A soja entrou no Brasil diversas vezes, mas em experiências descontínuas. Sementes dos Estados Unidos chegaram à Escola de Agronomia da Bahia em 1882 — 132 anos atrás. Há registro de estudos com a planta em 1891 no Instituto Agronômico de Campinas (SP), que inclusive distribuiu grãos a produtores. Segundo a Embrapa Soja, houve plantio experimental em 1901 também no Rio Grande do Sul, onde o clima mais parecido com o dos EUA favoreceu a lavoura.
Mas foi em 1914, há exatos cem anos, que a região gaúcha onde a soja perseverou teve o primeiro contato com a Glycine max, relata a historiadora Teresa Christensen. Ela analisou os registros históricos do Noroeste gaúcho e chegou à conclusão que as experiências anteriores na verdade fracassaram ou tiveram interrupções.
Para a pesquisadora, a região que literalmente pôs fé na oleaginosa — hoje o produto mais importante da agricultura brasileira — corresponde a Santa Rosa, município da Xuxa e do goleiro Taffarel que se orgulha do título de Berço Nacional da Soja. A 15 quilômetros da zona urbana, na Linha 15 de Novembro — vila rural de cem famílias —, instalou-se em 2008 o Memorial da Soja, desde então o marco zero da sojicultura no Brasil.
O Memorial homenageia o pastor norte-americano Albert Lehenbauer, que viveu no local numa época de trabalho árduo e pobreza. Surpreso com o potencial da soja nos Estados Unidos, distribuiu sementes a meia dúzia de famílias e ajudou a difundir a cultura a partir de 1923. Os porcos engordavam bem mais com a forrageira do que os alimentados com abóbora ou mandioca. Era fartura de carne e banha.
Cada agricultor tinha de repartir parte dos grãos com os vizinho. Três anos depois, a soja havia se alastrado, e não houve mais volta.
Produtores herdam lições da fase primitiva do cultivo
A Linha 15 de Novembro, em Santa Rosa (RS), testemunhou não só a época do surgimento da soja no Brasil, mas todas as fases da história do cultivo. Até hoje as pequenas propriedades dedicam-se ao grão, competindo com a produção em escala.
Quando passou a ser amplamente usada como forrageira na alimentação de suínos, por volta de 1950, a oleaginosa era cultivada no meio do milho, em corredores de um metro de largura formados por fileiras do cereal, conta o agricultor Reneldo Racho, de 68 anos. Ele era criança na época em que os imigrantes apostaram na oleaginosa e mostra guardar lembranças nítidas de como viviam os “importados”. A soja só se tornou o principal produto da colônia quando o comércio de grãos se estabeleceu, na década de 1960, recorda.
As dificuldades daquela época ensinam muito sobre como enfrentar os desafios do agronegócio, assegura. Toda a atividade era “no muque”, incluindo a colheita. As primeiras máquinas de corte, usadas na década de 1950, eram arrastadas pelos tratores. O trabalho árduo faz as quebras climáticas ou preços baixos de hoje parecerem mais leves, sustenta.
Além da produção agrícola, Racho montou uma transportadora de leite para prestar serviço a indústrias. Quando o preço da soja mal cobre custos, são 30 vacas jérseis e três caminhões que equilibram as contas. A pecuária é a nova vocação da Linha 15, assegura.
As margens de lucro apertadas da soja, em regiões que produzem 2,5 mil quilos por hectare, ofuscam a euforia do passado, compara Arturo Rutker, 72 anos, que conviveu com os produtores pioneiros. Seu avô materno produziu sementes que foram distribuídas a vizinhos e difundiram a soja na região. “O gasto para plantar era o trabalho. O que se ganhava era lucro da terra”, compara. Os 15 hectares da propriedade mantêm dois filhos, Renato e Valdino, em casa. Para competir na produção em escala seria necessário se aventurar por outras regiões. Mas sua opção foi a família.
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