A possível compra da Monsanto pela Bayer impressiona não apenas pela cifra envolvida: US$ 62 bilhões. A nova investida da multinacional alemã contra a norte-americana Monsanto agita o mercado financeiro pelo tamanho do negócio, mas principalmente pelo que ele representa ou pode representar em termos de oportunidade e risco à economia, ao agronegócio e à população mundial. Independentemente do segmento em questão, o assédio da Bayer, reiterado e reajustado por algumas vezes nos últimos meses, talvez seja a maior oferta de aquisição por uma companhia de que se tem conhecimento na era da economia moderna e globalizada.
“O negócio em questão vai muito além. Tem a ver com o preço da comida e o acesso à alimentação. É econômico? Sim! Mas também é humanitário, de segurança alimentar”.
O que está em jogo, no entanto, não é o poder econômico, seja ele de capacidade de pagamento da Bayer ou de resistência da Monsanto diante de uma proposta sedutora, tentadora e irrecusável, a considerar o valor mesurável dos ativos da Monsanto. Será que vale tudo isso? Há quem diga que não. No vale quanto pesa, o interesse maior está no potencial inestimável de um negócio que não tem a ver apenas com ações ou acionistas, como tentam simplificar as duas companhias. O negócio em questão vai muito além. Tem a ver com o preço da comida e o acesso à alimentação. É econômico? Sim! Mas também é humanitário, de segurança alimentar.
A fusão entre as duas empresas, que tem como consequência uma concentração ainda maior desse mercado, em uma transação histórica e espetacular para o mercado financeiro, pode ser nociva ao agronegócio. Pode se traduzir em mais tecnologia? Não há dúvidas de que sim. O medo e a preocupação é que esse domínio, que o controle de uma tecnologia e de um mercado de interesse público, possa ter efeitos colaterais, imprevisíveis e em cadeia, no campo e na cidade, na produção e no consumo, no econômico e no social.
Questão de sobrevivência
O que está sem jogo não é a concentração do mercado de cerveja, como ocorreu com a Ambev, que virou Inbev e depois Anheuser-Busch InBev, que hoje detém mais de 200 rótulos de cerveja e domina o mercado da cerveja mundo afora, com operação em 23 países. A disputa em questão é pelo controle de boa parte do mercado de insumos agrícolas que hoje são essenciais e condição à produção de alimentos. É preciso, portanto, avaliar e acompanhar o negócio do ponto de vista não apenas do capital, das ações e dos acionistas. Mas sob a ótica do abastecimento e da segurança alimentar. Sobretudo da soberania.
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Não é uma questão pura e simplesmente de dependência e concentração de mercado. É questão de sobrevivência. Que o digam os chineses, quando levaram a Syngenta. Em fevereiro eles pagaram US$ 43 bilhões pela multinacional de sementes e defensivos agrícolas com sede na Suíça. Com a maior população e também o maior consumo de alimentos do mundo, uma das estratégias da China foi justamente evitar maior concentração e, por consequência, a dependência de poucos players para uma demanda que só cresce no país e no mundo, o alimento.
Mais gente, menos terra
Em 2020, segundo a FAO, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, seremos 7,5 bilhões de habitantes, com apenas 1,8 hectare per capita disponível para produção de alimentos. Uma relação que diminui muito e também muito rápido. Na década de 80 éramos 4,4 bilhões de habitantes, com 3 hectares per capita.
A proporção ficou mais justa porque a população cresceu e área agricultável no planeta encolheu. Entre os motivos desse quadro apertado há o agronômico, por causa das mudanças climáticas e da desertificação. Já no recorte mais social e demográfico, basicamente isso ocorreu pelo aumento da população, pelo êxodo rural, pela dificuldade de sucessão no campo e pelo inchaço das grandes cidades.
Os números da FAO mostram que o cenário e as perspectivas não são das melhores. E que tudo pode piorar. O mundo do agro e a população do mundo precisam cada vez mais de tecnologia. Mas também da democratização – não de concentração – do acesso à tecnologia.