Parque industrial de Carambeí estava dividido entre BRF (com a marca OneFoods), Lactalis e JBS. Antes, toda a quadra pertencia à Cooperativa Central, considerada uma ‘mãe’ para os funcionários.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

A cidade é pequena. O problema é gigante. O que fazer quando o maior pagador de impostos de um município de 22 mil habitantes enfrenta, talvez, a maior crise de sua história?

CARREGANDO :)

Deflagrada dia 5 de março, a terceira fase da Operação Carne Fraca da Polícia Federal - batizada de Operação Trapaça - detectou fraudes em frigoríficos e laboratórios da BRF, atingindo em cheio Carambeí, que agora vive uma sensação de luto e incerteza. A planta da empresa no município emprega 1,7 mil pessoas e teve as exportações suspensas pelo Ministério da Agricultura. Detalhe: a linha de produção com capacidade para abater 640 mil frangos é praticamente toda voltada ao comércio exterior.

“Como município, queremos que a empresa continue gerando renda por aqui. Lamentamos que empregados e integrados [que fazem parte do sistema de criação de aves] sofram”, afirma o prefeito de Carambeí, Osmar Blum.

Publicidade

Prefeito de Carambeí, Osmar Blum. 

Dependência histórica

A preocupação de Blum não é à toa. Segundo levantamento da Secretaria Municipal de Finanças, o ICMS gerado pela BRF em Carambeí (que fica no município) é de R$ 6,5 milhões. O total arrecadado é de R$ 37 milhões. Ou seja, 17,5% da arrecadação vêm da gigante nacional do agronegócio.

No que depender do histórico das ações da empresa na cidade, há quem esteja traumatizado. Quando ainda se chamava Perdigão, a companhia desembarcou na cidade no início dos anos 2000 com a compra do Frigorífico Batavia. Em 2010, foi decidido que a divisão que abatia perus seria totalmente voltada ao frango. Quem não conseguiu adaptar as granjas, acabou saindo do negócio de aves.

“Eu precisava de uma renda e investimos na construção da granja [de perus] por financiamentos. Quando mudou [do peru para o frango], acabamos desistindo porque teria que reconstruir meu barracão inteiro. A empresa até iria ajudar com os equipamentos, mas o que pesou, nesse caso, foi a reconstrução”, lembra Rose Aparecida Alves Teixeira, moradora da região.

Uma mãe. Três multinacionais

A BRF não foi a única gigante a desembarcar na cidade no novo milênio. Ali estão também a brasileira JBS e a francesa Lactalis. Todas têm uma fatia da antiga Cooperativa Central, que tinha a simpatia da população local. “O processo de transformação da cidade passa diretamente pela cooperativa Central”, afirma o historiador do Parque Histórico de Carambeí, Felipe Pedroso. Tanto ele quanto o prefeito narram a mesma frase: “Os que trabalhavam lá dizem que a cooperativa era uma mãe para os funcionários”.

Publicidade

A Central era dona da marca Batavo. “No mundo, o pessoal conhecia duas marcas do Brasil: o Pelé e a Batavo”, brinca Osmar Blum. O que torna a história ainda mais interessante é que a marca surgiu antes da cooperativa.

“Os primeiros holandeses que colonizaram a região perceberam que seriam mais fortes se vendessem [queijo, leite e manteiga] juntos. Assim, surgiu a Batavo em 1928”, diz o historiador. “O cooperativismo em Carambeí nasceu dessas pequenas fabriquetas de famílias. Nos anos 40, já tinham um mercado consolidado, até em São Paulo”, conclui.

Nos anos 90, iogurtes da Paramalat eram produzidos lado a lado com os da Batavo em Carambeí  

Entre os anos 50 e 60 se uniram à Batavo duas cooperativas de municípios próximos, dando origem à Cooperativa Central, que manteve a marca Batavo devido à força no mercado. Nas décadas seguintes, além de outras cooperativas se integrarem à associação, o grupo passou a atuar no setor de carnes, com aves e suínos.

O desmembramento só aconteceria nos anos 90. A Batavo chamava a atenção de grandes players, entre eles a Parmalat, que em 1998 conseguiu um acordo para formar a Indústria de Alimentos Batávia S.A. Dois anos depois, chegou a Perdigão, que assumiu a divisão de carnes e, posteriormente, em 2006, a de laticínios – vendida em 2014 para a Lactalis. Já a JBS marca presença na cidade com a Seara desde que comprou a divisão de suínos da BRF, após a união a Perdigão e a Sadia no início da década. Com isso a “herança” da Cooperativa Central caiu, aos poucos, nas mãos de três gigantes do agronegócio.

Publicidade
Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]