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Pacto comercial

Cerco se aperta contra Moratória da Soja, que exige mais do que a lei brasileira

Exigências da Moratória da Soja conflitam com as permissões do Código Florestal do paí (Foto: Daniel Castellano / Arquivo Gazeta do Povo)

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Não há sinal de trégua na rebelião de parlamentares e produtores rurais da Amazônia Legal contra a moratória da soja. Esse acordo comercial foi adotado por tradings e ONGs no primeiro governo Lula, após pressão de clientes europeus. Deveria ser provisório, tinha perspectiva de durar dois anos. Mas se transformou em política permanente que caminha para duas décadas de vigência, apesar de estabelecer restrições que extrapolam a legislação brasileira.

Por meio de imagens de satélite e auditorias nas empresas signatárias do pacto, a moratória funciona como um boicote ao produtor que ouse cultivar soja em área desmatada após 2008. Mesmo se respeitar os parâmetros permitidos pelo Código Florestal.

As restrições cobrem 60% do território brasileiro, inclusive terras vocacionadas para produção de grãos em Mato Grosso, Rondônia e Pará. A soja é o principal item de exportação da balança comercial brasileira. Injetou US$ 67 bilhões na economia do país no ano passado.

Em Brasília, a oposição tenta angariar assinaturas para instalar uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) e provar que a moratória fere a soberania nacional e prejudica o desenvolvimento dos municípios. O Tribunal de Contas da União (TCU) investiga a atuação do Banco do Brasil, que é signatário da moratória e não poderia, em tese, exigir pré-requisitos além da legislação para conceder empréstimos com recursos públicos.

Mato Grosso, fiel da balança

Mas é dos estados que pode vir o golpe letal contra a moratória. Rondônia já aprovou lei proibindo a concessão de benefícios fiscais a empresas signatárias do pacto, considerado crime contra a economia. Em Mato Grosso, há lei semelhante tramitando entre os deputados estaduais. Se for aprovada, será como uma "bala de prata" na moratória, devido à dimensão do agronegócio mato-grossense, que responde por 30% da produção nacional de grãos.

Tanto a lei aprovada em Rondônia como o projeto em discussão en Mato Grosso vedam benefícios fiscais e concessão de terrenos públicos para empresas que "participem de acordos, tratados ou quaisquer outras formas de compromissos, nacionais ou internacionais, que imponham restrições à expansão da atividade agropecuária em áreas não protegidas pela legislação ambiental específica, sob qualquer forma de organização ou finalidade alegada".

O que começou com bloqueio de 50 agricultores atinge hoje mais de 6 mil propriedades. O descontentamento dos produtores com a moratória ganhou força neste ano em audiências públicas em Mato Grosso e Brasília.

Abiove fez concessões para tentar salvar a moratória

Em aceno para uma negociação, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que representa as principais tradings de grãos, aceitou que as áreas embargadas se limitem ao polígono desmatado, e não se apliquem mais a toda a fazenda. Somente essa medida já reduziria significativamente o alcance do embargo: de 1,5 milhão de hectares para 250 mil hectares. A Abiove também ofereceu assento às organizações dos produtores no comitê gestor da moratória.

Tais concessões não foram suficientes para pacificar o assunto. A deputada Coronel Fernanda (PL-MS), que coordena os debates na Câmara Federal, não faz rodeios: “O acordo que nós queremos é o fim da moratória”.

WWF alerta para perda de reputação e mercado

Os defensores do pacto, em contrapartida, argumentam que sua abolição poderá tornar a soja brasileira maldita, com muito mais a se perder do que ganhar.

“O Brasil vai perder reputação, vai perder esse selo verde da soja que vem da Amazônia. Outro grande prejuízo será a mensagem negativa de anistia para o desmatamento. Vamos simplesmente dizer que o crime compensa. E todos aqueles produtores que fizeram 7 milhões de hectares de soja sobre áreas de pastagem degradada ou áreas desmatadas antes de julho de 2008 vão receber um nariz de palhaço”, afirma Tiago Reis, especialista em conservação da WWF-Brasil.

A WWF estima que se a moratória deixar de existir, 1,1 milhão de hectares de alta aptidão para soja serão incorporados à produção em dois a três anos. Essas áreas hoje são excedentes de preservação nas propriedades privadas da Amazônia Legal.

