Há alguns dias, li um excelente artigo do economista José Roberto Mendonça de Barros: “Agronegócio e Indústria: por que trajetórias tão diferentes”. O trabalho analisa as razões do baixo crescimento da economia brasileira desde 1980, identificando a interligação desse fator com o fenômeno da queda ou estagnação dos níveis de produtividade da indústria e de alguns outros setores da economia brasileira nas últimas décadas. A agricultura, entretanto, se destaca com uma dinâmica contrária, de alto crescimento.
O Produto Interno Bruto (PIB) é criado pela interação entre os estoques de capital físico e de capital humano existentes. A produtividade indica a efetividade dessa interação e é o principal motor de crescimento econômico de longo prazo, já que os estoques de capital humano e físico são limitados.
Com dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Mendonça de Barros demonstra que, no período de 1995 a 2015, a produtividade do trabalho do Brasil como um todo cresceu 0,9% ao ano, um número, na opinião dele, bastante modesto.
No período de duas décadas, a produtividade no setor de serviços, que responde por 73,2% do PIB brasileiro, cresceu apenas 0,3% ao ano. A indústria brasileira, que representa 21,2% do PIB, teve resultado ainda pior, sendo responsável por uma queda de produtividade de 0,8% ao ano. Já a agropecuária, que representa 5,5% do PIB, viu sua produtividade crescer incríveis 5,4% ao ano.
Mendonça de Barros destaca o agronegócio como o único setor relevante da economia brasileira que tem o centro de seu modelo de negócios baseado no aumento da produtividade. A própria exposição significativa à concorrência internacional contribuiu com esse modelo, interligando ainda mais a agropecuária, a agroindústria, a pesquisa e os outros serviços relacionados à agricultura. Esse conjunto que compõe o agronegócio representa hoje cerca de 22% da economia brasileira.
Na contramão do agronegócio, a indústria de transformação, a construção civil, o comércio e a logística tiveram o pior desempenho em termos de produtividade nos últimos 20 anos. Em relação à indústria, o resultado negativo ainda é mais grave, se considerarmos os amplos estímulos governamentais, o crédito subsidiado e as desonerações tributárias, dirigidos a determinados segmentos.
Campeões?
Muitas vezes, as políticas governamentais tinham como foco a maior diversificação da indústria local e a criação de novos segmentos ou o fortalecimento de algumas empresas como “campeões nacionais” em áreas escolhidas pelo próprio governo e não pela lógica de mercado.
Avaliando como fracasso as caras políticas setoriais, o economista Marcos Lisboa afirma que ao invés de “tentar fazer quase tudo”, o Brasil poderia ter se especializado em alguns setores da indústria e da agricultura. O economista estima que apenas o subsídio concedido nos empréstimos do BNDES entre 2009 e 2014 custou mais de R$ 320 bilhões à economia brasileira. Os elevados dispêndios dirigidos só a alguns segmentos ou empresas empobreceram o País e aprofundaram a recessão econômica.
Ao invés de estímulos setoriais, o governo poderia ter concentrado investimentos públicos em infraestrutura e logística, desburocratização e melhoria do ambiente de negócios, reduzindo o “custo Brasil”. A economia como um todo se beneficiaria desses investimentos.
O agronegócio cresceu por conta da sua competência e não em função de apoio governamental. É o setor que menos recebeu subsídios se comparado aos seus pares no exterior (europeus, norte-americanos, chineses etc.) e em comparação com a indústria brasileira.
Como definiu a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), “a impressionante reversão de um estado de dependência externa para a vice-liderança da produção mundial de alimentos em apenas 50 anos se deu por uma série de fatores, merecendo destaque a vasta porção de terra cultivável no País, as condições climáticas favoráveis à produção diversificada, o rápido desenvolvimento da capacidade de nossas cadeias produtivas, o desenvolvimento de tecnologia agropecuária e o aumento natural da demanda.”
Esse modelo de crescimento baseado em aumento de produtividade foi estimulado, principalmente pela política governamental de investimento em pesquisa e desenvolvimento agropecuário e pela criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 1973.
Potencial
O agronegócio brasileiro continuou crescendo nos últimos anos, mesmo em condições desfavoráveis, como preços internacionais baixos, real desvalorizado e elevado protecionismo por parte de seus concorrentes internacionais. Deu um show de desempenho aqui no Brasil e no exterior. E mais, os especialistas estimam que o nosso País vai se tornar o maior exportador mundial em poucos anos.
E a indústria? A produtividade decorre da capacidade de inovar e criar novos conhecimentos. A estagnação da produtividade é um problema no âmbito mundial. Conforme os cálculos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, a produtividade da economia mundial caiu 0,3% no ano passado e está estagnada desde 2007. A estagnação da produtividade provoca o baixo crescimento do PIB mundial que, por sua vez, se traduz em padrões de vida permanentemente mais baixos, o que pode afetar as próximas gerações.
O atual modelo da indústria manufatureira, que funciona com base na extração de matérias primas, transformando-as em produtos e depois descartando resíduos, não tem sustentação. Esse padrão extrativo está sendo substituído pela chamada “economia circular”, que busca usar insumos renováveis e soluções que restauram e regeneram resíduos, reintroduzindo-os novamente na economia para gerar energia e criar novos usos e novo valor, evitando desperdícios. Essa transformação pode dar um grande impulso ao incremento da produtividade da indústria brasileira.
A agricultura, que é a fonte da bioeconomia, terá um papel fundamental nesse novo grande complexo da economia circular. Uma maior interligação entre a agricultura e a indústria criará estímulos à agregação de valor, à inovação e à produtividade. O Brasil tem um enorme potencial na nova economia circular que está transformando o mundo de hoje.
(*) Tatiana Palermo foi Secretária de Relações Internacionais do Agronegócio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2015-2016).