Faz apenas sete anos que o Brasil inaugurou a primeira usina de etanol movida exclusivamente à base de milho, em Mato Grosso. Atualmente, já são 21 usinas que utilizam o milho como matéria-prima principal, e há 22 projetos de novas unidades ou expansão de plantas atuais. Apesar de boi não beber etanol, a produção do combustível a partir do grão tem gerado grandes volumes de subprodutos que impulsionam a engorda do gado e elevam a produtividade da carne no Brasil.
Os tais subprodutos das usinas de etanol de milho se chamam Grãos Secos de Destilaria (DDG), Grãos Secos de Destilaria com Solúveis (DDGS) e Grãos Úmidos de Destilaria (WDG). Grosso modo, equivalem ao bagaço da cana-de-açúcar. Ou seja, o que sobra após a retirada da matéria-prima principal para produção do combustível – amido do milho e açúcares da cana.
Chamados genericamente de DDG, esses compostos, que a indústria prefere chamar de coprodutos em vez de subprodutos, têm alta concentração de proteína e energia. E proteína e energia é tudo o que o gado precisa na fase de engorda, nos três a quatro meses que antecedem o abate.
DDG engorda o boi mais rápido
“O advento do DDG no Centro-Oeste mudou completamente a produtividade e o custo da terminação do gado, especialmente da engorda. O boi ficou mais produtivo, mais pesado, num espaço de tempo mais curto e com custo muito menor por causa do uso do DDG”, sublinha Edson Ticle, diretor financeiro do frigorífico Minerva, maior exportador de carne bovina da América do Sul.
Atualmente a pecuária brasileira está em ciclo de baixa, com elevado abate de matrizes, aumento da oferta e diminuição dos preços. O abate das matrizes resultará em menor oferta de bezerros já no ano que vem, fazendo o ciclo pecuário se inverter para fase de alta, com encarecimento dos preços ao consumidor.
Na análise do diretor da Minerva, a introdução do DDG na dieta dos bovinos tem ajudado a encurtar esses ciclos pecuários, que normalmente duram entre quatro e cinco anos. O DDG, aliado à melhoria genética do rebanho, já teria possibilitado elevar o teto de abates a 39 milhões de cabeças por ano, 4 milhões a mais do que no ciclo anterior.
Com DDG, milho passou a dar dinheiro
Não é que antes faltasse comida para o boi. Havia o milho e o farelo de soja e os subprodutos do algodão. O acréscimo do etanol na cadeia do milho, contudo, transformou o próprio status do grão cultivado no país.
“O produtor plantava o milho porque não tinha outra alternativa para a safrinha. Hoje não. O milho hoje dá dinheiro por causa da indústria de etanol, que alavancou muito a produção”, diz Juliano Fernandes, professor de Nutrição de Ruminantes da Universidade Federal de Goiás (UFG).
No atual período de seca no Centro-Oeste do país – há localidades em que não chove há mais de cinco meses –, o DDG tem sido um aliado para garantir a nutrição do rebanho.
“É um produto para alimentar bezerro desmamado na seca, suplementar vaca na seca, prover proteínas para o animal em crescimento, não é só para animal em confinação. Não é que ele chegou e mudou os índices da pecuária brasileira. Mas o DDG realmente tem um grande impacto para melhorar desempenho”, sublinha Flávio Portela, professor de Zootecnia da Esalq-USP.
Bois mais pesados, com mesma idade
Quanto ao efeito na fase de engorda final do boi, o DDG já mostrou a que veio. “Para cada 10% de inclusão de DDGS na dieta, há um aumento de 2 a 2,6 kg de carcaça por boi. Em 100 dias de confinamento, se eu colocar 40% de DDGS, isso significa que o boi vai morrer com 8, 10 ou 12 kg a mais de carcaça. No mesmo tempo de confinamento, ele vai ficar mais pesado ou vai precisar de menos dias de cocho para atingir o mesmo peso da dieta convencional”, aponta Portela.
