Integrantes do MST fazem manifestação em Curitiba, em 2004, no primeiro governo de Lula| Foto: Aniele Nascimento / Arquivo Gazeta do Povo
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Já se sabe que o primeiro escalão da máquina administrativa do futuro governo Lula começará inchado, com a criação de 14 novos ministérios, totalizando 34 ministros, um acréscimo de mais de 50% em relação às 23 cadeiras do governo Bolsonaro.

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A partir de premissas ideológicas que enxergam e fomentam antagonismos num mesmo setor produtivo, o Ministério da Agricultura, por exemplo, será desmembrado em três pastas, com a recriação do Ministério da Pesca e do Ministério do Desenvolvimento Agrário, além do próprio ministério original. Vem aí, também, os inéditos ministérios da Igualdade Social, das Pequenas e Médias Empresas e dos Povos Originários.

O professor de Administração da USP em Ribeirão Preto e da FGV em São Paulo, Marcos Fava Neves, conhecido como Doutor Agro, que também leciona na Argentina, nos Estados Unidos e na África do Sul, vê a divisão da pasta da Agricultura em três como “um tiro no pé do próprio País”. Será o governo, já de início, “atrapalhando uma coisa que está dada, que é o desenvolvimento do Brasil puxado pela exportação de comida e bioenergia”.

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“Precisamos de um ministério forte, que jogue na Champions League mundial, e não numa divisão interna no Brasil. Você vai a reuniões internacionais com dois ministros da Agricultura? Não é uma coisa adequada, é preciso ter governança”, aponta o engenheiro-agrônomo. Fava Neves conversou com a reportagem da Gazeta do Povo após uma palestra a quatro mil produtores reunidos pela Federação da Agricultura do Paraná (FAEP) num encontro de líderes rurais, em Curitiba. Veja a entrevista.

Marcos Fava Neves tem 75 livros publicados e mais de 200 artigos em periódicos científicos internacionais e nacionais

Atrapalhar o agro é atrapalhar a geração de caixa do País

O governo que vem aí está com esse discurso de antagonismo entre agronegócio e agricultura familiar, entre o agro e o meio ambiente. Decidiu inclusive dividir o Ministério da Agricultura novamente, recriando o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Ministério da Pesca. Vamos ter problemas ideológicos adiante?

Espero que não, porque é um tiro no próprio pé o governo criar qualquer tipo de impedimento para o crescimento do agronegócio. A gente viu que o mercado mundial pede o crescimento do Brasil, tanto em grãos quanto em carne, em bioenergia e produtos prontos. Se atrapalhar isso, é como se você atrapalhasse a própria geração de caixa da sua casa, o faturamento que vai entrar. O setor precisa se mobilizar, primeiro, para mostrar que algumas medidas vão prejudicar o próprio governo em sua capacidade arrecadatória, em sua capacidade de gerar programas sociais e de inclusão. É atrapalhar algo que está dado, que é o desenvolvimento do Brasil puxado pela exportação de comida e bioenergia, que é onde o mundo olha para gente como solução para problemas globais gravíssimos.

Eu nunca vi uma oportunidade tão grande aberta ao Brasil que não pode ser atrapalhada pelo novo governo, que mantém ainda alguns erros, de pessoas que não evoluíram ainda no pensamento. Essa separação da agricultura, ela não existe conceitualmente. Quando você pega o conceito do agro, ele é de pequenos, médios e grandes produtores. O setor antes da porteira ou pós-porteira, em cadeias produtivas integradas que podem sim ser estimuladas pelo Estado. Mas a agricultura, a produção de comida e bioenergia é uma só. Essa tentativa de separação vai criar um problema de governança, de coordenação.

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Sou contra a ideia de se criar um segundo ministério, acho que você pode fazer programas interessantes para pequenos produtores, mas eles devem estar dentro do Ministério da Agricultura do Brasil, e não criar um outro espaço. Você vai a reuniões internacionais com dois ministros da agricultura? Não é uma coisa adequada, é preciso ter governança.

