Gerar energia elétrica por meio da produção do biogás deixou de ser só experiência de laboratório no Brasil. Setores da economia, como a agropecuária, vem garantindo que essa alternativa seja viável em larga escala. A suinocultura que o diga. Ela lidera o fornecimento da matéria-prima no agronegócio para o posterior abastecimento de centrais elétricas no país.
De acordo com dados oficiais do CIBiogás (Centro Internacional de Energias Renováveis), entidade nacional voltada ao apoio da pesquisa de energias alternativas, os suinocultores são responsáveis pela produção geral de 14% do biogás nacional.
A contribuição da agropecuária, em especial a suinocultura, se insere em um contexto promissor, marcado por expansão de projetos e apoio à pesquisa envolvendo o uso do biogás para responder às demandas do consumidor final de energia. De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), existem atualmente no Brasil 40 usinas movidas a biomassa, sendo que 14 delas trabalham com resíduo animal. Outras 22 são provenientes de Resíduos Sólidos Urbanos e três de Resíduos Agrícolas (AGR). A energia elétrica gerada a partir da biomassa representa 8,5% de toda a geração brasileira, sendo que a origem agroindustrial representa grande parte deste percentual. Neste link é possível conferir essa divisão.
Em Minas Gerais e Santa Catarina, bovinos de leite e suínos alimentam biodigestores
No município de Pouso Alegre (400 km de Belo Horizonte), no sul de Minas, se concentra uma iniciativa de como a produção de energia via biogás tem viabilidade imediata. Na Fazenda Bom Retiro, na zona rural de Pouso Alegre, os dejetos de mil vacas em ordenha e outros mil suínos em terminação alimentam três biodigestores, que geram R$ 30 mil mensais em energia elétrica. Com a receita gerada pela produção de eletricidade é possível planejar o que será usado na própria fazenda e o que fazer com o excedente. Cerca da metade da quantidade gerada é transformada em “crédito de energia” pela distribuidora e pode ser vendida para outros consumidores (esse processo é chamado de geração distribuída). A outra metade é usada para abastecer a propriedade.
Em Santa Catarina, no município de Faxinal dos Guedes (494 km de Florianópolis), a criação de suínos também serve para a produção de biogás. As mais de 3 mil cabeças de uma única granja produzem dejetos que vão parar em sete biodigestores. São cerca de 250 mil litros de dejetos coletados diariamente para servir de matéria-prima para a geração de energia. No caso do projeto do município catarinense também há diversificação de aproveitamento da energia: metade da produção mantém o fornecimento do sistema elétrico da granja e outra parte é comercializada com a distribuidora de energia de Santa Catarina.
Do Paraná também vem um exemplo de como a produção do biogás em centros produtores de suínos exibe potencial para atender o consumidor residencial e empresarial. Tudo começa dentro da propriedade rural. O que era um passivo ambiental da suinocultura está virando combustível de desenvolvimento para o pequeno município paranaense de Entre Rios do Oeste (610 km de Curitiba). Em julho, a cidade dará o primeiro passo para se tornar autossuficiente em energia elétrica, graças à transformação de rejeitos da criação de suínos. No início, os milhares de suínos das granjas locais vão ajudar a “pagar” a conta de luz dos prédios e espaços públicos da cidade, tornando Entre Rios o primeiro município brasileiro a utilizar o biogás em grande escala.
“A cidade tem cerca de 4 mil habitantes e uma população de 300 mil suínos. Unimos então 17 suinocultores para produzir o biogás. Para armazenar esse material criamos um ‘biogasoduto’, que é ligado a uma central elétrica que faz a distribuição de energia para toda a cidade. Temos a expectativa que em breve possamos deixar o município autossuficiente desse recurso, apenas utilizando o processamento dos rejeitos da produção”, diz o diretor-presidente do CIBiogás, Rodrigo Regis de Almeida Galvão. Com sede no Parque Tecnológico da usina de Itaipu, em Foz do Iguaçu (PR), o CIBiogás é uma associação sem fins lucrativos que desenvolve projetos relacionados às energias renováveis. Sua estrutura concentra um laboratório de pesquisas e 11 usinas de produção de biogás no país.
O projeto do Oeste paranaense, em que foram investidos R$ 19 milhões, está sendo realizado em conjunto pela própria ANEEL, CIBiogás, pelo Parque Tecnológico Itaipu (PTI), Companhia Paranaense de Energia (Copel) e pela Prefeitura Municipal de Entre Rios do Oeste.
A Castrolanda, uma das principais cooperativas do agronegócio paranaense, também já está buscando ingressar na produção de biogás e iniciou estudos para colocar em prática a atividade em uma de suas granjas. “Temos um projeto em implantação em que aplicaremos resíduos orgânicos de nossas indústrias para produzir biogás. Uma parte será utilizada para gerar energia elétrica em uma planta com 1 megawatt (MW) de potência e o restante irá para produção de biometano, que irá substituir o Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) consumido na Alegra. Esse último processo gera gás carbônico (CO2) como subproduto residual, que também é aproveitado pela empresa para a insensibilização dos suínos”, aponta o gerente de Negócios e Energia da Castrolanda, Vinicius Guilherme Daineli Fritsch.
Nos exemplos verificados em diferentes regiões do país, constata-se como a agropecuária, tendo a suinocultura como carro-chefe, possui atuação estratégica para atender às demandas de produção de biogás. Mas por que isso acontece, em especial com os dejetos de suínos? O professor Jorge Lucas Júnior, do campus de Jaboticabal (SP) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), instituição parceira da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) nas pesquisas com biodigestores, explica: a maior adoção da tecnologia na suinocultura se deve ao fato de os dejetos dos suínos terem maior potencial fertilizante e energético do que os de bovinos. Por outro lado, ele conta que uma vaca produz muito mais estrume do que um porco. “Há, por isso, um equilíbrio e os produtores de leite podem ser tão eficientes quanto os suinocultores”, afirma o professor, ressaltando que, nas duas culturas, a tecnologia é uma grande aliada do meio ambiente.
A pecuária de leite, com outras atividades, representa 3% do total da produção de biogás no país. De acordo com a Embrapa Gado de Leite, a aplicação da tecnologia ainda é baixa entre os produtores de leite. Porém, o pesquisador Marcelo Henrique Otenio, coordenador dos estudos sobre os biodigestores na instituição, afirma que o uso do biogás encontra-se em expansão no setor, com a confirmação de retorno financeiro, como mostra a experiência da fazenda do município mineiro de Pouso Alegre.
Como funciona?
O biogás é a única energia renovável que transforma rejeitos de produção em ativo econômico. Além de gerar eletricidade, pode substituir a queima de madeira, ser filtrado e transformado em biometano (composto similar ao gás natural, que é de origem fóssil), tornando-se um combustível com mínimo impacto no meio ambiente. Países com a China e a Índia já utilizam essa fonte para alimentação elétrica em larga escala.
O biogás evita que o metano, resultante da decomposição natural dos rejeitos animais, seja lançado à atmosfera. Esse composto é 22 vezes mais nocivo para o meio ambiente do que o gás carbônico, por exemplo, outro poluente comum e também apontado por cientistas como causador do aquecimento global. Assim, a produção de biogás beneficia não somente a rentabilidade da suinocultura, mas também seu desenvolvimento sustentável, indo ao encontro da tendência mundial de buscar práticas menos nocivas à natureza.