Com o início da produção de etanol de milho no país, uma década atrás, o pesquisador Juliano Fernandes confessa que ficou com medo que o combustível “roubasse” a matéria-prima fundamental para criação do gado. Ele partiu para o Nebraska, nos EUA, para entender melhor como funcionava o DDG. O receio de que a função alimentar do milho se perdesse não existe mais.
“Nós aprendemos a produzir com DDG. Temos uma quantidade de DDG muito grande de inclusão na dieta, hoje a gente trabalha com 40% a 45%. É um produto que me entrega proteína de graça, vamos dizer assim. Em torno de 30% de proteína e quase 90% de energia. O DDG mudou a nutrição no Brasil e nos Estados Unidos. Às vezes, pode até aumentar o custo da dieta, mas o animal ganha mais peso e você tem uma arroba produzida mais barata”, assegura Fernandes.
DDG avança como alimento para suínos
A curva do uso de milho para produção de etanol no Brasil segue numa vertical crescente. No ano-calendário de 2023, foram utilizados 13,4 milhões de toneladas. Neste ano, deve chegar a 17,3 milhões e, em 2025, a 19,4 milhões, segundo estimativas do Itaú BBA. De 122 milhões de toneladas de milho produzidos anualmente, 83 milhões ficam no mercado interno. Desses, 67% vão para ração animal, 21% para produção de etanol (gerando como coproduto o DDG) e 12% para os demais usos.
Enquanto o uso do DDG para ruminantes já está consagrado, a adição do composto para alimentação de suínos vem se expandindo. Para aves ainda é incipiente, e depende de mais pesquisas. Na avaliação do Itaú BBA, partindo da premissa de substituição de 30% do volume de milho para bovinos (corte e leite) e de 5% para suínos e aves (corte e postura), o maior potencial para o DDG estaria no Paraná, seguido por São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás.
Na medida em que o conhecimento técnico do produto para alimentação de suínos e aves estiver mais difundido e consolidado, Santa Catarina e Rio Grande do Sul podem subir no ranking da demanda.
Descarte industrial virou excelente alimento
“A nutrição do frango é um pouco mais sensível. Então o DDG está começando, mas não é provavelmente um substituto tão imediato ainda como é para o bovino. Mas a gente está constantemente buscando alternativas. Para o suíno ele vai muito melhor”, confirmou o CEO da Seara, João Campos, ao participar de um debate sobre proteínas animais no AgroSummit, promovido pelo Bradesco BBI, em São Paulo.
Para o analista de mercado Alcides Torres, da Scot Consultoria, de fato o DDG saiu de uma condição potencial de lixo do processo da indústria para virar opção de excelente fonte de alimento do gado. Mas ele faz ressalvas quanto à dimensão do impacto na pecuária.
“O DDG não é um produto milagroso. Nós somos entusiastas, o benefício é evidente, mas não é revolucionário. É mais um alimento disponível e não chegaria ao ponto de falar que diminuiu o ciclo pecuário de preços por causa do DDG”, sublinha.
Diferenças em relação ao bagaço da cana
Ele compara a saga atual do DDG ao uso que se imaginava para o bagaço de cana em São Paulo. “A gente imaginava que na região de Ribeirão Preto, no norte de São Paulo, teríamos uma cornucópia da produção de alimentos em função do bagaço hidrolisado da cana-de-açúcar. Só que isso acabou porque nós estamos queimando bagaço para produzir energia elétrica. O mercado acabou definindo isso. E hoje a gente usa só um pouquinho de bagaço para ter fibra na dieta”, relata.
Como o milho não gera biomassa para produzir a energia necessária ao seu processamento, seus coprodutos, como o DDG, ainda se prestam mais para a alimentação animal. A energia consumida pelas usinas de etanol vêm de cavacos de madeira, obtidos de florestas plantadas próximo das unidades.
No Brasil, o preço do DDG ainda fica entre 1,3 e 1,5 vez o preço do milho. Já nos Estados Unidos, mercado mais maduro para o farelo, a proporção é de 1 para 1. Em 2024 a produção brasileira de DDG está estimada em 5,2 milhões de toneladas, um aumento de 28% em relação ao ano passado. Cerca de 740 mil toneladas devem ser exportadas, enquanto o restante é aproveitado pela indústria local de proteína animal.
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