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Produtores de soja estão preocupados com a medida proposta pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa) para reduzir em um ponto percentual o teor de umidade da oleaginosa. O presidente da Comissão Nacional de Cereais, Fibras e Oleaginosas da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Ricardo Arioli, alerta que, se a mudança for aceita, o país vai abrir mão de 3 milhões de toneladas ao ano.
Trata-se de um cálculo estimado da perda de peso por conta da menor umidade do produto. “Esse prejuízo não pode ficar com o produtor”, aponta o presidente da CNA. A produção nacional do grão neste ciclo 2023/24 promete alcançar 162,4 milhões de toneladas.
Instituições ligadas ao cultivo têm alertado que não há fornecedor no mercado que possa reduzir o índice de umidade dos atuais 14% para 13% e que a mudança vai tirar a competitividade do produto brasileiro no mercado, além de inviabilizar muitas propriedades e de acarretar danos bilionários e irreparáveis ao produtor. Pela atual formatação proposta, o produtor terá que pagar mais pela secagem dos grãos, além de perder produção, já que grãos mais secos acabam pesando menos.
Na semana passada, em audiência pública de três dias na Secretaria de Defesa Agropecuária do Mapa que tratou de termos relacionados ao novo Regulamento Técnico da Soja, definindo os critérios de classificação da oleaginosa de acordo com parâmetros técnicos, representantes da CNA deixaram a sala de debate, como forma de protesto, após o Ministério manter a defesa dos 13% de umidade.
O martelo não está batido e a CNA quer tratar direto com o ministro Carlos Fávaro a manutenção do percentual atual. “A CNA se retirou da reunião porque os produtores não concordam com a redução da umidade. Não vamos aceitar essa alteração, pois o primeiro a ser descontado será o produtor e não podemos absorver esse prejuízo”, diz Arioli.
No Paraná, Faep alerta que medida é “inatingível” para produtores de soja
No Paraná, estado que é o segundo maior produtor do cereal no Brasil - com estimativa de colheita de 21,4 milhões de toneladas neste ciclo - a medida também trouxe preocupação ao campo. A Federação da Agricultura do Estado (Faep) considera a proposta “inatingível” e avalia que pode promover danos irreparáveis "da porteira para dentro", com quem ficaria o pagamento desta conta.
Com a pretensão de sensibilizar autoridades políticas e o setor produtivo nacional, a Faep enviou ofício à CNA, a deputados e senadores do estado pedindo auxílio nas tratativas, além de providências. No documento n° 910/23, assinado pelo presidente da Faep, Ágide Meneguette, o órgão representativo de classe manifesta preocupação e afirma que acompanhou as discussões na comissão da CNA, “em que se cogitou acatar a redução do percentual de umidade padrão para 13%, e negociar com os agentes de mercado um modelo de remuneração por matéria seca”.
O presidente da Faep avalia que esse não é o caminho mais prático. “Demandará negociação de um modelo com tradings, que terão o mesmo viés de defesa comercial dos chineses”, responde, ao se referir às exigências do mercado chinês a grãos mais secos.
O documento da Faep alerta ainda que existem grandes volumes do cereal negociados em cooperativas, que precisariam ser inseridos nessa mesa de negociações. “Precisamos de metas e padrões que sejam factíveis dentro de nossa realidade produtiva - e é esse ponto que acreditamos que precisa ser defendido. Trata-se de conciliar os pontos de interesse nacional, a fim de evitar perda de competitividade de nossa produção, que já sofre com tantos outros gargalos relacionados ao Custo Brasil”, argumenta Meneguette no ofício.
No mesmo documento endereçado a João Martins da Silva Júnior, presidente CNA, a Faep destaca que o Mapa “argumenta que a atualização da norma se faz necessária para atender ao novo padrão chinês” e que exigências do mercado consumidor devem ser, sempre que possível, consideradas. “Porém, a posição do Brasil é de domínio absoluto deste mercado, com 41% da produção e 58% das exportações mundiais, o que não foi alcançado somente com preço e capacidade de produção, mas também com qualidade. Analisando todos esses fatores, não há fornecedor comparável no mercado. O posicionamento em defesa de nosso padrão de produto será, de qualquer forma necessário, visto que o percentual de óleo e proteína chinês é inatingível, mesmo para o Brasil, que tem os melhores índices médios, quando comparado aos demais países exportadores”.
