo publicado nas redes sociais.
O tom de indignação marcou também a reação do deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
“Levantar suspeitas de quem é sério ou não na agropecuária brasileira ou na FPA, num contexto de total incompetência e inoperância do governo em combater problemas pontuais como as invasões de terra e os incêndios criminosos que assolam o país, é no mínimo irresponsável”, disse.
Para o parlamentar, Lula está “desesperado em achar culpado pela própria incompetência e inoperância de seu governo" e "em vez de governar, ainda não desceu do palanque e segue em campanha política”.
Ausência de registro não significa proibição ou riscos à saúde
A queixa de Lula de que o Brasil vende produtos químicos proibidos em outros países é uma falsa polêmica, alimentada seguidamente pela esquerda. No artigo “Aprovações e proibições de agrotóxicos em diferentes países”, publicado em 2022, três pesquisadores da Anvisa e do Ministério da Agricultura rebateram, ponto a ponto, a ideia de que a ausência de registro de pesticida em um país permite tirar conclusões sobre sua segurança.
“A ausência de registro de um agrotóxico/pesticida em um país ou bloco econômico e o seu registro em outros, não implica necessariamente que aquele ingrediente ativo tenha sido objeto de proibição por riscos à saúde ou ao meio ambiente, tampouco que possa ser proibido no Brasil sem passar por um processo de avaliação dos seus riscos”, afirmaram os pesquisadores.
Eles demonstraram que entre 2002 e 2022 saíram mais ingredientes ativos do mercado brasileiro do que entraram. E a maior parte não envolveu avaliações de risco ou exigências regulatórias. Mas foi um movimento normal relacionado à perda de eficácia, entrada de novas moléculas, dinâmica de custo das matérias-primas e ausência de fabricantes.
É em relação à União Europeia que o Brasil tem o maior número de substâncias ativas registradas e não aprovadas naquele bloco. Contudo, 71% desses ingredientes nunca foram avaliados pelos europeus ou não tiveram solicitada a renovação do registro. O que é visto como natural, devido à diferença nas agriculturas praticadas em países de climas temperado e tropical, acometidas por diferentes pragas e doenças.
Apenas um mata-formigas não é registrado em outros países
No comparativo global, dentre os 279 ingredientes químicos de uso agrícola registrados no Brasil, 136 são aprovados na Europa, 218 nos Estados Unidos e Canadá, 205 no Japão e 228 na Austrália. Apenas um ingrediente ativo, o sulfluramida, utilizado para matar formigas, tem autorização exclusiva no Brasil e não é registrado em outros países.
“Cada substância necessita ser avaliada caso a caso e de acordo com as legislações nacionais. Ainda assim, as recomendações de uso, culturas agrícolas a que se destina, quantidade e número de aplicações, que variam de acordo com o clima, tipo de solo, tamanho da área, dentre outros fatores, podem levar a diferentes conclusões na avaliação”, diz o artigo.
O texto é assinado pela mestre em toxicologia aplicada à Vigilância Sanitária Letícia Rodrigues da Silva, que por 11 anos foi gerente de Normatização e Avaliação da Anvisa; pelo doutor em Ciências da Saúde Peter Rembichevisk, também lotado na Anvisa; e pelo então diretor de Programas do Ministério da Agricultura, Luis Eduardo Rangel.
Levantamento da pesquisadora Letícia Rodrigues da Silva, apresentado na última Conferência Nacional sobre Defesa Agropecuária (CNDA), em junho, mostra que os dez agrotóxicos mais utilizados no Brasil também têm autorização de uso em outros grandes produtores mundiais de alimentos. E são países com sistemas regulatórios igualmente rigorosos, como Estados Unidos, Canadá, Austrália e Japão.
Ela também enumerou o alto índice de ingredientes ativos aprovados no Brasil e em vários outros países com forte produção agrícola. “Os dados demonstraram ser infundadas as narrativas alegando que o Brasil é um país permissivo no que diz respeito às aprovações de agrotóxicos, em comparação a países considerados desenvolvidos”, concluiu a pesquisadora.
Programa PARA assegura que alimentos produzidos no Brasil são seguros
O mais recente levantamento da Anvisa do Programa de Análise de Resíduos Agrotóxicos em Alimentos (PARA), que cobriu os períodos de 2018-2019 e 2022, concluiu que “os alimentos consumidos no Brasil são seguros quanto aos potenciais riscos de intoxicação aguda e crônica advindos da exposição dietética a resíduos de agrotóxicos”.
Então, por que não cessam os bombardeios contra a segurança dos alimentos produzidos no país, que com frequência vêm de instituições como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)?