Fortalecer os programas sociais, os programas de apoio, de distribuição de renda e de alimentos – tudo pode ser feito dentro do Ministério da Agricultura. Precisamos de um ministério forte, que jogue na champions league mundial, e não numa divisão interna no Brasil.

O agro faz seu papel no combate à fome

Há um discurso que contrapõe o agronegócio à segurança alimentar no país, dizendo que existem 18 milhões de pessoas com algum grau de privação de alimentos, e que não adianta nada o país ser um grande exportador, se não resolver esse problema. Afinal, o agro contribui para diminuir ou aumentar a fome no país?

Na verdade, o agro contribui para diminuição da fome no Brasil. De que forma? Produzindo amplas quantidades, exportando grandes quantidades, colocando no mercado interno grandes quantidades. Com isso ele gera um conjunto muito grande de empregos. Esses empregos recebem salários que contribuem com impostos, e esses salários são gastos, entre outras coisas, na alimentação, na construção civil, na compra de carros, no comércio. E ao gastar nesses setores, você gera novos empregos, novos salários. Enfim, todo o dinheiro gerado pelo agro é usado na movimentação na economia, que gera nova riqueza, novos salários e mais pessoas incluídas no sistema. Essa é a relação do agro, ele diminui a fome ao produzir.

O Brasil exporta bastante, e essa exportação não tem relação nenhuma com as pessoas passando fome no país. Os que passam fome no Brasil é por falta de renda, não por falta de comida. Portanto, o agro cumpre seu papel ao colocar a comida. Se a pessoa tivesse renda, poderia comprar em qualquer local, porque tem arroz, feijão, frutas, tem todos os produtos disponíveis. Não há uma relação da exportação com a fome. O problema da fome deve ser resolvido pela sociedade brasileira, governo e empresas, com programas de distribuição de alimentos. É um problema gravíssimo. Não era para ter fome. Mas a solução é prover renda para as pessoas de uma forma inicial, e depois também prover condições para que elas caminhem com as próprias pernas. Não podemos ter no Brasil uma cultura de dependência permanente do Estado.

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Taxação do agro: equívoco que prejudica a competitividade

Recentemente, em Goiás foi aprovada a cobrança de uma “taxa do agro” e no Paraná a proposta foi tirada de pauta, por pressão do setor. A bancada do PT protocolou um projeto para taxar as exportações, justificando que há um abuso na exportação de alimentos. Está na moda tentar taxar o agronegócio?

Isso é um outro grande erro conceitual. Se você taxa a exportação, ou outra ideia que surgiu aí, que é limitar o volume de carne que pode ser exportado, você efetivamente abaixa o preço no mercado interno. Mas, no segundo momento você cria inflação, porque a pessoa que produz vai deixar de produzir porque não ficou mais competitiva. Então, ao fazer isso, no curto prazo você diminui o preço, mas no médio e longo prazo você aumenta o preço. A Argentina é um exemplo disso, porque o incentivo à produção diminui.

O que o Estado precisa entender é que você tem que aumentar o caixa para poder aumentar a despesa. Isso tem que estar casado, se não você gera um desequilíbrio fiscal. Tudo bem, todo mundo quer um monte de programas de inclusão, programas sociais, mas é preciso geração de caixa. E a geração de caixa mais sustentável que existe é o aumento da atividade econômica. São os projetos para inovação, competitividade, logística, e outros que permitem a você galgar mais espaços no mercado e crescer, e, ao crescer, aumentar a arrecadação.

Muitas vezes quem senta na cadeira do setor público tem uma visão mais imediata: eu aumento a arrecadação via aumento de alíquota, via criação de novos impostos. Isso é contrário à competitividade no planeta. No médio prazo, você vai prejudicar a atividade econômica. O que nós precisamos é impulsionar a geração de renda, para daí, crescendo, você ter mais arrecadação. Eu sou contrário ao aumento da carga tributária. O Brasil já tem uma quantidade alta de impostos e o foco do Estado deve ser em aumentar competitividade, para que o país receba investimentos internacionais cada vez maiores e vire realmente uma plataforma produtiva do planeta.

