No dia 1º de outubro, comemorando a conclusão de um novo acordo de livre comércio com o Canadá e o México, em substituição ao NAFTA, em termos mais alinhados aos interesses dos Estados Unidos, o Presidente Trump comentou sobre a sua insatisfação em relação às políticas comerciais da Índia e do Brasil.
Trump chamou a Índia de “rei de tarifas”. “O Brasil é outro. É lindo. Eles cobram da gente o que querem”, falou o líder estadunidense. “Se você perguntar para algumas empresas, elas falam que o Brasil é um dos mais duros do mundo – pode ser o mais duro do mundo”, completou ele.
Lembrando do poema de Carlos Drummond de Andrade, perguntamos, “E agora, José?”
O Brasil deve ter chamado a atenção do Presidente Trump pelo fato de estar na lista dos países que geraram déficit na balança comercial para os Estados Unidos em 2017. Historicamente, o comércio com o Brasil foi superavitário para os Estados Unidos. Só o ano passado foi uma exceção. Conforme dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços do Brasil, fechamos o período com um déficit de US$ 2 bilhões para os Estados Unidos.
Esse desequilíbrio na balança comercial bilateral foi relativamente pequeno, se comparado com outros países. Conforme dados das autoridades estadunidenses, no período, o maior saldo negativo entre as exportações e as importações de mercadorias pelos Estados Unidos foi registrado com a China, de US$ 375,2 bilhões.
Com o México, o déficit foi de US$ 71 bilhões e com o Canadá, de US$ 17,1 bilhões. No caso da Índia, o saldo negativo foi de US$ 22,9 bilhões no mesmo período.
No caso do Brasil, a balança comercial bilateral voltou a ser superavitária para os Estados Unidos nos primeiros nove meses deste ano. Entretanto, o que pesa é a disparidade nas tarifas de importação. Nossa tarifa média de importação é uma das mais altas do mundo: de 13,5% (até o “rei de tarifas”, a Índia, aplica uma tarifa média um pouco menor, de 13,4%).
Antes de iniciar a guerra comercial, os Estados Unidos praticavam uma das mais baixas tarifas médias do mundo, de 3,5%.
Essa disparidade nas tarifas de importação e o desequilíbrio na balança comercial motivaram as recentes práticas protecionistas dos Estados Unidos (chamadas de “bullying” pelos seus pares) e forçaram as negociações com o México, o Canadá, a União Europeia, o Japão e outros países.
Disputa dos Estados Unidos com a China é muito mais do que o comércio
Com a China, a situação é um pouco diferente. Está ficando cada vez mais claro que a guerra comercial com o gigante asiático não se resume ao comércio. Especialistas apontam para uma disputa pela liderança tecnológica, pelas regras e regulamentos mutuamente aceitos, pela política industrial e pela segurança nacional. Por isso, afirmam que não se trata de uma desavença momentânea e sim de um “conflito existencial”, como foi apelidado pela agência de notícias Bloomberg.
As duas maiores potências disputam a liderança global. Por isso, não será nada fácil o país asiático achar uma saída que satisfaça os pleitos dos Estados Unidos. Não seria só oferecer tarifas de importação mais baixas e mais acesso ao mercado chinês aos produtos estadunidenses: a solução exigiria da China mudanças em várias esferas de sua política nacional, principalmente no setor industrial e de investimentos, bem como na sua política externa.
E acima de tudo, para a China, a solução não poderá transparecer fraqueza perante a pressão dos Estados Unidos. Por isso, o conflito será duradouro e afetará a economia de todos os países e a política global.
Esse atrito vai desaquecer as duas economias, sendo que a China, provavelmente, sentirá efeitos negativos mais rapidamente.
