Já dizia Pero Vaz de Caminha que “nesta terra, em se plantando, tudo dá”. O fidalgo português talvez só não tenha imaginado que um dia seria possível "plantar" até água da chuva. A ideia coube ao engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa Luciano Cordoval de Barros, 70 anos, que há 37 pensou num projeto que revolucionaria e democratizaria o acesso à água no semiárido brasileiro: as barraginhas.
Como o nome indica, essas minibarragens de 16 metros de diâmetro em formato de meia-lua são construídas para reter a água das enxurradas, possibilitando que o líquido se infiltre lentamente no solo. Com isso, melhoram-se as condições de umidade do terreno, mata-se a sede de pessoas e animais e, além disso, os lençóis freáticos e rios são constantemente abastecidos, o que potencializa os ecossistemas no entorno.
A ideia simples – que já recebeu incontáveis prêmios – veio depois que Barros reparou o resultado de duas enxurradas que formaram uma espécie de barragem natural. “Notei, depois da chuva, que sementes germinavam dentro do lago dessa barragem. Senti que estava com a semente de algo muito poderoso na mão, então a cultivei e continuo semeando até hoje. É minha vida, meu prazer”, diz.
O pesquisador ficou dez anos estudando os efeitos desses pequenos lagos artificiais até lançar o Projeto Barraginhas. Vinte e cinco anos depois, ele ri quando pergunto quantas pessoas já foram impactadas pela ideia. “Não tem como dimensionar”, diverte-se. Estima-se que existam atualmente no Brasil cerca de 2 milhões de barraginhas espalhadas por 15 estados – do Piauí ao Rio Grande do Sul, do Espírito Santo ao Mato Grosso. “Queremos aposentar os caminhões pipa”, sintetiza.
De acordo com o seu idealizador, a iniciativa consiste em treinar multiplicadores para que a ideia caminhe pelas próprias pernas. Na Embrapa Milho e Sorgo, que funciona em Sete Lagoas (MG), há uma estação de treinamento do Projeto Barraginhas. “O pessoal vai lá, passa um dia, e sai credenciado para se tornar um multiplicador. Hoje temos milhares de pessoas treinadas. Mas tem muita gente que vê a estrutura e consegue copiar de olho mesmo”, diz Barros, sem demonstrar qualquer preocupação com isso.
O custo estimado de uma barraginha é de R$ 300 a R$ 450, que é basicamente o custo de aluguel de 2 a 3 horas de uma máquina retroescavadeira usada para cavar o buraco. E só. Em apenas 1 dia é possível construir até 4 barraginhas.
Desse modo, o projeto acaba tendo um impacto social muito grande, pois muitas famílias de regiões em que a água é considerada ouro conseguem sobreviver e ver a plantação e o gado prosperarem graças a essa fonte acumulada. No semiárido, por exemplo, as chuvas fortes ocorrem em um período de 3 a 4 meses, conforme explica Barros. Depois disso, as famílias e a agricultura sofrem com a escassez hídrica ao longo do ano.
“No semiárido, quando a chuva cai, cai duma vez só. E a água toda vai embora. Não dá tempo de ela infiltrar e ainda leva o solo junto. Com a barraginha, a água pode ir também para uma cisterna e ser usada para abastecer a família, os animais e a horta. Até o córrego mais à frente da barraginha não vai secar e terá água o ano inteiro”, explica o engenheiro agrônomo. Cada barragem dessas consegue armazenar até 100 mil litros d’água.
Mas antes de formar os multiplicadores do projeto, o primeiro passo para a implantação é explicar para a comunidade no entorno o que significam as barraginhas e quais os seus benefícios. Muitas vezes, conforme explica Barros, há participação de prefeituras locais, patrocinadores privados e estatais na disseminação do projeto, na construção das estruturas e nos treinamentos.
Segundo Barros, as barraginhas também são capazes de “matar” as enxurradas, e além de impedir que a água carreie a terra para dentro dos rios e empobreça o solo, elas também permitem que o líquido se infiltre no terreno, irrigando as raízes das plantas. “Essa água é uma poupança, quando ela é segura ela vai caminhando pelo subterrâneo, criando sustentabilidade hídrica”, ensina.