Texas ou Mato Grosso? Se fosse um campeonato por pontos corridos, os dois estados estariam medindo forças na disputa pelo título de maior região exportadora de algodão do mundo. Enquanto o Texas responde por 42% da produção dos Estados Unidos, líder dos embarques, o Mato Grosso representa sozinho 70% das plantações de algodão do Brasil, vice-líder no comércio internacional.
Analistas do mercado do algodão já dão como favas contadas: o Brasil em pouco tempo vai assumir o posto de maior exportador, e o algodão entrará para o seleto grupo de commodities em que o país é número 1 nas trocas globais. Já estão nesta lista soja, celulose, açúcar, frango, carne bovina, café e milho.
O que torna o desempenho brasileiro mais notável no algodão é que o cultivo empresarial começou em terras mato-grossenses há cerca de 30 anos, enquanto os campos brancos do Cotton Belt compõem o cenário do Sul dos Estados Unidos há mais de 200 anos.
Neste embate entre o tradicional e o moderno, o Centro-Oeste brasileiro vem embalado por clima favorável, tecnologia de ponta e alta profissionalização dos produtores, devendo ampliar a área plantada em 8,4% no ciclo 2022/23. Já os concorrentes americanos sofrem com estiagens seguidas, perda de qualidade da pluma e de clientes, voltando-se para outros cultivos. No Texas, a projeção do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) é de que a área cultivada com algodão irá encolher 21% na próxima temporada.
Liderança nas exportações de algodão é questão de tempo
Assim, no ciclo de 2023/24 o Brasil pela primeira vez deverá superar a produção de algodão dos Estados Unidos, alcançando 3,17 milhões de toneladas, contra 2,85 milhões. Essa virada histórica vai levar a um emparelhamento com os rivais nas exportações, com projeção de que os EUA ainda sigam ligeiramente à frente, com 2,66 milhões de toneladas embarcadas contra 2,57 milhões, segundo o USDA.
À primeira vista, podem parecer conquistas temporárias, devido a contingências climáticas. Analisados mais de perto, no entanto, os números revelam claras tendências inversas envolvendo os dois países.
Cultivando quase o dobro da área dedicada ao algodão no Brasil – 3,24 milhões de hectares contra 1,7 milhão – os americanos colhem menos do que os concorrentes do hemisfério Sul. Isso se explica porque a produtividade brasileira, mesmo com 95% das lavouras sem irrigação, é o dobro da americana, que irriga 20% da área. Por aqui, colhe-se em média 1.900 kg por hectare, e, por lá, próximo de 900 kg por hectare.
“Ambos têm na China o principal cliente. A cada ano as exportações americanas vêm caindo, e as brasileiras o oposto, aumentando. A previsão é de que os EUA continuem a enfrentar seca nos próximos anos, tendo que diminuir suas exportações. Isso cria incerteza no mercado e dá oportunidade para o Brasil ter um market-share ainda maior”, avalia Lucy Farrand, analista da trader de commodities Czarnikow, de Londres.
Quase 90% do algodão brasileiro tem selo sustentável
Nesta disputa de mercado, a sustentabilidade é ao mesmo tempo o maior desafio e a maior oportunidade para os produtores de algodão. E nesse quesito a liderança global é tupiniquim. O selo de sustentabilidade Better Cotton Initiative (BCI), com sede na Suíça, já certifica 84% da produção brasileira, diante de uma média global de apenas 22%. “É um índice extremamente alto que mostra que a cadeia de fornecedores é sustentável no Brasil e está funcionando, e é isso que as empresas procuram no momento. A cadeia produtiva precisa ser rastreável, você precisa saber a origem do algodão. Há ainda muito trabalho a ser feito, mas o Brasil, com certeza, lidera esse processo”, aponta Farrand.
Além do diferencial de sustentabilidade certificada, o cotonicultor Alexandre Schenkel, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), sublinha três fatores que impulsionam a pluma nacional: solo plano e mecanizável, clima propício e agricultores altamente profissionais. Outra vantagem competitiva importante do Cerrado é que 65% da colheita está na safrinha ou “double-crop”. É a segunda safra do ano, cultivada logo após a colheita da soja.