Mercado chinês sobe a régua e faz o que é melhor para a economia deles, diz presidente da Faep
Para o presidente da Faep, a estratégia comercial chinesa fica clara, “ao subirem a régua excessivamente em parâmetros que poderiam diferenciar economicamente o produto (brasileiro), como teor de óleo e proteína, e sugerir percentual menor de umidade”. Meneguette reforça no documento que, assim, os chineses fazem o que é melhor para a economia deles, como francos importadores.
“Deveríamos ter a mesma postura. Além disso, nada impede que tais exigências de mercado sejam cumpridas por parte dos exportadores, uma vez que o papel destes na cadeia produtiva é de, justamente, padronizar produtos, de acordo com a exigência de seus clientes", avalia. Outra questão crucial a ser considerada, na avaliação de Meneguette, é a avaliação do histórico de ocorrência de lotes de soja brasileira deterioradas, com perda de coloração, relatados pelos importadores, tendo como causa o percentual de umidade maior que o recomendado. "Se não há, ou se foram resultado de falhas pontuais de procedimento operacional, qual a necessidade de se alterar esse parâmetro?”, questiona o presidente da Faep.
Aspectos técnicos de produção: agricultor seria penalizado
Ao analisar profundamente o impacto que essa redução de umidade traria à produção brasileira, o presidente da Faep lembra que o Brasil colhe predominantemente em condições de alta temperatura e maior umidade em períodos que antecedem ou sucedem a operação.
“Clima e ponto de colheita são fatores incontroláveis. O risco de aguardar queda de um ponto percentual de umidade a campo é inadmissível diante da possibilidade de secagem em ambiente controlado. E o produtor, com margens apertadas de lucro, tentará evitar descontos na entrega de seu produto. A determinação de umidade nas unidades de recebimento já é o ponto de maior conflito na classificação de grãos, ao menos aqui no Paraná, e é também o de menor transparência no que se refere à cobrança pela operação de secagem, quase sempre não discriminadas como serviço, como deveria, mas padronizada em tabelas de descontos, que são os mais variados possível”, argumenta Meneguette.
O ofício da Faep leva em conta um parecer técnico no qual a Embrapa, em recente publicação sobre o sistema de produção de soja, alerta às consequências do retardamento da colheita, indicando que a espera por menor umidade pode provocar a deterioração e elevação da incidência de patógenos, referindo-se à produção de semente, mas totalmente aplicável ao grão comercial.
“Além disso, quanto mais seca estiver a lavoura, maior poderá ser a deiscência, com redução acentuada na qualidade do produto. Na mesma publicação, ressalta-se que a soja colhida com umidade entre 13% e 14% tem minimizado problemas de danos mecânicos e latentes nos grãos. Já a colheita de produto com umidade superior a 14% resultará em mais danos mecânicos latentes, e se realizada com teores abaixo de 13%, estará suscetível ao dano mecânico imediato, ou seja, à quebra”, considera o presidente da Faep.
Mapa diz que proposta é técnica
O presidente da Comissão Nacional de Cereais, Fibras e Oleaginosas da CNA, Ricardo Arioli, aponta que o Brasil adota o padrão de 14% de umidade do grão de soja desde o início do plantio e que a mudança exigiria adaptações para controle de umidade no processo de armazenamento, o que implicaria no aumento dos custos de produção.
Arioli reitera que a CNA está aberta ao diálogo e continuará defendendo a manutenção do teor de umidade da soja de 14% ou uma compensação financeira justa para o produtor rural aceitar a alteração da umidade.
O Ministério da Agricultura justifica que a medida proposta é resultado de um trabalho técnico para melhorar a identidade e qualidade do cereal brasileiro, atendendo a padrões internacionais como dos Estados Unidos e da China. O Mapa tem defendido ainda que não cabe à pasta interferir nas relações comerciais baseadas nestes parâmetros de umidade.
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