Enquanto os produtores veem essa expansão como algo natural, dentro do permitido no bioma (cultivo em até 20% da propriedade privada), os ambientalistas dizem que seria um desastre, com o lançamento de mais 300 milhões de toneladas de CO2 equivalente para a atmosfera. “Isso é três vezes as emissões totais de gases de efeito estufa da Bélgica em 2022. Acentuaria ainda mais a mudança climática e todos esses efeitos que a gente já está sentindo, como aumento do calor e das enchentes como a que aconteceu no Rio Grande do Sul”, afirma Reis.

Soja estocadaBrasil é líder global das exportações de soja, com 56% de participação (Foto: Daniel Caron / Arquivo Gazeta do Povo)

Moratória teria induzido maior eficiência na agropecuária

Assim, os signatários do pacto defendem manter o “marco temporal” de 2008 como freio ao desmatamento, ainda que legal, para expansão da soja brasileira. Atualmente, estão em desconformidade com a moratória cerca de 250 mil hectares de soja no bioma Amazônia, contra 7,18 milhões de hectares regulares. Em todo o país, a área plantada com o grão é de 46 milhões de hectares.

“Desde a introdução [da moratória] na Amazônia, a área de soja cresceu 365% no mesmo período e utilizando áreas que antes estavam abandonadas e degradadas, evitando a abertura de novas áreas. Além de proteger o clima e a estabilidade da chuva que ajudam na produção agropecuária, a moratória também induziu a agropecuária a se tornar mais eficiente”, defende Reis.

Na contramão do argumento das ONGs, a deputada Coronel Fernanda minimiza os possíveis prejuízos pelo fim da moratória. Seria, antes de mais nada, uma afirmação da soberania do país, fazendo valer sua lei ambiental, que já é uma das mais rigorosas do planeta.

"Quem quiser soja diferenciada, que pague", diz deputada

A Europa é “obrigada a comprar do Brasil”, diz a parlamentar, porque não tem autossuficiência em soja. Como conciliação, ela propõe destinar aos europeus a soja produzida em outras regiões do país, como o Sul, que ficam longe da polêmica de novos desmatamentos. “Elas [as tradings] poderiam fechar para atender o público europeu comprando somente naquelas áreas. Quem quiser comprar um produto diferenciado conforme as normas da moratória tem que pagar mais caro e respeitar as nossas leis ambientais”, sublinha.

A área abrangida pela moratória atinge mais de 750 municípios onde vivem 28 milhões de brasileiros. A Abiove alega que a não conformidade com o pacto atinge apenas 3,4% do total cultivado com a oleaginosa no bioma amazônico em 2022/23.

“Uma questão-chave é a necessidade de não comprar qualquer tipo de produto de área com desmatamento, porque os mercados não querem. O produtor não está errado em dizer que a moratória tem impacto negativo para ele. Mas temos que achar uma solução, porque eliminar a moratória hoje é quase impossível, vai ter um impacto direto sobre a soja brasileira. Vai prejudicar quem desmatou e quem não desmatou, vai prejudicar todo mundo”, afirmou André Nassar, diretor da Abiove, na primeira audiência realizada pela Câmara dos Deputados, no início do ano.

Deputada Coronel FernandaDeputada Coronel Fernanda (PL-MT) pediu audiências para debater o fim da moratória da soja (Foto: Reprodução / Youtube Câmara dos Deputados)

BB e INPE não explicam adesão à moratória

Dentre os signatários do pacto, apenas a Abiove, que representa as indústrias e tradings, e a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) compareceram às audiências públicas. As ONGs, o Banco do Brasil e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) não enviaram representantes.

A Gazeta do Povo fez contato com a assessoria do Banco do Brasil e do INPE questionando a razão de os órgãos de governo assinarem a moratória. Não houve retorno. Quanto às ONGs, a WWF compartilhou carta, assinada também pelo Greenpeace, que foi enviada à Comissão de Agricultura da Câmara declinando do convite “em função do ambiente hostil criado em torno dela, com intimidação à atuação das ONGs”.

Na carta, as ONGs reafirmam que a moratória “é um compromisso firmado livre e voluntariamente”. E que teria contribuído para redução de 69% do desmatamento, entre 2009 e 2022, nos municípios monitorados. Teria sido decisiva, também, para que 95,6% da expansão da soja ocorresse em áreas antropizadas antes de 2008, principalmente pastagens.

