Ouça este conteúdo
Na reta final de 2024, as cotações de café na Bolsa de Nova York chegaram ao maior valor nominal histórico e quebraram um recorde de mais de 50 anos, quando a grande “geada negra” dizimou as plantações no Paraná, nos anos 1970. Em dezembro, a cotação da saca de 60 kg do tipo arábica dobrou em relação ao início do ano e passou de R$ 2.200. Não há sinais que aliviem o nervosismo do mercado internacional. E, no varejo brasileiro, novos reajustes estão previstos.
Dados da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic) apontam que, de novembro de 2023 a novembro de 2024, a alta nos supermercados foi de 38%. Enquanto isso, a alta da cotação da commodity na Bolsa superou 100%. "As indústrias estão entendendo que não vão conseguir repor os estoques e foram para o varejo negociar um novo aumento", diz Celírio Inácio, diretor-executivo da Abic.
“O aumento do preço do café na prateleira é inevitável. Deve ficar entre 35% e 40% até meados de janeiro. Depois, é possível que os preços se mantenham. Mas se houver qualquer soluço, podemos galgar patamares ainda maiores”, prevê Inácio.
Safra recorde não veio. Ao contrário
Os cafezais funcionam num ciclo de bianualidade. Safra cheia seguida de outra menor, sucessivamente. Esse ano deveria ser de alta no Brasil, que responde sozinho por um terço da produção mundial. Mas a estiagem estragou os planos.
“Desde 2021, quando houve uma forte geada, o mercado esperava uma safra gigante no Brasil para se livrar de todos os problemas. Em vez disso, tivemos colheitas medianas e, agora, de novo, o país foi atingido por um problema climático. De repente, as pessoas acordaram e perceberam que a safra não será cheia e nem sequer boa. O mercado está nervoso e percebe que não há como substituir a falta do café brasileiro”, disse à Gazeta do Povo Neil Rosser, diretor da Bison Luxley Commodities, corretora de café com sede em Londres.
A dimensão dos danos da estiagem também pegou as torrefadoras de surpresa. “No final do ano passado e no primeiro semestre desse ano as grandes torrefações do mundo começaram a usar os estoques, porque mantê-los custava dinheiro, visto que os juros que eram negativos passaram a ser positivos. Elas imaginavam que no segundo semestre de 2024 iriam repor esses estoques todos muito mais baratos, porque a safra do Brasil ia ser grande. Mas a safra frustrou”, corrobora Eduardo Carvalhaes Junior, corretor do centenário Escritório Carvalhaes, de Santos (SP).
Relatório da Volcafe azedou o café na Bolsa
A estimativa oficial sobre a quebra da colheita no Brasil, feita pela Conab, só deve sair no final de janeiro. Mas um relatório da Volcafe, uma das maiores tradings globais de café, colocou o mercado em polvorosa na segunda semana de dezembro. A estimativa da companhia suíça é de que a safra brasileira de café arábica encolherá 11 milhões de toneladas, sendo reduzida para 34,4 milhões. Nas bolsas, a cotação do arábica disparou e chegou a 3,48 dólares por libra-peso.
Neste ano, o estresse das plantações pela seca prolongada no outono-inverno culminou com plantas enfraquecidas, que perderam boa parte da florada da primavera. Diante da perspectiva de colheita pobre, muitos produtores optaram por esqueletar os pés de café (espécie de poda), visando estimular a produção no ano seguinte.
Por outro lado, por ser uma planta perene, que produz até 25 anos, o café carrega os efeitos climáticos adversos de uma safra para outra. Diferente, por exemplo, da soja ou milho, culturas anuais que “zeram o jogo” a cada semeadura. Inácio, da Abic, lembra que o efeito da seca pode ser pior do que o de uma geada.
Estiagem traz mais incerteza que geada
“A geada a gente olha e sabe onde começou e onde terminou [o dano] em determinada região. Mas quando é problema hídrico, você só vai ficar sabendo quando ocorre a florada. É sempre da mesma planta que nós estamos falando. E dessa vez, não temos condição nenhuma de dizer que essa safra vai ser boa, mesmo que haja chuva em janeiro e fevereiro”, observa Inácio.
