Não por acaso, os ministérios da Agricultura e dos Transportes, junto com a Secretaria dos Portos, estão entre as pastas em mais evidência e também mais cobradas em Brasília. Através da Casa Civil, o Palácio do Planalto chama à responsabilidade os titulares das áreas que são impactadas pelo caos logístico que se estabelece com o escoamento de mais uma safra recorde de grãos. De certa maneira, uma estratégia para dividir o ônus e o desgaste das filas quilométricas de caminhões, e agora de navios, que expõem ao mundo as limitações de infraestrutura do Brasil. A realidade de uma produção que cresce e tem espaço no mercado internacional, mas que não tem garantia de entrega, pelo menos dentro do prazo. O que mostra que o nosso tempo, infelizmente, nem sempre é o tempo do comprador.
A Agricultura talvez seja a pasta em situação menos desfavorável, a considerar que a temporada vai bater um novo recorde, com 185 milhões de toneladas. Está certo que o clima não foi camarada com todo mundo. Mas a combinação de área maior com produtividade excepcional em determinadas regiões compensou as perdas pontuais, que não chegaram a comprometer o potencial em volume total de produção. Ou seja, se tem alguém que fez a sua parte, mesmo que indiretamente, foi a Agricultura. Na prática, o agricultor, incentivado mais por preço e mercado do que necessariamente pelas políticas públicas de estimulo e incentivo ao setor – muito embora não dê para negar, nos últimos anos, os avanços obtidos pelo setor produtivo no Plano Agrícola e Pecuário (PAP) do governo federal.
Mas Transportes e a Secretaria dos Portos não gozam do mesmo privilégio de argumentação. A estrutura de escoamento da safra não está comprometida unicamente porque a produção cresceu, e porque cresceu rápido. Mas porque nossos portos, rodovias e ferrovias estão ultrapassados, para não dizer sucateados. O clima, principal variável da agricultura, se destaca também como o principal vilão no embarque dos grãos, agora fora da porteira, na ponta da exportação. A mesma chuva, imprescindível à produção, limita o carregamento dos navios, encarece o custo de produção e tira a competitividade da agricultura e da economia brasileira. O que dizer então das estradas? Elas estão melhorando, é fato. Mas em que ritmo? Com raras exceções, muito aquém da expansão que ocorre na produção.
Parcerias
De qualquer forma, uma questão sem solução, no curto prazo. Não dá para resolver da noite para o dia. Pelo menos não agora, nesta safra, nem na próxima e talvez nem daqui a dez anos. E, assim, não tem outro jeito, que não seja lidar com o problema, de uma maneira que o prejuízo econômico e à imagem do Brasil seja o menor possível. Para isso valem investimentos privados, inteligência e estratégia do administrador público, assim como as parcerias público-privadas. Até porque não dá mais para achar que o governo, estadual ou federal, vai conseguir sozinho tirar um atraso de décadas.
As concessões de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos ocorrem justamente porque a União não tem mais fôlego e capacidade técnica para garantir essas operações. Vai regular, mas vai repassar o controle para quem de direito e competência possa tocar. É o interesse público nas mãos do privado? Sim. Mas o conflito só vai existir se o governo não cumprir a contento sua atribuição de regulador, no zelo com a coisa pública e com os direitos do cidadão e da economia do país. Sem rótulos de políticas socialistas, neoliberais ou qualquer que seja a ideologia ou pensamento, se o governo precisa de alianças partidárias para garantir a governabilidade, o país também precisa das concessões para não parar.
Benefício corroído
Por melhor que seja e independentemente dos avanços obtidos nos últimos anos, o Plano Safra tem seu efeito reduzido se não há infraestrutura. O juro controlado, os recursos para custeio e investimento, assim como a subvenção ao seguro rural ou então os programas para compra de máquinas e equipamentos, podem até ajudar a produzir e contribuem decisivamente para o aumento da produção. Contudo, é um benefício que acaba sendo corroído pelo custo logístico quando a produção sai da porteira, embarca em um caminhão ou um vagão para encarar a aventura – e o custo – de chegar ao seu destino. Se o caminho é porto, o desafio é ainda maior.
Na edição de ontem da Gazeta do Povo o diretor-geral da Associação Nacional de Exportadores de Cereais (Anec), Sérgio Mendes, afirmou que a logística não limita as exportações. É possível concordar o executivo a partir de uma análise dos fundamentos. Se há demanda, ela vai ser abastecida com quem tem par vender. Se a oferta está reduzida, fica ainda melhor para quem tem para vender. A logística então não seria um fator limitante, mas complicador do processo, em especial do ponto de vista econômico. Segundo a Anec, com os gargalos, que provocam demora no transporte e atraso na entrega ao destino final, o país deixa de arrecadas US$ 4 bilhões a mais por ano com as exportações de commodities agrícolas.
Em suma, vamos embarcar, com fila ou sem fila. A questão é: a que preço?
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