“Neste mesmo período, o Brasil se tornou o maior exportador de soja no mundo e é responsável por mais de um terço do grão produzido globalmente. Tais dados demonstram que é possível crescer com compromissos ambientais firmes”, diz o documento.

Tradings signatárias da moratória controlam 90% da soja amazônica

Para Tiago Reis, porta-voz da WWF, não haveria conflito entre o Código Florestal e os termos da moratória. “Ela é simplesmente um compromisso de mercado. Da mesma forma que eu tenho direito de ir ao supermercado e escolher o café A, B ou C, as empresas compradoras de soja também têm o direito de escolher. Quem desmatou legalmente depois de 2008 tem outros canais de venda, pode comercializar de outras formas com outras empresas que não fazem parte do pacto”, argumenta.

Avaliação diferente faz o ex-deputado Nilson Leitão, presidente do Instituto Pensar Agro (IPA). O instituto funciona como um think tank da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA). Para ele, as tradings são reféns do pacto e, os produtores, vítimas. As tradings associadas à Abiove e à Anec, signatárias do pacto da moratória da soja, comercializam cerca de 90% do mercado do grão no bioma Amazônia.

“A trading é refém. Se ousar comprar de uma área na moratória, estipulada por ONG, ela vai ser penalizada no mercado lá fora. Eles não podem rotular de forma alguma o produtor rural como se estivesse cometendo crime ambiental, se o Estado brasileiro deu a ele a licença e a autoridade para vender seus produtos. A gente tanto combate o fato de o Judiciário se envolver em tudo, mas, na minha opinião, esse é um caso para o Judiciário. O Legislativo não tem como fazer nada”, diz Leitão.

Proposta de moratória da soja no Cerrado

Se do lado produtivo cresce o movimento para pôr fim à moratória da soja, do lado ambientalista a meta é expandir as restrições para o Cerrado brasileiro.

Reportagem da Gazeta do Povo mostrou o tour que ONGs e militantes brasileiros fizeram pela Europa, no início do ano, pedindo o boicote a produtos vindos do Cerrado. Ao mesmo tempo, o Fórum Econômico Mundial divulgava o documento “Cerrado: produção e proteção” (disponível em inglês). O Fórum defende que o Brasil poderia agregar divisas de até US$ 72 bilhões por ano, por meio de incentivos à preservação, caso interrompesse a conversão de novas áreas do Cerrado à agricultura.

Na arena política, já existe uma proposta de moratória do Cerrado. O PL 4.203/2019, de autoria do senador Jorge Kajuru (PSB -GO), foi rejeitado pela Comissão de Agricultura e está sob análise da Comissão de Meio Ambiente do Senado. O PL estabelece que por dez anos ficarão proibidas novas autorizações para supressão de vegetação no bioma.

Atualmente, metade do bioma Cerrado permanece intocado. E dos 200 milhões de hectares preservados, 80 milhões estão dentro das propriedades rurais. Destes, 30 milhões são proteção nativa excedente às exigências do Código Florestal e poderiam em tese, pela lei, ser convertidos à agricultura.

Incentivos para preservação, defende diretor da Abiec

Para o diretor de Sustentabilidade da Associação das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Fernando Sampaio, "o controle da ilegalidade e a implementação do Código Florestal nos levariam bastante próximos a cenários de desmatamento zero".

Em artigo, Sampaio argumenta que "o controle do desmatamento ilegal não deve ser imposto e deve resguardar direitos individuais". "Mas pode ser tratado com incentivos (...) Por que países em desenvolvimento não poderiam, por exemplo, usar parte dos recursos advindos da exploração de petróleo para financiar soluções baseadas na natureza durante uma transição tanto energética como de sistemas alimentares?", indaga.

Ele cita bioeconomia, concessões florestais, mercados de carbono e recuperação de áreas degradadas como áreas de alto potencial para investimentos preservacionistas.

"No lugar de tentar acabar com mecanismos que hoje garantem acesso do Brasil ao mercado, seria bem mais útil que nossos políticos, federais e estaduais, entendessem, com o setor produtivo e a sociedade, como fazer esses mecanismos simplesmente desnecessários", conclui o engenheiro agrônomo.

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