Além das condições climáticas que comprometeram as safras dos dois maiores produtores, Brasil e Vietnã, há outros fatores estruturantes que mantêm a pressão sobre preços, em médio prazo. A economia do café é global e os insumos são dolarizados.
O contexto de juros mais altos em vários países, aliado à valorização da moeda americana, tornou cara a manutenção de estoques pelas torrefadoras. Em uma situação normal, destaca Rosser, da Bison Luxley, o mercado pagava um prêmio para quem carregasse os estoques. Hoje, devido à oferta apertada, ocorre o contrário. “É o mercado de curto prazo que paga o prêmio. Você perde dinheiro a cada mês que carrega estoque”, frisa.
Trump e China mexem com o mercado do café na Bolsa
“Cidadão do mundo”, o café sofre com as instabilidades globais, seja a guerra da Ucrânia e seus efeitos no custo dos insumos, seja a ameaça generalizada de sanções e sobretaxas do novo governo de Donald Trump. “Ele acorda de manhã e depois diz o que vai fazer”, sublinha Eduardo Carvalhaes Júnior, corretor de café de Santos (SP).
Paralelamente, o aumento do consumo de café na China deve exigir expansão dos cultivos. “Hoje a China já tem mais cafeterias do que os Estados Unidos, mas o consumo deles é menor. Há quatro anos era a 20.ª maior compradora de café do Brasil, e agora já está no 6.º lugar”, pondera Carvalhaes.
Ainda que se mantenha na liderança isolada na produção mundial de café, o Brasil não tem conseguido repetir o recorde próximo de 70 milhões de toneladas exportadas em 2020. Nos últimos anos o patamar máximo tem ficado em torno de 50 milhões de toneladas. O diagnóstico é de que, para expandir em volume e qualidade diante de incidentes climáticos mais frequentes, o cafeicultor precisará fazer investimentos que vão impactar os custos de produção e elevar o preço final.
“Existe um novo normal em relação ao preço do café. Isso leva em consideração o aumento da demanda, mas também um aumento do custo de produção para o produtor. Ele precisará eventualmente irrigar e adotar práticas de manejo que encarecem a atividade. A perspectiva de alta no preço é de longo prazo, porque existem fatores estruturantes, como câmbio, custos e esses incidentes climáticos mais recorrentes”, sublinha Vinicius Estrela, diretor-executivo da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA).
Todos à espera dos números da Conab
O único consenso por enquanto é de que a safra será menor, pressionando os preços. Enquanto não sai a estimativa oficial da Conab, o tamanho da quebra vira motivo para especulação no mercado. “Aqueles que são da produção sempre dizem que os números da Conab são um exagero, e baixam as estimativas. E aqueles do lado comprador levantam os números. Um lado baixa 5 milhões de sacas, outro lado sobe 5 milhões de sacas. Mas acaba dando sempre o número da Conab, no meio disso”, assegura Carvalhaes.
Especulações à parte, não bastassem os fatores climáticos, econômicos e geopolíticos a pressionar o preço do café, no Brasil ainda se acrescenta o peso do gargalo logístico, que piorou nesta temporada. Vinícius Estrela, da BSCA, aponta que existem hoje 2 milhões de sacas de café parados no Porto de Santos.
A média de espera na fila do embarque saltou de quatro a dez dias para perto de um mês. Em alguns casos, até 60 dias. Segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), até setembro o prejuízo acumulado pelos atrasos foi de R$ 5,93 bilhões.
“E quem paga essa conta? É tanto o consumidor brasileiro como o exportador que tem sua margem diminuída”, sublinha Estrela, da BSCA.
Porto de Santos reconhece atrasos
Contatada, a Autoridade Portuária de Santos (APS) informou que de janeiro a novembro houve aumento de 24% nos embarques de café por Santos, atingindo 1,83 milhão de toneladas.
A APS diz que vem promovendo conversas dentro de seu papel de intermediar a busca de soluções, “uma vez que não é responsável pela execução das operações, com vistas a se tentar achar o melhor modelo para mitigar os atrasos mencionados”. “É uma tarefa que demanda tempo, pois envolve diversos cenários e muitas instituições envolvidas”, conclui a nota do Porto de Santos.