O médico Ângelo Trapé, que há quatro décadas coordena estudos sobre agrotóxicos no país e que foi coordenador do Ambulatório de Toxicologia do Hospital de Clínicas da Unicamp até 2017, aponta um crescente aparelhamento das instituições por militantes esquerdistas.
“Isso vem lá de tempos atrás, de Gramsci [Antonio Gramsci, filósofo marxista], que dizia para eles irem se infiltrando nas instituições. Os militantes trabalham dia e noite para atingir o objetivo. Existem inúmeros trabalhos com uma credibilidade científica muito baixa, mas que são constantemente divulgados pela mídia. Eles vão produzindo dados, dizem que alimentos ultraprocessados matam mais de 5 milhões de pessoas. De onde eles tiram esses dados? Eles vão chutando, vão colocando previsões e suposições”, afirma.
Escola sanitarista de saúde é historicamente alinhada ao PCB
Tal aparelhamento do Estado e das instituições é apontado também por Lohbauer, que sublinha o que seria uma herança da “escola sanitarista de saúde”. Uma escola tradicionalmente alinhada ao Partido Comunista Brasileiro, cuja ideologia se espraia por instituições como a Fiocruz e a Abrasco.
“De tempos em tempos eles aparecem com algum estudo, e a gente pede as metodologias, mas elas nunca estão acessíveis. Se é estudo, se é ciência, tem que ter metodologia, amostragem, relação de causa e efeito, repetição. E quando você pede acesso à metodologia: ah não, não está acessível. É sempre assim”, relata.
É fato que o setor de biológicos elogiado por Lula – uso de microorganismos para combater pragas e doenças – está crescendo a taxas anuais de dois dígitos no país. As próprias indústrias agroquímicas investem grandes quantias nesse segmento. Que, no entanto, ainda representa apenas 5% do mercado brasileiro de defensivos químicos, estimado em US$ 20 bilhões. “A agricultura tropical precisa de defesa vegetal química”, enfatiza Lohbauer.
Brasil usa menos agrotóxicos por volume de alimentos produzidos
O volume de defensivos aplicado no Brasil, em relação à área plantada, fica abaixo de nações desenvolvidas como França, Japão e Estados Unidos. A Gazeta do Povo já mostrou que os japoneses, campeões em longevidade, utilizam oito vezes mais agrotóxicos do que os brasileiros por unidade de área.
Quando a comparação envolve gastos em dólares por tonelada de alimento produzido, um estudo de 2017 aponta o Brasil na 13.ª posição, com 8,1 dólares. Bem atrás do Japão, com 95,4 dólares por tonelada, Coreia (47), Itália (22,6), Estados Unidos (11,3) e Argentina (9,1).
O toxicologista Trapé não se cansa de citar o caso do pimentão, cujo consumo foi desaconselhado pelo ministro da Saúde José Gomes Temporão, no segundo governo Lula, por ultrapassar em alguns centésimos o limite máximo de resíduos recomendável. Seria necessário consumir 100 kg de pimentão em um único dia para resultar em 4 mg de resíduo de deltametrina, quantidade estimada para gerar algum problema de saúde.
“Acharam 0,004 mg e consideraram o pimentão contaminado. É algo totalmente fora da realidade. Arrebentou a cadeia do pimentão, que era produzido muitas vezes pela agricultura familiar. Foi uma coisa vergonhosa”, recorda.
Para cada nova molécula, 200 mil são descartadas
Nos anos 1950, a taxa média de aplicação de fungicidas, inseticidas e herbicidas em todo o mundo variava entre 1,2 kg e 2,3 kg por hectare. Sessenta anos depois, as aplicações se reduziram a uma média entre 40 e 100 gramas por hectare. Atualmente, por trás de cada nova molécula levada a campo outras 200 mil foram descartadas nos testes de avaliação de risco.
“Isso é feito para ter certeza de que não vai fazer mal para ninguém, desde que usado de forma conveniente”, sublinha Lohbauer.
A Gazeta do Povo entrou em contato com a Fiocruz e com a Abrasco, abrindo espaço para esclarecimentos quanto às críticas de que seriam entidades alinhadas às ideologias do Partido Comunista Brasileiro, com forte militância contra o agronegócio.
A Fiocruz não se manifestou. Em nota, o presidente da Abrasco, Rômulo Paes de Souza, disse que "a entidade se dedica a promover debates acadêmicos e suas repercussões políticas e sociais vinculadas à agenda da Saúde Coletiva". "No entanto, não participa de discussões cuja forma ou conteúdo não respeitem os interlocutores, nem de temas que não estejam fundamentados em evidências", afirmou.
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