Em um recente artigo, o professor da Universidade de Harvard Jeffrey Frankel pondera que o aumento de tarifas de importação pelos Estados Unidos não só não vai resolver o problema de déficit na balança comercial, como vai contribuir para uma maior valorização do dólar estadunidense. A dificuldade da China de exportar seus produtos para os EUA vai reduzir as receitas chinesas em dólares e assim, vai restringir a possibilidade de compra dos produtos norte-americanos. Da mesma forma, outros países vão reduzir suas compras, gerando a escassez e a consequente valorização da moeda americana.
Desarmamento comercial da China gera oportunidades para o Brasil
A China começou a tomar providências contra os efeitos nocivos das políticas dos Estados Unidos, adotando medidas para aquecer o consumo. Para isso, no meio de uma guerra comercial, está se desarmando, baixando suas tarifas.
Em julho, a potência asiática reduziu as alíquotas de imposto de importação para uma ampla gama de eletrodomésticos, vestuário, cosméticos e produtos fitness. Agora, conforme relatado pela agência Reuters, a China anunciou que, no próximo mês de novembro, vai reduzir tarifas de importação para máquinas, equipamento elétrico e produtos têxteis.
A Reuters relata que, com os cortes de taxas para 1.500 produtos industriais, o governo chinês espera gerar uma economia de 60 bilhões de yuan (quase 9 bilhões de dólares dos EUA) para seus consumidores e empresas ainda este ano. Com as medidas, a tarifa de importação média chinesa cairá de 9,8% em 2017 para 7,5% em 2018.
Para o maior item da pauta importadora chinesa, maquinário e equipamentos elétricos, o governo chinês anuncia a redução tarifária de 12,2%, em média, para 8,8%. A China importou mais de US$632 bilhões em máquinas e equipamentos elétricos no período de janeiro a agosto deste ano, o que representou um acréscimo de 19,6% em comparação com o mesmo período de 2017, conforme as estatísticas oficiais chinesas apontadas pela Reuters.
As tarifas para têxteis e materiais de construção devem cair de 11,5%, em média, para 8,4%. Já para produtos de papel, de 6,6%, em média, para 5,4%, segundo as informações da Reuters.
Esse ambiente de tarifas de importação mais baixas, e com a China buscando diversificar seus fornecedores em substituição aos EUA, é um momento muito oportuno para o Brasil.
Enquanto as commodities continuam representando boas perspectivas de crescimento já no curto prazo, há possibilidades mais duradouras de ampliar as nossas vendas externas de vários outros produtos, cujo consumo a China está estimulando: máquinas e equipamentos elétricos, têxteis, cosméticos, materiais de construção, papel etc. Tudo isso o Brasil já exporta e poderá exportar muito mais.
Estamos falando de um mercado de centenas de bilhões de dólares – montante muito relevante se comparado às nossas exportações totais de 2017, que foram de US$ 183 bilhões. O aumento e a diversificação de exportações seriam muito saudáveis para a economia brasileira. Desde que saibamos aproveitar as oportunidades, temos muito a ganhar.
José, e agora?
A atenção dos Estados Unidos para o Brasil, mesmo num contexto negativo, poderia gerar efeitos positivos. O nosso protecionismo é prejudicial para a economia. A balança comercial é desequilibrada e as exportações, que criam divisas e contribuem para a sanidade da balança de pagamentos, estão estagnadas. Os investimentos estrangeiros também dependem da abertura e do bom desempenho econômico.
O momento pode ser bem oportuno para negociarmos com os Estados Unidos. É o maior importador e a maior economia mundial, que continua forte. Se for possível negociar um acordo de livre comércio, teremos acesso a 327 milhões de consumidores de renda elevada.
A redução de barreiras nas importações de produtos e serviços contribuiria para o aumento da produtividade no Brasil, essencial para o crescimento econômico. Sem o fomento da produtividade, a nossa moeda vai continuar se desvalorizando, contribuindo para o aumento da inflação e de taxa básica de juros.
Para estimular a economia, devemos fazer o mesmo que a China, um desarmamento comercial. A decisão é com o próximo Presidente da República. Como diz Drummond no fecho de seu famoso poema: “Você marcha, José! José, para onde?”