Então, você tem que facilitar a abertura de empresas, facilitar os negócios, reduzir a burocracia, reduzir o peso do Estado. Esse é o receituário para que o setor privado cresça, aumente emprego, a produção e o pagamento de impostos. Eu tenho obsessão por geração de caixa via aumento de competitividade. Acho que esse é o trabalho mais social que existe, porque aí você inclui as pessoas.

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Agro tem efeito cascata na arrecadação de impostos

O que dizer do argumento recorrente de que o setor não paga quase impostos?

Isso é um outro grande erro. Você tem que medir para poder falar. Por exemplo, a pecuária arrecada no Brasil 100 bilhões de impostos todos os anos. Quando você pega um produtor que vai expandir a produção de soja, por exemplo, em cima de um hectare de pasto, ele vai gastar 18 mil reais. Parte vai para compra de semente e de fertilizante. E parte vai para a revenda agropecuária, que compra das empresas. Todo esse pessoal emprega gente, paga imposto em cima de salário, paga imposto em cima de circulação de produtos. Então, isso é uma miopia enorme. Se não mede, você fala bobagem. É fácil medir quanto é a contribuição tributária de uma cadeia produtiva. Se pegar a soja, por exemplo, dá para ver quanto cada elo gera de renda, quanto paga de imposto, e o total gerado pela cadeia produtiva. Se você não enxerga direito, não sabe o que é o conceito de agro, e fala uma coisa dessas, você está mentindo em relação aos números.

Fava Neves durante palestra a quatro mil produtores reunidos pela Federação da Agricultura do Paraná, no dia 2 de dezembro, em Pinhais, região de Curitiba

Líderes e movimentos alinhados com o governo eleito dizem que o agro tem uma dívida com o meio ambiente. E o setor diz o contrário, que é guardião do meio ambiente, que tem é crédito. Como entender isso?

O setor tem muito crédito para receber. Porque em 2012 foram separados os ativos produtivos das pessoas, que foi a regra do Código Florestal, e colocaram isso para preservação. Não indenizaram as pessoas, que têm muito a receber.

As atividades de energias renováveis do Brasil, biodiesel, biometano, etanol, quanto elas sequestram hoje de carbono em comparação ao uso dos combustíveis fósseis? Tem uma série de coisas que estão acontecendo, o uso de esterco, o crescimento de pastagens sequestrando carbono. As pessoas que falam não entendem efetivamente essa contribuição. Hoje, você pode dizer que a agricultura do Brasil, considerando os grandes países, é a mais sustentável do planeta, pelos seus indicadores. Pelo uso de energias renováveis e dois terços das terras preservadas. O Brasil precisa só de 250 milhões de hectares para abastecer essa demanda mundial. Os outros 600 milhões podem ficar como estão e preservados.

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Então, você jogar o agro contra o meio ambiente é um tiro no próprio pé do Brasil. Por que está falando mal de quem tem os melhores indicadores. Tem problema? Tem. É localizado, pode ser resolvido, que é o desmatamento ilegal. Esse problema nós temos que resolver de forma urgente. Eu costumo dizer que na área ambiental, o Brasil ganha de 10 a 1, mas o gol que passa lá fora é o gol que a gente levou, que é a história do desmatamento ilegal. Isso precisa vir a zero. Porque o próprio nome diz que é ilegal. No Brasil, 50% da nossa produção passa por uma cooperativa. Quer uma coisa mais social do que isso? Contrapor o agro ao meio ambiente é uma estratégia equivocada, se o que se quer é geração de renda e inclusão de pessoas. A gente sabe que boa parte desses problemas são criados por brasileiros também.