“Temos uma safra de alimentos seguida por outra de fibra. Isso dá uma vantagem ao Brasil e nós conseguimos produzir o dobro”, aponta Schenkel. O fato de as chuvas “cortarem” no Brasil Central por volta do mês de maio é outro aliado do algodão, que praticamente nunca tem perda de qualidade por excesso de umidade na colheita. “Isso também ajuda no brilho e na cor do algodão, desde que se tenha feito o manejo correto”, explica.
Cotonicultor é empresário e cultiva em larga escala
Variedades resistentes a pragas e doenças, mecanização de ponta a ponta, solo e clima favoráveis contribuem para o sucesso do algodão brasileiro. Mas não explicam tudo, observa Miguel Faus, presidente da Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (Anea). “O mais importante é a seriedade do produtor brasileiro. A gente está bem à frente deles. Temos empresários que buscam o resultado, mas respeitando todas as questões. O perfil do produtor americano médio é mais acomodado, às vezes está esperando dar uma quebra de safra para ganhar o seguro que eles têm lá. O foco aqui são áreas maiores e, em termos de competitividade, estamos bem à frente, por mais que as pessoas acreditem que isso não seja possível”, afirma.
Se a China é o maior consumidor global de algodão, a Índia é o maior produtor, mas com índices de produtividade ainda muito baixos. A média indiana é de 447 kg por hectare, contra uma média brasileira quase quatro vezes maior. Esse desempenho faz com que o agronegócio da pluma tenha um efeito poupa-terra no Brasil. "No passado a gente produzia muito pouco algodão em 3 milhões de hectares no semiárido e 1 milhão em São Paulo e no Paraná. Precisávamos de 4 milhões para abastecer o mercado interno. Hoje plantamos 1,7 milhão de hectares, abastecemos o mercado interno e ainda somos o segundo maior exportador mundial", destaca Alderi Emídio de Araújo, chefe-geral da Embrapa Algodão, na Paraíba.
Em termos de qualidade do produto, o algodão “Made in Brazil” já teria se equiparado e até superado a concorrência estadunidense, mas ainda falta espraiar esta informação aos mercados internacionais. Miguel Faus, da Anea, aponta que o algodão brasileiro está construindo uma relação de confiança com os clientes, e isso leva tempo. “O algodão americano tem o green card, que é o governo que garante. As fiações confiam nele por causa disso. O algodão australiano não tem isso, mas o mercado já reconhece como de qualidade superior. E nós estamos criando confiabilidade. Cada negócio é importante, dentro de cada país você tem fiações que compram algodão bom, médio e ruim. É preciso conhecer a fábrica, conhecer o dono”, sublinha.
Além de conhecer as idiossincrasias dos clientes em visitas técnicas, os cotonicultores têm estimulado o caminho inverso, organizando excursões de compradores às fazendas brasileiras, para que vejam in loco as práticas sustentáveis. Mais recentemente, no início do ano, a estratégia se ampliou para o marketing junto às grandes marcas, e estiveram no Centro-Oeste em visitas a campo diretores da Zara e da Levi Strauss & Co.
Algodão sai da lona à liderança, em 30 anos
Ultrapassar os Estados Unidos? “Pode ocorrer em dois ou três anos, mas a gente não tem isso como meta. Nosso objetivo, tanto como exportador como produtor, é aumentar nossa participação em cada um dos mercados, oferecer uma qualidade cada vez maior e consolidar a marca de nosso algodão em todos os mercados. A liderança vai ser uma consequência desse trabalho”, afirma Faus.
Nem parece que se fala do mesmo país que há 30 anos estava na lona na produção de algodão, dizimada pela praga do bicudo, pela baixa produtividade e pela abertura do mercado ao algodão subsidiado dos Estados Unidos. Curiosamente, como já mostrou reportagem da Gazeta do Povo, foi o “rei da soja” dos anos 80, Olacyr de Moraes, que apostou no potencial do algodão para o Centro-Oeste, em moldes tecnológicos e de larga escala. Soja, milho, milheto, sorgo e braquiária seguem entrosados com o algodão no sistema de rotação de culturas. E a tal “double crop” de soja e algodão, numa mesma temporada, é um diferencial inacessível para países de clima frio, e só pode ser praticado abaixo da linha do Equador.
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