Os americanos estão voltando, os russos estão chegando. E vão encontrar uma “dura” resistência dos argentinos pela hegemonia do mercado de trigo do Brasil, um dos maiores importadores da commoditty do mundo, que produz menos da metade do que necessita para fabricação de pães, biscoitos e massas. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que neste ano o Brasil colherá 5,42 milhões de toneladas de trigo, contra uma expectativa de consumo de 12,13 milhões de toneladas.
As tendências dos mercados brasileiro e mundial do trigo estão sendo debatidas nesta semana, em Campinas (SP), durante o 26º Congresso Internacional da Indústria do Trigo.
Das 7 milhões de toneladas de trigo que o Brasil importa a cada ano, quase 90% vêm da Argentina. Mas nem sempre foi assim. O presidente da Associação dos Produtores de Trigo dos Estados Unidos, Vincent Peterson, lembra que o trigo americano por décadas preponderou no Brasil, até a chegada do Mercosul, em 1991. “Se olhar para os anos 80, exportávamos 3 milhões de toneladas de trigo por ano para o Brasil, ou 60% de tudo o que era importado. A tarifa externa comum (TEC) de 10% (para países de fora do Mercosul) e a taxa de 25% sobre o frete marítimo tornaram as coisas mais difíceis”, sublinha Peterson.
Apesar de perderem o domínio do mercado, os americanos nunca deixaram de mandar trigo para cá. São cerca de 500 mil toneladas por ano, destinadas, principalmente, aos moinhos do Norte e Nordeste, mais próximos dos portos do Golfo do México do que das regiões produtoras da Argentina. Mas os americanos entendem que podem pegar uma fatia maior desse mercado, principalmente com a nova cota de 750 mil toneladas, tarifa zero, para países de fora do Mercosul, compromisso assumido pelo presidente Jair Bolsonaro na visita a Washington, em março deste ano. A expectativa é de que a nova cota esteja valendo para a temporada do ano que vem.
“Essa cota vai dar uma oportunidade para nós, americanos, de ter preços mais competitivos com a Argentina. Por questões de qualidade, de teor de proteína e força do glúten, os moinhos brasileiros simplesmente precisam de nosso trigo. Se tirar 10% de US$ 250 dólares a tonelada, são US$ 25 por tonelada que os brasileiros vão economizar na compra de nosso trigo. É uma grande vantagem para os dois lados”, assegura Peterson.
Russos buscam espaço para trigo
Se com os EUA existe uma longa tradição de negócios, com os russos a situação é inversa: eles acabam de desembarcar no mercado local. Bart Swankhuizen, diretor comercial da Sodrugestvo, primeira trader a fechar negócio com moinhos brasileiros, diz que foram enviadas 30 mil toneladas no ano passado e, para este ano, a meta é chegar a 90 mil toneladas.
“A taxa para fornecedores de fora do Mercosul torna o trigo argentino mais competitivo na maior parte do ano. Mas de julho a outubro, quando chega o trigo novo na Rússia, a Argentina está na entressafra e o preço é mais alto. Temos potencial para colocar de 300 mil a 400 mil toneladas por ano no Brasil, se as regras de importação permanecerem como estão”, sublinha Swamkhuizen.
A Rússia é o maior produtor de trigo do mundo, com 75 milhões de toneladas, e o maior exportador, com 35 milhões de toneladas por ano. “Havia algumas questões fitossanitárias que já foram superadas. Hoje não há nada que impeça nossa venda para o Brasil. É apenas uma questão de preço”, destaca o executivo.
A reação dos hermanos
E como a Argentina reagirá às investidas dos concorrentes em seu mercado “cativo”? Guillermo Garcia, diretor da Bunge no país vizinho e vice-presidente da Câmara da Indústria de Óleos Vegetais da Argentina, acredita que a batalha “será dura” para os russos e americanos.
“No ano passado, apesar de uma grande produção, o teor de proteína de nosso trigo manteve-se muito elevado. E esse era nosso ponto fraco, quando havia colheita recorde. Mas os produtores conseguiram manter o nível de proteína porque estão aplicando mais fertilizantes, estão cuidando bem dos trigais. Então, vai ser muito difícil para os EUA competir mano a mano conosco”, assegura. “Temos um trigo suficientemente barato para competir com EUA, Rússia ou qualquer outro produtor mundial”, completa.
Mercado em transformação
O fato é que a costura de novos acordos comerciais, seja com a União Europeia, seja com os EUA ou com outros países, irá mexer não apenas com o mercado de trigo, mas com toda a indústria de panificação brasileira. Na avaliação de João Carlos Veríssimo, presidente do Conselho Deliberativo da Abitrigo , os próximos anos serão marcados pelo desembarque no país de um grande volume de massas, biscoitos e pães industrializados de países mais desenvolvidos.
“Vamos concorrer com países que têm renda per capita cinco vezes maior do que a nossa. As desvantagens passam pela Tarifa Externa Comum, que torna mais caro importar trigo de fora do Mercosul, e por burocracias tributárias e logísticas. É um conjunto de fatores que temos de resolver aqui no Brasil”, destaca.
Para o presidente executivo da Abitrigo, Rubens Barbosa, a nova diplomacia econômica do Brasil deve dar prioridade à preparação do país para quando entrar em vigor o acordo com a União Europeia e para um eventual tratado semelhante com os Estados Unidos. "Precisamos reconhecer e ter consciência de que será necessário colocar a casa em ordem para dar uma resposta à abertura econômica, considerando os elevados impostos, juros ainda muito onerosos, burocracia, insegurança jurídica para os negócios, rombo fiscal, incapacidade de investimentos do Estado e baixo aporte de recurso em P&D, que se reflete no pequeno volume de registro de patentes nacionais", alerta.
*O jornalista viajou a Campinas a convite da Abitrigo
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