Defensivos: querem proibir remédios mais modernos

Alguns projetos de lei estão para serem votados no Congresso, como a lei de modernização dos defensivos, do licenciamento ambiental e do autocontrole da agroindústria (já aprovado pelo Senado). O setor vê como uma modernização, mas o governo eleito discorda e pretende pôr o pé no freio...

Isso é outro equívoco. Você dá a entender às pessoas que aprovar novos defensivos é ruim para o meio ambiente, é ruim para a agricultura e para o Brasil. É a mesma coisa que não ter acesso a novos remédios: não pode lançar remédio novo porque é ruim para a saúde das pessoas. É completamente o contrário. As novas moléculas geradas por essas empresas brasileiras e multinacionais, de empreendedores e de universidades, são mais eficientes e menos tóxicas. É como se fosse um automóvel com motor 1.0 turbo. Vai ser mais econômico do que um automóvel com motor maior, que tinha a mesma potência. Então, essas leis são para modernizar.

E outro aspecto importante, vai ter mais eficiência tudo o que puder ser digitalizado, que puder ser entregue com rapidez, na presença de terceiros e com fiscalização do Estado. Por exemplo, se alguém quer fazer um investimento altíssimo para colocar um pivô num local que existe água, que vai gerar renda e emprego, ainda mais se utilizar isso para produção de hortícolas, leva três ou quatro anos para conseguir a licença. Você está retardando um investimento que vai gerar renda e emprego no Brasil. A visão é o contrário. O Estado tem que ser um poupa-tempo do empreendedor. Ele tem que entender qual é a jornada do cara para empreender, quais as etapas pelas quais ele passa, e entrar facilitando essas etapas. O que a gente observa hoje é o Estado dificultando a jornada do empreendedor no Brasil. Ele tem que sair da frente. Porque o empreendedor empreendendo, o estado se beneficia. Você gera emprego, gera mais impostos naquela atividade, e isso circula pela economia. O Estado precisa ser facilitador da geração de valor e de renda, e não alguém que dificulte.

Agro está para os negócios como Senna para a F1

Apesar de tudo, sua perspectiva é otimista para o agro brasileiro?

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É o melhor setor que nós temos. Eu saio do Brasil toda hora para falar do agro. É um setor respeitado. O agro está para os negócios do planeta como o Ayrton Senna para Fórmula 1. É uma coisa impressionante, o respeito que as pessoas têm pelo trabalho que o Brasil faz nessa área. E o  Brasil é resolvedor de problema, porque quando você joga 30 milhões de toneladas de soja a mais no mercado mundial num ano só, olha quanta gente você vai poder trazer para a mesa de comida de novo. Porque o frango, o suíno é uma soja que caminha, um milho que caminha.

A presença do Brasil permite mais segurança alimentar ao planeta. As pessoas que criticam o agro é porque não tem entendimento. Elas não sabem o que é o conceito. Acham que o agro é grande produtor. Daí usam aqueles termos que estão para a moderna agricultura do planeta como o carburador para o automóvel. Latifúndio, agrotóxicos... você já percebe por aí que a pessoa tem uma carga ideológica, ela não está querendo entender efetivamente como funciona. E a nossa chance de inserção no planeta é pela produção de comida para 1,5 bilhão de pessoas, e com isso o Brasil ser cada vez mais respeitado. Quem vai desrespeitar a cozinha da casa, que coloca a comida na mesa?

Esse é o papel que está determinado para nossa sociedade. O único país hoje que consegue produzir de uma forma extremamente sustentável é o Brasil, com a plataforma produtiva que nós temos, com as energias, com o biometano que é um pré-sal que a gente tem ainda para explorar dentro das propriedades. E tem toda a parte fotovoltaica também, para tirar o custo de energia elétrica de granjas e de pomares irrigados. Enfim, é o nosso melhor negócio, é onde a gente vai conseguir promover o emprego e a inserção social, portanto ele não pode ser de forma alguma atrapalhado, tem de ser impulsionado.