O mundo passa por uma grande transformação, até pouco tempo considerada impensável. O reinado do petróleo como principal fonte de energia e de riqueza está acabando. E o Brasil precisa se achar nesse novo cenário.
Desde que Henry Ford introduziu, há 104 anos, a linha de montagem que possibilitou produzir automóveis em grande escala e por preço acessível, o desenvolvimento econômico dos países passou a depender do petróleo. As nações se dividiram entre aquelas que tinham reservas e as outras, que dependiam da importação do ‘ouro negro’. E o mundo se preocupava com o tamanho das reservas e por quanto tempo iriam durar, buscando tecnologias para aumentar a extração, partindo para o fundo dos oceanos e para as áreas de clima extremo.
A busca pelo acesso a reservas de petróleo causou instabilidade política, disputas territoriais e vários conflitos armados ao redor do mundo. A restrição da oferta provocou volatilidade e crises financeiras e, como consequência, graves recessões.
Mas o cenário mudou em 2008. Durante a crise, os preços internacionais do petróleo caíram em razão da demanda reprimida, e não por restrição da oferta. Em 2014, uma nova queda nos preços foi provocada pela superprodução do petróleo, em conjunto com nova redução da demanda.
A intensificação dos desastres naturais e o agravamento da poluição viabilizaram a aprovação do Acordo de Paris, por 197 países, que entrou em vigor em novembro de 2016. As nações se comprometeram a tentar manter o aumento da temperatura média global em 1,5°C acima dos níveis pré-industriais e, em hipótese alguma, deixar a temperatura aumentar em 2°C. Somente os Estados Unidos e a Síria não ratificaram o acordo até o momento.
Substituição a caminho
O Acordo de Paris marcou o início da ‘guerra contra os combustíveis fósseis’. China, França, Reino Unido e Noruega já anunciaram programas que visam a substituir carros que usam combustíveis fósseis por carros elétricos ou movidos a biocombustível. Os países europeus vão implementar as medidas anunciadas a partir de 2040, com exceção da Noruega, que vai começar dez anos antes. A China ainda está fechando seu cronograma. A Índia, hoje o segundo país mais populoso do planeta, e a Alemanha, a maior economia europeia, também estão avaliando a adoção de medidas para restringir carros com motores a diesel ou gasolina.
Como a China representa a metade da frota mundial de veículos, essa transformação terá impacto mundial, tanto no setor de petróleo e gás quanto na indústria automobilística e em toda a geração de energia.
O momento coincidiu com o crescimento exponencial de fontes renováveis na matriz energética mundial. Várias novas tecnologias se provaram eficazes e competitivas. A oferta de energia solar este ano já deve ultrapassar a de energia nuclear. Em 2016, 24,5% do total da eletricidade gerada no mundo já foi proveniente de fontes renováveis: 16,6% de hidroelétricas, 4% de energia eólica, 2% de bioenergia, 1,5% de energia solar e 0,4% de outras fontes renováveis, conforme os dados da REN21, rede mundial de instituições de energia renovável.
Algumas montadoras, como Tesla, Nissan e Chevrolet, já oferecem ao mercado carros elétricos. A Bloomberg New Energy Finance (BNEF) avalia que, em 2040, os carros elétricos de longa distância vão custar menos de US$22.000, em dólares de hoje, competindo em preço com os carros tradicionais. A essa altura, 35% de todos os carros novos produzidos no mundo devem ser elétricos.
A China está à frente de várias tecnologias que serão essenciais na substituição de carros a gasolina por veículos elétricos. Além das preocupações ambientais, o gigante asiático busca fomentar a competitividade de suas empresas no mercado de energias renováveis e de baterias e estabelecer padrões a serem seguidos por outros países.
Hoje, segundo a revista britânica The Economist, mais da metade do petróleo produzido no mundo é usado para transporte. Dessa quantidade, 46% vão para os carros de passageiros. Com a substituição de carros a gasolina e diesel por veículos elétricos, a Bloomberg estima que a demanda por petróleo terá uma redução da ordem de 2 milhões de barris/dia, já em 2023. Essa redução é igual àquela que provocou a crise do petróleo em 2014.
Pré-sal deve encolher
Os países que dependem das exportações de petróleo, que já vêm sendo prejudicados pela queda de preços internacionais nos últimos anos, terão que se organizar para diversificar suas economias e exportações, se adaptando ao novo cenário. Ao mesmo tempo, as fontes mais baratas de petróleo, como no Oriente Médio e nos Estados Unidos, serão mais viáveis economicamente. Muito provavelmente, os investimentos na extração de petróleo no pré-sal do Brasil, no Ártico e nas areias betuminosas canadenses vão diminuir nas próximas décadas.
E o Brasil nesse novo cenário? No âmbito do Acordo de Paris, o país assumiu a meta de aumentar a participação de bioenergia sustentável na matriz energética brasileira para 18% até 2030, expandindo o consumo de biocombustíveis. Já está tramitando no Senado Federal o Projeto de Lei do Senado No 304/2017, que proíbe a venda de automóveis movidos a combustíveis fósseis no Brasil, a partir de 2030, e veda, em todo o território nacional, a circulação desse tipo de veículos a partir de 2040.
Para o nosso país, que em 2016 foi o 10º maior produtor de petróleo no mundo, as mudanças trarão grandes desafios. As exportações brasileiras de petróleo, no ano passado, totalizaram US$ 13 bilhões, representando 7% do total exportado. Este ano, a produção ‘pré-sal’ deve superar a tradicional, ‘pós-sal’, fato que, há pouco tempo, nos daria motivo de orgulho e não de preocupação.
A produção de derivados de petróleo é a terceira maior indústria de transformação do Brasil, perdendo somente para os segmentos de alimentos e bebidas e de produtos químicos. Essa indústria, que já incorporou uma parte significativa da produção de biocombustíveis, deve buscar se diversificar ainda mais.
A Embrapa avalia que, para cumprir as metas do Acordo de Paris, o Brasil precisará, além de biocombustíveis, aumentar a bioeletricidade na matriz energética brasileira. As indústrias automotivas brasileiras, que apostaram nos motores a biocombustível e híbridos, vão precisar introduzir carros elétricos, buscando competitividade no mercado interno e fora do país.
O desenvolvimento da nossa economia com o aumento do emprego e renda vai depender dessa capacidade da indústria brasileira de inovar e se inserir na nova realidade. O Brasil já é a ‘agri-meca’ e uma das maiores bioeconomias do mundo. Temos tudo para ser um país competitivo também na era pós-petróleo.
(*) Tatiana Palermo foi Secretária de Relações Internacionais do Agronegócio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2015-2016).