Ouça este conteúdo
A redução dos preços da carne no mercado brasileiro neste ano, de cerca de 10% para o consumidor e de 30% para os pecuaristas, não será suficiente para compensar as altas acumuladas desde 2019. Somente naquele ano, o aumento foi de 32,4% no IPCA. No entanto, o fato de os preços terem recuado foi rapidamente comemorado por ministros do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e pelo PT como “cumprimento de promessa de campanha”.
O primeiro semestre de 2023 foi aquele em que o país mais produziu carne bovina na história, 4,04 milhões de toneladas segundo o IBGE. Reportagem da Gazeta do Povo já demonstrou que, tecnicamente, é impossível que o atual governo tenha contribuído para a maior oferta de boi gordo, já que o animal que hoje chega ao abate nasceu três anos atrás, quando um governo Lula 3 ainda nem aparecia no radar.
Boa parte da explicação para o recuo nos preços, que ainda é mais sentido no campo do que nas gôndolas dos supermercados, está no chamado ciclo pecuário. Basicamente, é um fenômeno de retroalimentação que ocorre nos preços do boi gordo que ora estimulam, ora desestimulam os criadores a produzir, criando um efeito gangorra. Lei da oferta e da procura.
Abate de fêmeas marca ápice de oferta, antes de escassez
No momento, o ciclo pecuário no Brasil é de alta. Com mais boi gordo ofertado, ocorre queda geral nos preços, incluindo os de bezerros e matrizes. Para equilibrar as contas, os criadores se desfazem de matrizes, forçando ainda mais a baixa nos preços. Isso sinaliza que em 2025 pode começar a ocorrer mudança no ciclo, porque a redução de matrizes (fêmeas) comprometerá a produção de bezerros e a reposição do gado abatido. Quando o rebanho diminuir, haverá pressão para subida dos preços, o que estimulará os criadores a buscar matrizes e bezerros, resultando no médio prazo em nova alta de oferta. E assim o ciclo recomeçará, com queda nos preços e abate de fêmeas diante das dificuldades financeiras dos criadores.
“Tudo tem a ver com o ciclo pecuário. Estamos colhendo os efeitos dos investimentos feitos lá atrás. O boi que está sendo abatido hoje nasceu há 30 ou 36 meses”, sublinha Lygia Pimentel, da Agrifatto. O aumento do abate de fêmeas já é sinal, diz ela, de que mais adiante haverá novo ciclo de alta.
“O preço do boi gordo para o produtor caiu cerca de 30% desde 2022. Isso compromete a renda do produtor, ele fica desestimulado a investir e, muitas vezes, precisa liquidar o rebanho para fazer caixa. Lá na frente a gente vai sentir o efeito oposto desta fase de desinvestimento. Tudo tem reflexos de prazo longo. Não adianta querer inventar essa história de que o governo fez alguma coisa em dez meses”, sublinha. O ciclo pecuário leva vários anos porque é preciso “liquidar fêmeas” de maneira contínua para haver escassez de boi gordo e, da mesma forma, “acumular fêmeas” sequencialmente para fazer subir a oferta.
Fase de liquidação, fase de reposição de estoques
“Historicamente, são três temporadas de aumento de abate de fêmeas para se ter uma resposta positivo-negativa, ou seja, para produzir menos. Quando eu estou em fase de liquidação, eu abato macho, abato descarte e abato muita fêmea. Então, tem oferta adicional. E a gente avalia que essa oferta adicional ainda vai estar disponível no ano que vem. Em 2022 aumentou um pouco, em 2023 aumentou muito. Acho que 2024 vai dar uma caidinha, mas ainda deve estar historicamente alto. E aí em 2025 o preço começa a subir. Em 2026 sobe muito, vem uma explosão. Isso é o que a gente está visualizando”, prevê Lygia Pimentel.
Thiago Bernardino, coordenador técnico da área de pecuária do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea-Esalq/USP), corrobora que o país vive o pico do ciclo pecuário de alta. “O ano de 2021 foi o que a gente mais inseminou. É o bezerro que está aparecendo agora, em 2023. E daí, nesse ano, a gente volta a abater mais fêmeas. Estamos no ciclo de mais oferta também porque, com preços menores, estamos abatendo mais fêmeas. De novo, é a reversão do ciclo que vai me impactar em 2025 e 2026”, sublinha.