As políticas agrícola e econômica do Brasil voltadas ao trigo, se é que existem, ampliam cada vez mais o descompasso entre produção, consumo e a necessidade de importação do cereal. A falta de planejamento e investimento em todos os elos da cadeia produtiva agrava a dependência externa e deixa o país vulnerável do ponto de vista econômico e nutricional. Como faz parte da dieta básica da população, o trigo também tem forte impacto sobre a inflação. Pesa no bolso do consumidor do café da manhã às demais refeições feitas a qualquer hora do dia. Está no pão, no biscoito, na massa e na composição de centenas de outros alimentos.

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Mas se é tão essencial assim, por que o Brasil produz menos da metade do trigo que precisa para garantir o abastecimento interno? Está certo que não é possível produzir o cereal em qualquer região do país, por causa do clima. Ainda assim, temos área e tecnologia disponíveis. Desenvolvemos know-how, temos trigo irrigado e de sequeiro, com variedades mais produtivas para as tradicionais regiões produtoras, como Paraná e Rio Grande do Sul, como também para o Cerrado, que desponta como um produtor de excelência, com trigo de altíssima qualidade. Aliás, se não fosse pela introdução do trigo no Cerrado há poucos anos a situação seria ainda pior, numa relação desastrosa entre oferta, demanda e importação.

Assim, a discussão sobre o setor deveria ser permanente. Entretanto, se fosse para existir um momento propício, esse momento seria agora. Com área e produção em queda contínua, a triticultura vive uma de suas maiores crises da história, onde estoques, produção e consumo colocam o Brasil em nível de alerta máximo. O governo teve mais uma vez que zerar a Tarifa Externa Comum (TEC) para importação de qualquer destino do planeta. Desespero que impacta sobremaneira e de diferentes formas os elos da cadeia produtiva. Bom para a indústria, no caso o moinho, ruim para o produtor nacional, que pode ver o preço do seu produto depreciado diante da oferta que vem de fora.

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Os moinhos comemoram e os produtores reclamam. Uma situação que expõe uma vez mais os desajustes e a falta de equilíbrio que ampliam a insegurança, econômica, alimentar e de soberania. O país que já chegou a plantar 3,8 milhões de hectares e registrou picos de produção acima de 6 milhões de toneladas, em 2012 viu sua área cair a 1,9 milhões de hectares e a produção a 4,3 milhões de toneladas. A demanda, no caminho inverso, está na casa das 12 milhões de toneladas, o que significa que produzimos não mais a metade, mas apenas um terço do necessário.

Aí, não há mesmo como conter a importação, a inflação e a ira dos poucos produtores, verdadeiros guerreiros, que seguram as pontas e oferecem resistência na esperança de que um dia isso pode mudar. E é graças a esses agricultores, a essa produção, por menor que seja, que o preço do trigo e do pão não dispara ainda mais. São essas pouco mais de 4 milhões de toneladas que servem de contraponto, ajudam a regular preço do produto interno e do trigo que vem de outros países. A preocupação é que se algo não for feito, essa pequena produção pode estar com os dias contados, tornando o Brasil não mais dependente, mas refém do trigo internacional.

O volume inicialmente liberado para importação sem TEC é de 1 milhão de toneladas, podendo ser ampliado para 2 milhões. O prazo, de abril a julho deste ano, visa não interferir nos preços no período de colheita do trigo brasileiro. A estratégia, porém, não garante nada. Em outros episódios onde a tarifa foi zerada a indústria ampliou os estoques e na colheita o trigo nacional não encontrava mercado e muito menos preço. A Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) pleiteou tarifa zero para 2,5 milhões de toneladas do produto. Mas se for para proteger a produção e o produtor brasileiro, a isenção da TEC deve se restringir à cota de 1 milhão, descartando inclusive a liberação da cota adicional de mesmo volume.

Diante do exposto, no Paraná, que junto com o Rio Grande do Sul produz 90% do trigo brasileiro, fica estabelecido um dilema. Aqui, a indústria é indústria, mas tem a indústria que também é produtor. É o caso típico das cooperativas, que têm moinhos e têm produtores, que investem no processamento do cereal, mas não necessariamente estimulam ou incentivam a produção de trigo. O sistema cooperativo paranaense tem cinco moinhos ativos, um pronto para entrar em operação e outros dois em construção. Ou seja, há um investimento na indústria, mas ao que parece descolado do investimento no campo. Quem mostra isso são os números.

A conclusão, então, é que o país precisa rever ou editar uma nova política voltada à triticultura. Uma política que deve considerar questões econômicas e de segurança alimentar, bem como de alternativa de renda no campo. A demanda interna é fato e precisa, de alguma forma, ser suprida. O que não dá é para ficar construindo moinhos sem aumentar a produção. Isso é ficar mais dependente do produto importado, aumentar a insegurança e ameaçar a soberania nacional.

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Por enquanto, e por um bom tempo, vamos continuar a depender do trigo da Argentina, dos Estados Unidos, da Rússia e de quem tiver produto para vender. O que não dá é deixar a produção interna cair a pouco mais de 30% da necessidade de consumo. É onde a insegurança vira irresponsabilidade, que me parece não ser apenas do governo e da iniciativa pública, mas também da iniciativa privada.